RIO - Um ano e nove meses após o pior desastre ambiental da história do Brasil, o rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Samarco em Mariana (Minas Gerais), não há avanços significativos na reparação e na compensação dos danos. E tampouco alguma das multas aplicadas pelo Ibama já foi paga pela Samarco, que recorre na Justiça. As ações criminal e civil pública estão suspensas. E não há definição sobre a reconstrução dos devastados povoados de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, cujos projetos enfrentam obstáculos legais.
Um seminário nesta quinta-feira, em Brasília, reúne os membros do Comitê Interfederativo (CIF), composto pelos governos federal e dos estados de Minas e Espírito Santo, para avaliar as ações feitas pela Fundação Renova. Esta foi criada pela Samarco e suas controladoras — Vale e BHP Billiton — para implementar os 41 programas de recuperação que compõem os Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC).
Os integrantes do CIF vão discutir alguns passos, como a instalação de 56 estações de monitoramento da qualidade da água nos rios Doce, Gualaxo do Norte e Carmo. E a proteção até junho de 511 das 5.000 nascentes na Bacia do Rio Doce cuja recuperação está prevista pelo TTAC. A ação civil pública movida pela Ministério Público Federal (MPF) e suspensa até 30 de outubro pede que 10 mil sejam beneficiadas a título de compensação. A mesma ação estima os danos em R$ 155 bilhões — contra os R$ 20 bilhões previstos pelo TTAC em 15 anos.
Segundo o CIF, cerca de 15 mil pessoas foram cadastradas pela Renova. E R$ 12,5 milhões foram pagos na antecipação de 500 indenizações às famílias dos mortos, pescadores, areeiros entre outros afetados. Já o Programa de Indenização Mediada, que negocia o valor final de cada atingido receberá, só começou este mês, de acordo com a presidente do Ibama e do CIF, Suely Araújo.
— As indenizações pagas são de caráter emergencial. Mas a urgência é solucionar o drama dos atingidos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo. A reconstrução desses povoados esbarra em problemas legais nos projetos apresentados — explica Suely.
Em menos de uma hora, a onda de lama da Barragem de Fundão varreu da face da Terra o povoado de Bento Rodrigues. Após 16 dias e 663,2 quilômetros, chegou à foz do Rio Doce e atingiu o mar, deixando um rastro de devastação em 31 municípios mineiros e quatro capixabas. Matou 19 pessoas.
Numa demonstração de que desastres podem acontecer em minutos e se desenrolar em dias, mas consomem anos para serem sanados, só agora a Usina Hidroelétrica Risoleta Neves (Candonga) que impediu que o grosso dos rejeitos atingisse o Rio Doce pode ser considerada fora de risco.
Segundo Suely, a chamada parte emergencial foi resolvida. Por ela se entendam a contenção dos rejeitos que estão dentro do complexo de Germano (onde fica Fundão) e a estabilização de Candonga. A primeira obra — que custou o alagamento das ruínas de Bento Rodrigues para a construção de um dique — ficou pronta em janeiro.
Já obras de dragagem da lama de Candonga estão atrasadas, mas o próprio CIF autorizou que fosse postergado até julho de 2018 — portanto, mais de dois anos e meio depois da tragédia — o prazo para o enchimento definitivo do reservatório.
— Podemos dizer que Candonga não está mais em perigo. As obras emergenciais levaram meses. Mas essa fase crítica foi resolvida — diz Suely.
Porém, a maior parte da lama depositada em leito e margens dos rios, de Fundão a Candonga, continua onde foi deixada pela onda. O último relatório do Ibama — divulgado em março — indica que somente 3,26% desses rejeitos foram removidos. E há erosão em 90,38% dos locais vistoriados. Suely Araújo observa que esses dados estão desatualizados e que o Ibama está em campo neste momento. Ainda assim reconhece que a recuperação levará anos:
— Não existe uma solução única. É um processo complexo e demorado.Segundo ela, a maior conquista até agora é o próprio funcionamento do CIF: — São muitos órgãos e técnicos envolvidos num sistema de governança sem paralelo no país. E temos servidores que trabalham muito além de suas obrigações.
O governo federal voltou na quarta-feira a permitir a exploração mineral na Amazônia após 30 anos de proibição, após extinguir uma reserva entre o Pará e o Amapá, aumentando as preocupações de ambientalistas com o rigor no licenciamento.
— Os danos e o tempo consumido pelo desastre de Fundão mostram claramente a importância do licenciamento ambiental e do processo de monitoramento e fiscalização pós-licenciamento. Temos que reforçar e não enfraquecer esse processo. Se eles são lentos, a reparação dos danos causados por acidentes são ainda mais vagarosos e custosos para as vítimas e o país — Suely Araújo.