Blog da Amélia Gonzalez

Por Amelia Gonzalez

Escreve sobre sustentabilidade e debate temas ligados a economia, meio ambiente e sociedade


Richard Riguetti encena vida e obra de Paulo Freire — Foto: Divulgação

Cerca de oito anos atrás, Richard Riguetti e Luiz Antonio Rocha se reuniram em torno de um plano: levar a vida e obra do educador Paulo Freire para os palcos. Com agendas cheias, engavetaram o projeto. No ano passado, já com possibilidade de fazer virar realidade, visitaram Anita Freire, viúva do filósofo, morto em 1997, que adorou a ideia. Este foi o início de “Paulo Freire, o andarilho da Utopia”, em cartaz até 26 de maio no Teatro das Ruínas, no bairro carioca de Santa Teresa.

É, portanto, uma tremenda coincidência o fato de a peça estar sendo encenada no momento em que Paulo Freire virou persona non grata do atual governo de Jair Bolsonaro, consequentemente sendo lembrado por professores e estudantes que sempre o apoiaram como patrono da educação brasileira. Este é apenas um dos fatos que me aguçou a curiosidade.

Outro ponto interessante é que Richard Riguetti, que encena sozinho a peça, é um palhaço, fundador do grupo Off Sina de circo teatro e que tem trinta anos dedicados ao teatro de rua. Por que um artista com esta trajetória, se interessa pelo educador?

“São várias respostas para esta pergunta. A minha é que o palhaço é a menor distância entre duas pessoas e que a nossa grande arte, grande poética, é reconstituir o tecido emocional da população”, conta-me Richard.

Como sabem os que me acompanham aqui neste espaço, gosto da ideia de compartilhar com os leitores as descobertas que faço. Perceber um artista tão antenado com o espaço público é uma chance de trazer reflexões que dialogam, diretamente, com o que entendo por desenvolvimento local. Abaixo, a íntegra de nossa conversa:

Por que Paulo Freire?

Richard Riguetti – Este projeto começou há oito anos, numa conversa com Luiz Antonio Rocha, que faz a encenação da peça (a dramaturgia é de Junio Santos). Mas naquela época não tivemos agenda para tocá-lo para frente. No ano passado, já com uma configuração diferente (separei-me da companheira com quem eu tinha o projeto Off Sina), pude vislumbrar a possibilidade de ter um projeto individual. E achei que o Paulo Freire seria o momento adequado para eu poder comemorar meus 40 anos de profissão. Naquele momento o país começou a passar por um processo de modificação e o Paulo Freire parece que tem muito para lidar com uma situação como esta em que estamos vivendo, para a melhoria da qualidade de vida da população.

O que pode parecer hoje, que se trata de uma peça oportuna, para lembrar ao público a importância de um homem que tem sido menosprezado pelo atual governo, então, é apenas uma coincidência?

Richard Riguetti - Sim, foi uma coincidência, mas acho que o meu tipo de trabalho está ligado a estas questões políticas da atualidade.

A peça já foi encenada em outros estados? Na rua?

Richard Riguetti - Nós fizemos esta peça para ser encenada em todos os lugares: no palco do Theatro Municipal ou em cima de um caixote na rua. Nossa estreia foi em Vitória, dentro de um teatro na antiga Casa Legislativa. Um professor nos disse que estávamos fazendo uma limpeza naquele espaço, onde o povo nunca tinha entrado.

De Vitória vocês foram para outros estados?

Richard Riguetti - Fomos para o Rio Grande do Norte, e encenamos em várias cidades, sempre com recursos próprios. Inclusive em Angicos, onde Paulo Freire, em 1963, alfabetizou 350 camponeses em 40 horas. Fomos também a Janduís, onde encenamos na rua, numa espécie de teatro de pedras. Fomos avisados, pelos próprios artistas do local, para observar uma série de códigos, inclusive andar sempre em grupo. Quando chegamos ao local onde iríamos encenar tinha mais de 90 sapos: tiramos todos eles e ali nós constituímos a primeira experiência do Paulo Freire na rua, para a rua, com a rua. E para moradores de uma cidade de cinco mil habitantes acostumados a um teor de violência muito grande, a peça foi extremamente bem sucedida, aceita, aplaudida. Nós fizemos um debate, como sempre fazemos, que durou duas horas e meia, as pessoas participando diretamente.

O que as pessoas costumam perguntar nesses debates pós peça?

Richard Riguetti - Há perguntas recorrentes sobre dramaturgia e produção. A outra pergunta recorrente é como a arte de rua foi para o palco: por que um palhaço de rua está encenando Paulo Freire?

Então responde para nós...

Richard Riguetti - São várias respostas. A minha é que o palhaço é a menor distância entre duas pessoas e que a nossa grande arte é reconstituir o tecido emocional da população. Paulo Freire ficou nos olhos do palhaço porque o palhaço olha o mundo como se fosse pela primeira vez, com curiosidade, com encantamento, e não olha com julgamento. Ontem (18) fizeram esta pergunta e nosso preparador de corpo, o Michel Rubin, disse: “A função do palhaço é resgatar o poder. O poder ser habilidoso, o poder ser bobo, o poder ser genial, o poder ser desajeitado, o poder ser esperto, o poder ser enganado, o poder não saber, o poder ser virtuoso, o poder tropeçar, o poder ser confuso. Enfim, o poder ser humano, com todos esses atributos e matizes, Paulo Freire propõe essa inclusão e reverência do humano.... Essa montagem propõe trazer essa alegria à sociedade. O encantamento permanece, com todos os apesares e revezes da vida. Isso é Paulo Freire”.

Como é ser artista de público, de rua, num tecido social tão esgarçado?

Richard Riguetti – Ser artista público é algo que não se vende e não se compra, é algo que se constitui como um viés de cuidar do que é público. Fiz dez anos de teatro burguês, do tipo que se cobra bilheteria. Minha estreia foi em “Rasga Coração”, de Oduvaldo Vianna Filho, em 1979: o teatro era um espaço de discussão dos velhos temas da sociedade brasileira. Depois veio a Anistia, a quebra da censura, nossa democracia, nossa formatação, e o teatro começou a ser um espaço onde a burguesia vai para consolidar seus valores. Acho pertinente trabalhar para pessoas que ainda estão num processo de transformação, necessitando que o teatro seja um local de debate para que eles possam ser vistos. Quando vou para a rua é para dar chance ao homem comum, que não tem recursos pra frequentar o teatro, para que ele possa se ver em cena. Não opero na cultura da violência, por isso embora eu ocupe esse território e dialogue com ele, é muito fácil remover essa cultura e chegar à cultura do encantamento, da alegria.

Qual o momento da peça sobre Paulo Freire que você mais gosta?

Richard Riguetti - É o de hoje, é o desafio, é o de chegar, olhar para as pessoas e dizer: “Caramba, é agora!”. Mas tenho oportunidades de dizer frases como Paulo Freire que eu reflito também como Richard.

Dá um exemplo.

Richard Riguetti – Tem uma hora que ele diz assim: “Eu gosto de ser gente precisamente pela minha responsabilidade ética e política em face do mundo e dos outros. Eu não posso ser se os outros não são. Eu não posso ser, principalmente, se eu proíbo que os outros sejam”. Então, quando eu falo isso, eu penso: como eu estou vivendo isso no meu dia a dia? E ao mesmo tempo, o que eu estou trazendo isso pra mim?

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