BRASÍLIA - Diante da dificuldade do governo em dialogar com o Congresso Nacional, parlamentares decidiram assumir o protagonismo pela definição da agenda econômica e deixar as iniciativas do Palácio do Planalto em segundo plano. Na Câmara, líderes defendem abertamente que o processo de reformas necessárias para o país retomar o crescimento seja liderado pelo Legislativo. Desde a redemocratização, o Executivo sempre foi o protagonista da pauta econômica do país. Agora, abre-se a possibilidade de que o Parlamento lidere este debate. E os sinais disso são visíveis nas reformas tributária e da Previdência.
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O deputado Marcelo Ramos (PR-AM), presidente da Comissão Especial que discute a reforma da Previdência , afirmou que o grupo pode votar um texto alternativo, o que significa que serão feitas mudanças a partir da proposta original enviada pelo governo, retirando pontos considerados polêmicos. A decisão de que o Congresso assumirá de vez a formatação da reforma foi tomada esta semana numa reunião de líderes do Centrão na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
- Dentro da lógica de blindar a pauta econômica e de dar protagonismo maior à Câmara dos Deputados, já que é a Câmara dos Deputados que tem assumido a responsabilidade de enfrentar reformas estruturantes que o país precisa, consideramos como hipótese a ideia de um projeto substitutivo ao projeto encaminhado pelo governo - disse Ramos à TV Globo.
Questões como mudanças nas regras do benefício pago a idosos pobres, na aposentadoria dos trabalhadores rurais e no regime diferenciado de professores devem ser alteradas. O alvo mais recente dos parlamentares é a capitalização , em que trabalhadores contribuem para a própria poupança, um dos pontos centrais da proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Capitalização : Entenda como é o modelo defendido pelo governo
- Toda a proposta do governo é fundada numa ideia de um cheque em branco para o governo fazer a capitalização. Esse cheque em branco a Câmara não vai dar - disse Ramos ao GLOBO.
Para o parlamentar, as mudanças ajudariam a conquistar os 308 votos necessários para aprovar a proposta:
- Não é um texto novo, do zero. O governo só atrapalha: não dá centralidade à reforma da Previdência, quer tratar um monte de pautas e reiteradas vezes demonstra desapreço pelo Congresso. Nosso foco é manter a economia de R$ 1 trilhão em dez anos e o cronograma de votação.
Rodrigo Maia, que entrou em conflito com Jair Bolsonaro por considerar que o presidente fazia uma defesa sem entusiasmo da reforma, acredita que caberá ao Parlamento liderar a agenda econômica.
- Tenho certeza que nem a Câmara nem o Senado vai fugir da sua responsabilidade de organizar de forma racional o processo de reestruturação do Estado brasileiro - afirmou o presidente da Câmara ao GLOBO.
Nesta sexta-feira, o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, disse que Bolsonaro acredita que “a melhor reforma, segundo o princípio do presidente, é aquela que nós já levamos para o Congresso”. E acrescentou que está aberto ao “diálogo” com as duas Casas.
Reforma tributária
A longo prazo, os deputados querem ainda limitar o poder do Executivo de editar medidas provisórias e deixar o Orçamento ainda mais impositivo, proposta que deve ser votada daqui a três semanas, segundo Maia.
O protagonismo do Congresso fica claro na negociação da reforma tributária. Como o governo ainda não apresentou proposta formal, o Parlamento decidiu avançar na tramitação de um projeto próprio, que deve ser votado na semana que vem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Se aprovado, o texto será bem diferente do que vem sendo elaborado no Ministério da Economia. A proposta hoje na Câmara é baseada no trabalho do economista Bernard Appy, que prevê a substituição de cinco impostos por um tributo sobre bens e serviços. Esse modelo incluiria o ICMS, cobrado nos estados, e o ISS, administrado por municípios. Guedes disse preferir um sistema que deixe de fora tributos regionais. O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, tem preferência por outro modelo, que unifica os impostos num único tributo, cobrado sobre movimentações financeiras.
- A incapacidade do governo em apresentar uma agenda é um dado da realidade. Não dá para esperar que o Planalto, com uma interlocução atrapalhada, esteja à frente do processo. Precisamos e vamos ter o protagonismo - diz o líder do PSD, André de Paulo (PE).
O deputado João Roma (PRB-BA), relator da reforma tributária na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), avalia que a Câmara tem assumido o protagonismo por causa do “travamento” do governo. Ele ressalta, no entanto, que é preocupante o fato de que não haja relação harmônica, já que, na sua visão, os poderes são “interdependentes”:
- Nesta questão, a Câmara não esperou, não ficou a reboque do Executivo. O governo está prometendo: “Olha, até junho vamos mandar uma coisa. O pensamento é esse, é aquele”. Enquanto isso, a gente não só apresentou um projeto como já leu o relatório, já vai ter audiência pública, já vai instalar uma comissão especial sobre este item.
Líder do MDB, Baleia Rossi (SP) diz que o Congresso pode ocupar o espaço deixado pelo Planalto, mas precisa estar atento ao equilíbrio fiscal:
- É importante o parlamento sugerir pauta positiva, desde que não acarrete gastos, não seja uma pauta que vai levar instabilidade para a economia. Podemos ter agenda de expectativa da sociedade, de debates, questões importantes, mas não dá pra gerar despesas.
Já o líder do DEM, Elmar Nascimento (BA), lembra que os parlamentares, assim como ele, estão cotejando projetos para construir agenda própria.
- Já pedi à minha assessoria para passar um pente-fino nas propostas que há na Câmara para tocar as pautas do Legislativo. Não dá para ficar a reboque desse governo.