Economia

Na Espanha, reforma criou vagas, mas ampliou trabalho precário

Taxa de desemprego caiu, mas 25,8% têm contratos de curta duração

Mudança. Bar em Barcelona: 40% dos contratos temporários duram até um mês
Foto: Lourdes Segade/Bloomberg/Arquivo
Mudança. Bar em Barcelona: 40% dos contratos temporários duram até um mês Foto: Lourdes Segade/Bloomberg/Arquivo

MADRI e RIO -  O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) da Espanha no segundo trimestre, que acaba de ser divulgado, trouxe uma notícia há muito aguardada. A economia cresceu 0,9% frente ao trimestre anterior e enfim retomou o nível de produção de antes da explosão da crise financeira internacional, há nove anos. O caminho foi longo: anos de recessão e crescimento baixo. Agora, já são dois anos seguidos de expansão acima de 3% – 2015 e 2016 – e as previsões para 2017 têm sido revistas para cima. Um desafio, no entanto, ainda persiste: o mercado de trabalho.

A situação está bem melhor do que no passado — a taxa de desemprego chegou a 27,2% em 2013 e hoje está em 18,7% —, mas ainda há 4,255 milhões de pessoas sem trabalho. Mais do que isso: entre os que trabalham, há um contingente elevado de trabalhadores com contratos temporários: são 25,8% do total de assalariados. Especialistas apontam que a última reforma trabalhista do país, em 2012, ajudou a criar empregos, mas também acabou por ampliar a ocorrência de contratos de trabalhos temporários, que podem ser fechados até mesmo por apenas um dia.

— O PIB da Espanha está crescendo com força, todos estão revisando para cima as projeções para 2017. Será o terceiro ano de crescimento perto de 3%. Recuperamos dois terços dos empregos perdidos na crise, mas há sombras no horizonte. Há muitas pessoas em situação de desemprego de longa duração e a precariedade do trabalho aumentou — afirma Marcel Jansen, pesquisador da Fundação de Estudos de Economia Aplicada (Fedea) e professor da Universidad Autónoma de Madrid.

Levantamento feito por ele mostra que, dos contratos temporários de trabalho fechados em um ano, 40% duram menos de um mês e cerca de 25% menos de uma semana.

— As pessoas podem trabalhar por apenas um dia. Há quem acumule até 250 contratos por ano. Esses contratos curtos têm sido mais frequentes especialmente entre os jovens e aqueles desempregados há muito tempo — diz Sergi Jiménez Martin, também pesquisador do Fedea e professor da Universitat Pompeu Fabra.

ROTATIVIDADE

No restaurante: Daniel Villalobos (à esquerda) e Esteban Fernandes Foto: Lucianne Carneiro
No restaurante: Daniel Villalobos (à esquerda) e Esteban Fernandes Foto: Lucianne Carneiro

A elevada rotatividade sobre a qual falam os especialistas é sentida na pele por profissionais como o garçom Daniel Villalobos, venezuelano de 40 anos que trabalha em um café tradicional no centro de Madri. Ele já está há um ano no local, mas gasta parte de seu tempo treinando colegas que vêm e vão rapidamente:

— A gente encontra trabalho, mas tem muita rotatividade. Aqui chega muita gente para trabalhar por temporada e explicamos o trabalho para os colegas. A indenização só é paga nos contratos por tempo indefinido.

Seu colega Esteban Fernandes, de 32 anos, também da Venezuela, chegou à Espanha na época da crise e diz que hoje é mais fácil encontrar trabalho que no passado. Mas se ressente dos salários mais baixos e dos contratos temporários.

TURISMO AVANÇA

 Dimka Dmitrova, Foto: Lucianne Carneiro
Dimka Dmitrova, Foto: Lucianne Carneiro

O turismo avançou – favorecido pelas ameaças terroristas em outros países do Mediterrâneo –, dando espaço para trabalhadores como a búlgara Dimka Dmitrova, de 57 anos, que trabalha na Plaza Mayor, em Madri, montando cenários com roupas de flamenco para turistas tirarem fotos.

