Ela Gente

Pabllo Vittar comenta sucesso: 'continuo com os pés no chão'

Drag queen diz que tudo é natural em seu processo e não deixa ninguém maquiá-la
Pabllo Vittar usa vestido Martu e brincos Brir Foto: Renan Oliveira
Pabllo Vittar usa vestido Martu e brincos Brir Foto: Renan Oliveira

Pabllo Vittar , a drag queen que injetou boa dose de irreverência no pop brasileiro com hits como “Todo dia” e “Corpo sensual”, chegou maquiada ao Studio do Cais, onde foi fotografado este ensaio de capa do ELA. Cílios postiços, nariz e queixo afinados, sobrancelhas bem marcadas: a beleza, assinada por ela mesma, estava dramática. Pabllo, de 22 anos, conta que levou 40 minutos para ficar daquele jeito.

— Conheço mulheres que demoram mais do que eu — observa a cantora, continuando: — Parece que a drag vem chegando à medida que meu rosto vai mudando. Por isso, não abro mão de fazer o meu próprio make. Caso outra pessoa assuma os pincéis, não terei esse gostinho.

De peruca — que ela só coloca segundos antes do primeiro clique —, Pabllo se joga para valer. É uma diva diante da câmera. Capricha no carão e nos gestos enquanto veste looks repletos de paetês, canutilhos e com uma carga necessária de deboche. Em ação, Pabllo, que pede para posar ao som de Fifth Harmony e afins, é quase uma contorcionista.

— Eu sou assim, sabe? Não fico treinando poses em frente ao espelho. É tudo natural. Quando estou desmontada, tenho que me podar um pouco. Sou ligada no 220 — explica.

Pabllo diz que é drag para trabalhar e, muitas vezes, para se divertir. O processo de transformação é uma terapia.

— Na verdade, sempre tive perto desse mundo, mas meu contato aumentou ao assistir ao reality show “RuPaul's drag race”, que me foi apresentado por um ex-namorado — comenta. — No programa, também percebi que eu poderia soltar a minha voz, e não apenas dublar. Até então, as drags que conhecia eram todas tops bate cabelo, como a Marcia Pantera. Um old school maravilhoso. Mas meus olhos não brilhavam para subir ao palco e fazer aquilo. Eu queria cantar.

“Vai passar mal”, o álbum de estreia, foi lançado em janeiro. Pabllo não era uma completa desconhecida. O clipe de “Open bar”, uma versão em português da música “Lean on”, do grupo Major Lazer, de 2015, já era um sucesso de visualizações no YouTube.

— Teria sido bem difícil espalhar a minha música sem a internet. Na época em que vivemos, o universo virtual é muito importante. Todo mundo sabe, não somos ninguém sem um bom marketing digital — aponta a cantora, hoje com mais de 4 milhões de seguidores no Instagram (um número de respeito. A drag americana RuPaul Charles, por exemplo, tem 1,6 milhão).

RAINHA DA WEB

Pabllo Vittar, na verdade, nasceu Phabullo Rodrigues da Silva, no Maranhão. Mudou-se para o Pará ainda criança, retornando ao seu estado natal aos 13. Chegou a morar um tempo em São Paulo, até se estabelecer em Uberlândia, Minas Gerais (“E não quero sair da cidade”). Filha de uma técnica de enfermagem (ela não chegou a conhecer o pai), Pabllo — que tem uma irmã gêmea, Phamella, e outra mais velha, Pollyana — começou a se maquiar aos 16, um ano após falar para a mãe que era gay. Mas foi em seu aniversário de 18 anos que se “montou” de drag queen pela primeira vez.

Antes de virar esse fenômeno pop, a cantora estudou Design de Interiores, na Universidade Federal de Uberlândia. Não concluiu o curso. A vida ficou corrida demais — este mês, por exemplo, ela fará 18 shows no total. Pabllo não reclama da rotina atual.

