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Rotina de guerra aumenta medo de ir e vir na Favela do Jacarezinho

Com favela conflagrada, moradores passam horas esperando para sair ou voltar para casa depois do trabalho

Moradores do Jacarezinho se amontoam em rua, na entrada da favela, à espera de fim de tiroteio entre traficantes e policiais.
Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Moradores do Jacarezinho se amontoam em rua, na entrada da favela, à espera de fim de tiroteio entre traficantes e policiais. Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

RIO - Avenida Dom Hélder Câmara, esquina com Rua Amaro Rangel, às margens da Favela do Jacarezinho, na Zona Norte. Em frente à quadra de uma escola de samba do bairro, pelo menos 50 pessoas, mulheres e crianças em maioria, esperavam, assustadas, ontem à tarde. Enquanto todos se apertavam num pequeno espaço, rajadas de tiros de fuzil e fogos de artifício eram ouvidos. O grupo era formado por moradores do Jacarezinho que aguardavam uma chance de entrar na comunidade sem o risco de ser atingido por uma bala perdida. A cena é o retrato da escalada da violência que espalha o medo pela cidade. Comum antes do projeto de pacificação, a imagem voltou a ser uma triste rotina com o enfraquecimento das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

Entre os que se aglomeravam nesta segunda-feira para tentar chegar a salvo em casa estava uma operadora de máquinas, de 34 anos. Ela aguardava uma chance de entrar na comunidade junto com seus trigêmeos — dois meninos e uma menia — de cinco anos.

— Todo o dia é assim. A gente não tem nada a ver com isso e acaba pagando o pato. Na sexta-feira, fiquei duas horas aqui esperando a hora de voltar para a casa — disse.

Quando o tiroteio acalmou, as pessoas, como se fizessem parte de uma procissão, aceleraram o passo. Era preciso arriscar e tentar chegar em casa antes que o confronto recomeçasse. Afinal, era o dia em que o ex-chefe do tráfico do Jacarezinho, Nilson Roger da Silva Freitas, seria apresentado pela polícia após ter sido preso, anteontem, na cidade de Luziânia, em Goiás. Outra moradora, de 53 anos, desabafou:

— O estado precisa nos devolver o direito de ir e vir. A situação está ruim — lamentou.

Nesta segunda-feira, foram mais de duas horas de espera para atravessar a linha de tiro. Agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) enfrentavam traficantes. O barulho da guerra podia ser ouvido por quem estava na Cidade da Polícia ou passava de carro pelo local. A Clínica da Família Anthidio Dias da Silveira, que fica na comunidade, suspendeu o atendimento por volta das 15h, segundo a Secretaria municipal de Saúde. Também sobrou para os usuários do ramal ferroviário de Belford Roxo, que atravessa a comunidade. A SuperVia informou que, das 15h às 18h, os trens pararam entre o Jacarezinho e a Central do Brasil. A senha para o fim do exílio forçado dos moradores foi a saída do blindado da polícia, que deixou a comunidade, por volta das 17h40m. Juntos, todos avançaram pela Rua Amaro Rangel, que dá acesso à favela.

A rotina de guerra dos moradores do Jacarezinho começou a se intensificar na sexta-feira. Após a prisão de 15 traficantes e apreensão de drogas, bandidos mataram o policial da Core Bruno Guimarães Buhler com um tiro de fuzil. No sábado, houve nova operação policial na favela. Uma das balas acertou de raspão um agente da Polícia Civil. Outro disparo atingiu um transformador e deixou a comunidade sem luz. Leonardo Pimentel, presidente da Associação de Moradores do Jacarezinho, afirmou que a população tem pagado um preço alto, embora nada tenha a ver com a guerra que se instalou no Jacarezinho:

— Não foi o morador que apertou o gatilho e matou o policial.