• Allan McCrea Steele*
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comércio, consumo (Foto: Agência Brasil)

 (Foto: Agência Brasil)

Crises políticas e instabilidade econômica. Frequentes ondas de protestos reprimidos com violência policial. Desenvolvimento pífio – o FMI estima que a América Latina tenha fechado 2019 com crescimento de apenas 0,2%. Ameaças à democracia. É com esse pano de fundo, marcado pela polarização de ideias e valores, que estamos encerrando mais uma década na América Latina. De acordo com o Edelman Trust Barometer 2019, a região atravessa uma forte crise de confiança, em especial em relação aos governos. Numa escala de zero a cem, a confiança nessa instituição é de 37% na Colômbia, 34% no México, 31% na Argentina e 28% no Brasil (onde se mantém abaixo de 30% desde 2016).
 

Nesse contexto de desconfiança, desemprego e baixas no consumo, as pessoas vêm depositando mais desejos de mudança nas empresas. Há tempos o Trust Barometer indica que, globalmente, as empresas são vistas como mais confiáveis que os governos. No Brasil, na década que termina, essa diferença de confiança passou em 2013 pelo seu mínimo (com o governo se aproximando das empresas, mas ainda abaixo delas), de 22 pontos, e em 2016 pelo seu máximo (com o governo caindo e se distanciando ainda mais das empresas), de 43 pontos. O governo melhorou relativamente, desde então. Mas na 19ª edição da pesquisa, divulgada em março de 2019, a diferença no Brasil ainda era de 30 pontos (na vizinha Argentina, a diferença a favor das empresas é bem menor, 18 pontos; na Colômbia, é de 28; e no México, de 37).

Agora, outro recorte do estudo, o In Brands We Trust? revela que 63% dos brasileiros acreditam que toda marca tem a responsabilidade de se envolver em pelo menos uma questão social que vá além de seu core business – ou seja, fazer mais pela sociedade do que, simplesmente, criar emprego e lucrar.

Essa caminhada, no entanto, ainda é um desafio para marcas de diferentes setores. Apesar da expectativa de que o setor privado esteja à frente de movimentos importantes, o brasileiro parece cético diante do impacto real que as empresas têm promovido até agora. Ainda de acordo com o In Brands We Trust?, apenas 36% afirmam confiar na maioria das marcas que consomem e 65% acreditam que as marcas usam questões sociais como manobra de marketing para vender mais. Enquanto isso, 91% classificam como “essencial” ou “decisivo” confiar que a marca “fará o que é certo” na hora da compra.

De que forma, então, uma marca pode atender às expectativas de seus consumidores? Fazendo a diferença: abraçando uma causa e agindo para transformar a realidade para melhor. Para chegar lá, é fundamental levar em conta alguns pontos.

O primeiro: não tentar “surfar na onda” de alguma causa popular. Você não precisa pensar muito para se lembrar de alguma marca que caiu no julgamento de usuários em redes sociais, após levantar alguma bandeira sem a propriedade necessária. Em um mundo cada vez mais conectado e complexo, a única opção é sustentar e defender um propósito de maneira genuína e consistente.

O segundo fator é que essa consistência começa, principalmente, dentro de casa. Empresas que se posicionam externamente a favor de uma causa mas não a vivenciam internamente são rapidamente desmascaradas. Em tempos de redes sociais, torna-se mais fácil os funcionários agirem como “porta-vozes informais” das empresas, de forma negativa e positiva. Por isso, entender os colaboradores também como público alvo é essencial.

A confiança tem um papel crucial na forma como nos relacionamos com as pessoas, com as instituições e com as marcas. Segundo o In Brands We Trust?, 72% dos brasileiros comprariam pela primeira vez, permaneceriam leais e defenderiam uma marca em que confiam em relação ao produto, à experiência de compra – e também ao impacto social. A equação para a conquista do consumidor ganhou nos últimos tempos esse novo fator.

Isso exige das empresas capacidade de adaptação. Elas devem ver seus próprios negócios como pequenos ecossistemas, capazes de gerar impacto positivo para a sociedade. E devem perceber um comportamento que se difunde por consumidores de todas as idades: comprar ou boicotar uma marca assume, cada vez mais, papel de ato político.

* Allan McCrea Steele é CEO da Edelman na América Latina