Política Lava-Jato

E Agora, Brasil?: ‘Hoje faria tudo da mesma maneira’, diz Janot

PGR defende imunidade à JBS e acredita que Rocha Loures tinha direito a 7,5% da propina da empresa
'Hoje faria tudo da mesma maneira. Em todas as outras colaborações, nos dão ciência de ilícitos cometidos. Essa (da JBS) era sobre ilícitos em curso' Foto: Adriana Lorete / Agência O Globo
'Hoje faria tudo da mesma maneira. Em todas as outras colaborações, nos dão ciência de ilícitos cometidos. Essa (da JBS) era sobre ilícitos em curso' Foto: Adriana Lorete / Agência O Globo

RIO - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu os termos dos acordos de delação firmados com os executivos da JBS, entre eles o empresário Joesley Batista, e afirmou que a imunidade penal garantida aos delatores não se estende a eventuais crimes que não foram citados no documento assinado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). No seminário E agora, Brasil?, organizado pelo GLOBO e patrocinado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Janot afirmou que a proteção jurídica aos colaboradores foi a condição necessária para que a investigação tivesse acesso a “práticas de ilícitos em curso por altos dignatários da República”.

O procurador-geral contou que Joesley e os outros colaboradores não abriam mão de se livrar de punições pelos crimes narrados. Diante da gravidade dos fatos, para Janot, não havia outra decisão a ser tomada.

— Hoje faria tudo da mesma maneira. Em todas as outras colaborações, os colaboradores nos dão ciência de ilícitos cometidos. Essa (delações de executivos da JBS) era sobre ilícitos em curso, praticados por nada mais, nada menos que o presidente no exercício da Presidência da República (Michel Temer). Um senador que teve 50 milhões de votos na última disputa pela Presidência (Aécio Neves), um deputado federal (Rodrigo Rocha Loures) e um colega infiltrado (o procurador Ângelo Goulart Villela). Tomando conhecimento disso, eu vou dizer: “Não vou (assinar a delação), porque não concedo imunidade, e vou deixar que os ilícitos continuem acontecendo, ou vou conceder imunidade e fazer cessar a pratica desses ilícitos?”. Ponderei e optei por atender ao que era de interesse público — argumentou Janot.

Na conversa gravada por Joesley, o presidente Michel Temer indicou o então assessor Rodrigo Rocha Loures como novo interlocutor do empresário junto ao governo, já que Geddel Vieira Lima havia deixado o ministério. Rocha Loures foi filmado carregando uma mala de propina com R$ 500 mil, entregue por Ricardo Saud, diretor da JBS. Após a operação vir à tona, Rocha Loures foi preso e devolveu o dinheiro — inicialmente, faltavam R$ 35 mil do repasse original, valor que foi entregue depois. A investigação aponta que o acerto envolvia pagamentos semanais de R$ 500 mil, em troca de favorecimentos para o grupo J&F, dono da JBS no setor de energia.

— Essa mala era a primeira, e houve a interrupção do fluxo. O deputado (Rocha Loures) recebeu, colocou na casa de um familiar, pegou outra mala de roupa e viajou para Brasília. Quando eclode essa questão, ele pega a mala e entrega na polícia (Federal), com 7,5 % a menos do valor que deveria constar. O que a gente estima é que ele (Rocha Loures) teria tirado a parte dele. E o resto, para quem iria? Não sei, ele era representante de quem? Ele foi designado o canal de comunicação de alguém. No fundo, o que se espera é que esse dinheiro fosse para o interlocutor, o chefe dele, quem o escolheu para que fosse a voz e o gestual dele, que não podia aparecer — indicou Janot, sem citar o presidente Michel Temer, que nega ter praticado qualquer ato ilícito relacionado à JBS.

PROTEÇÃO NÃO GERAL

O procurador-geral reforçou que Joesley e os outros delatores da JBS podem perder os benefícios conquistados com o acordo — como a blindagem judicial para os crimes confessados — se alguma mentira ou omissão for comprovada. Caso as investigações da Procuradoria da República no Distrito Federal atestem, por exemplo, fraudes na concessão de financiamentos do BNDES — o que é negado pela JBS —, o acordo poderá ser cancelado. As provas trazidas, no entanto, continuariam válidas.

— Na colaboração, a gente faz constar os crimes que a colaboração alcança. Se não está ali, a colaboração não alcança. É outro crime, responde pelo crime, e aí quebra a colaboração. Eu (representante do Ministério Público) posso usar a prova, e eles (delatores) perdem a premiação. A situação do colaborador é muito delicada. Qualquer coisa que ele infringe, não afeta em nada a acusação — afirmou Janot, acrescentando que o colaborador deve ser pró-ativo e indicar o caminho para o recolhimento de provas.

“O que eu fizer vai dar uma interpretação: ou que estou perseguindo, ou que estou deixando de praticar ato de ofício. O que tenho que fazer é ser reto”

Rodrigo Janot
No seminário E Agora, Brasil?

A expectativa, agora, é sobre a apresentação de uma nova denúncia criminal contra Temer. A primeira, por corrupção passiva, teve o prosseguimento barrado após votação no plenário da Câmara dos Deputados. A peça só será analisada pela Justiça depois do fim do mandato do presidente. Temer também é investigado por organização criminosa e obstrução à Justiça — é dessas apurações que podem surgir novas acusações formais contra o presidente. Caso isto aconteça, o andamento teria que ser decidido novamente pela Câmara.

Janot evitou se aprofundar sobre uma possível nova denúncia — “O Ministério Público não fala o que vai fazer; faz e, se houver necessidade, explica as razões pelas quais fez” —, mas disse que até 15 de setembro, último dia útil de seu mandato, não vai se esquivar de praticar “atos de ofício”.

— As investigações maduras chegarão ao resultado final delas: ou arquivamento, ou denúncia. Só o caminho das investigações pode dizer — resumiu.

O procurador-geral também minimizou uma possível preocupação com críticas de que estaria perseguindo o presidente, caso uma nova denúncia seja apresentada:

— O que eu fizer vai dar uma interpretação: ou que estou perseguindo, ou que estou deixando de praticar ato de ofício. O que tenho que fazer é ser reto como Ministério Público. Se a investigação estiver madura a ponto de ser oferecida denúncia, a denúncia virá com tranquilidade. Se a investigação estiver madura e tiver indicativo de arquivamento, também arquivarei sem o menor problema. Ajo com equilíbrio e com tranquilidade. Meu trabalho é técnico e perante o mais alto tribunal do país, que é o Supremo Tribunal Federal. Vou fazer o que tenho que fazer.

Rodrigo Janot rebateu a crítica de que os delatores da JBS protegeram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos depoimentos prestados aos investigadores.

— A Procuradoria não tem partido. Não tenho meu criminoso predileto, meu investigado predileto, isso não existe. A colaboração (premiada) tem que ser espontânea. O colaborador se aproxima do Ministério Público, assistido de um advogado, e tem que reconhecer a prática do crime, entregar os comparsas e os delitos por eles cometidos. Na organização criminosa, o que vigora é a lei do silêncio. Porém, a premiação entregue ao colaborador fica sob análise até o fim do processo penal — afirmou.