— Eu vivo dos turistas. O trabalho é cansativo, fico muitas horas aqui, nem todos dão valor, mas em média consigo ganhar € 800 por mês. Pago meu aluguel e mando dinheiro para minha família na Bulgária.

RENDA MENOR

A redução da renda é uma realidade para todos os trabalhadores, mas aparece de forma ainda mais intensa em setores como o da construção, epicentro da crise por causa da bolha de crédito imobiliário. A participação no PIB, que chegou a 11%, agora está em 5%. Francisco Manzanilla, de 53 anos, trabalha na construção civil na Espanha há mais de dez anos. Ele mesmo escapou do desemprego, mas conhece muitos que foram trabalhar em outras atividades. Ele se ressente, no entanto, do salário menor.

— Antes eu ganhava 1.300 euros por mês, agora o salário é menor, perto de 1.000 euros — diz o equatoriano.

João Carlos, que ficou um ano sem emprego na época da crise, também reclama da renda menor. Conseguiu voltar a trabalhar na construção civil, mas ganha pelo menos 100 euros menos que antes, segundo ele.

Em seu processo de recuperação, a economia espanhola mudou seu perfil. Nessa mudança, a construção perdeu espaço, enquanto exportações e turismo avançaram. Com a crise interna, a indústria se voltou para fora. Nesse movimento, a indústria foi favorecida pelos ajustes dos salários dos trabalhadores, segundo Sergi Jiménez Martin, que aumentou a competitividade dos produtos e serviços espanhóis no mercado externo.

Raymond Torres, diretor de Conjuntura e Estatística da Funcas (fundação de análise econômica das caixas de poupança) concorda com essa avaliação. Ele ressalta que a reforma ajudou a criar empregos, embora a retração da renda tenha sido um custo social da nova legislação:

— A reforma não resolveu o problema estrutural dos trabalhos temporários, mas facilitou o ajuste dos salários, o que tornou as empresas mais competitivas e ajuda a explicar o avanço das exportações. Mas isso ocorreu com um custo social importante, de redução de salários.

DUAS CLASSES DE TRABALHADORES

Para Jansen, existem duas classes de trabalhadores na Espanha: os de contratos temporários — sem proteções e direitos — e os trabalhadores fixos, ainda uma herança de uma primeira reforma nos anos 80, que liberou o uso de contratos temporários, sem mudar os fixos:

— A reforma de 2012 foi necessária, mas sua eficácia foi desigual. A lei tornou mais baratos os procedimentos para contratação de trabalho fixo, mas colocou um poder de negociação muito forte nas mãos dos empresários para ajustes de salários e horas. Além disso, a dualidade das classes continua de pé.

Martin defende que os trabalhos temporários já existiam, mas que a reforma facilitou a criação de contratos mais curtos, com salários muito baixos.

MUDANÇA ESTRUTURAL

Diretora de estudos do Grupo Santander, a economista Alejandra Kindelán Oteyza destacou recentemente que houve uma mudança estrutural importante na economia espanhola e ressaltou a importância das reformas realizadas nos últimos anos, como a trabalhista e a do setor financeiro:

— A economia espanhola costumava crescer fortemente e em seguida gerar um déficit externo muito elevado. Há uma mudança estrutural do modelo de crescimento. Estamos olhando um modelo menos baseado na construção e mais nas exportações.

Ela destaca que a queda do desemprego tem ocorrido de forma intensa e com poucos precedentes em outras economias avançadas, mas admite que o mercado de trabalho ainda é uma questão:

— A Espanha lidera a expansão da zona do euro e a boa notícia é que é um crescimento compatível com inflação baixa e superávit externo. E estamos corrigindo a taxa de desemprego, embora ainda tenhamos muito a percorrer em relação a isso.