— Continuo do mesmo jeito, com os pés no chão. Encaro este trabalho como qualquer outro. Acordo cedo, tenho minhas responsabilidades. A minha ficha ainda não caiu. Faço isso com todo o carinho. Agora consigo entender como é ser amada. É uma sensação incrível. Quando eu era menor, tinha as minhas divas, como a Beyoncé (no início de tudo, ela usava o nome artístico Pabllo Knowles, uma homenagem ao ídolo) . Era algo tão distante. Outro dia, umas crianças pediram para tirar foto comigo num hotel. Tenho um público infantil. Fico chocada. Sou a nova Xuxa — diverte-se.

Pabllo não namora (“Sou oficialmente solteira”) e não sai muito à noite:

— Mas não me preocupo com isso, não! Meu grande objetivo é a minha carreira e estou muito feliz com tudo.

ÓDIO DERRUBA MAQUIAGEM

Ele ou ela? Pabllo não se importa com definição de gênero. Acredita que foi “mais uma coisa criada e imposta socialmente e que levamos como verdade absoluta”.

— Quando nascemos, somos seres livres desses conceitos e assim deveríamos ficar. Falar que sou gênero fluido é uma maneira de dizer que não precisamos de rótulo — justifica a drag. — Podem me chamar no masculino ou no feminino.

A cantora faz parte da cena LGBTQ que vem fazendo barulho — e dos bons — na música brasileira. A lista é bacana: Liniker, Linn da Quebrada, Gloria Groove, Raquel Virgínia e Assucena Assucena, da banda As Bahias e a Cozinha Mineira, além de Pabllo.

— Foi um movimento que surgiu involuntariamente. É uma expressão histórica de um momento do Brasil, em que discutimos o empoderamento da mulher, da mulher negra, da população LGBTQ. Não queremos a hegemonia cultural. Queremos ter a liberdade de sermos artistas, independente de nossa orientação sexual. O valor maior tem que ser da arte. Nesse sentido é representativo, sim! Em tempos de transfobia e homofobia, é preciso afirmar a nossa identidade — discorre Assucena, que fez show com Pabllo Vittar, em fevereiro, no Circo Voador.

Essa visibilidade da população LGBTQ é um sonho antigo de Pabllo.

— Vamos ocupar esses espaços cada dia mais — anuncia ela, avisando que o ódio gratuito “derruba a sua maquiagem”: — Isso me destrói e me deixa muito mal. É difícil viver em um mundo em que as pessoas não se respeitam e tentam impor pensamentos tão antigos e ultrapassados.

'PABLLO É COMPLETO'

No dia em que fotografamos este ensaio, Pabllo assistiu pela primeira vez, ao nosso lado, ao clipe da música “Corpo sensual”, um dueto com Mateus Carrilho, da Banda Uó. Ela gravou o vídeo em São Bento do Sapucaí, São Paulo. Foram quase 20 horas no set.

— Foi cansativo. As filmagens rolaram logo que meus dentes sisos inflamaram (em agosto, ela ficou de repouso 10 dias em casa, em Uberlândia, para se recuperar do problema) . Tive que trabalhar tomando remédio para dor — relembra a cantora.

“Corpo sensual” é mais uma explosão de Pabllo. Lançado em 6 de setembro, o clipe tinha, até o fechamento desta edição, mais de 24 milhões de visualizações no YouTube — “K.O.”, que chegou a ser excluído após o canal da drag queen no site ser invadido e sofrer modificações (uma foto do deputado Jair Bolsonaro sem camisa foi incluída), foi reproduzido, pelo menos, 161 milhões de vezes; “Sua Cara”, colaboração da maranhense com Anitta e o grupo Major Lazer, somava 180 milhões.

Sucesso absoluto do último carnaval, “Todo dia” foi retirado de todas as plataformas digitais. De acordo com a assessoria da cantora, isso aconteceu “em virtude de uma notificação extrajudicial enviada por Rico Dalasam” — compositor e intérprete, ao lado de Pabllo, da música. Rico contestou o acordo de participação.