Rio

Jardim Botânico: governo Dilma, já no fim, tentou manter moradores

Minuta do termo de doação da área ao parque permite assentamentos
Casas irregulares dentro dos limites do Jardim Botânico: na área em nome da União, há 520 construções Foto: Márcia Foletto/30-8-2012
Casas irregulares dentro dos limites do Jardim Botânico: na área em nome da União, há 520 construções Foto: Márcia Foletto/30-8-2012

RIO - No apagar das luzes da administração Dilma Rousseff, a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e a presidência do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico voltaram a travar um embate em torno da desocupação do parque. Uma minuta do documento de doação da área ao instituto, de 3 de maio, assinada pelo titular da SPU, Guilherme Estrada Rodrigues, permite que as 520 casas que ocupam área do Jardim Botânico (formam a chamada comunidade do Horto) sejam regularizadas. E mais: mantém o Serpro e Furnas no terreno. Na queda de braço, a atual presidente do Jardim Botânico, Samyra Crespo, encaminhou à SPU um novo termo de doação, suprimindo as duas cláusulas, que, na avaliação do procurador federal Marcos da Silva Couto, contrariam acórdãos do Tribunal de Contas da União.

Samyra tem encontro na quinta-feira, no Rio, com o novo ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, para tratar de seu cargo. O economista e ecologista Sérgio Besserman confirmou que recebeu convite de Sarney Filho para assumir o Jardim Botânico, como antecipou Ancelmo Gois em sua coluna no GLOBO. Besserman limitou-se a dizer que ficou “alegre” com o convite, mas que ainda não o aceitou. Contou, porém, que o prefeito Eduardo Paes já o liberou para deixar a presidência do Instituto Pereira Passos (IPP).

ÁREA VALE R$ 10,6 BILHÕES

Três anos após a então ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, anunciar a decisão do governo de delimitar a área histórica do Jardim Botânico, finalmente, em 1º de março último, os terrenos — são dois, que totalizam 1,29 milhão de metros quadrados e valem quase R$ 10,6 bilhões — foram registrados em nome da União. O próximo passo, portanto, será transferi-los para o Jardim Botânico.

O documento da SPU de doação, ao qual O GLOBO teve acesso, prevê na subcláusula quarta a alienação ou cessão quando “a finalidade for a execução de projeto de regularização fundiária de interesse social ou assentamento de famílias carentes ou de baixa renda”. Um acórdão do TCU, porém, estabelece prazos para a desocupação assim que as terras forem formalmente transferidas para o Jardim Botânico.

Samyra lembrou que o Jardim Botânico é um dos principais patrimônios históricos e ambientais do Brasil, destacando que a conquista do Registro Geral de Imóveis (RGI) das terras foi um legado. Ela, no entanto, não poupou críticas à SPU:

— A SPU nunca se conformou com a decisão do governo, tomada há três anos, de prover moradia fora do Jardim Botânico para as cerca de 500 famílias que estão lá, nem todas de baixa renda. Sempre quiseram a permanência dos aglomerados que chamamos comunidade do Horto. Sonegaram documentos, nunca passaram o cadastro detalhado e trabalharam politicamente para impedir as reintegrações determinadas pela Justiça.

PLANO EMERGENCIAL DA PF

A presidente do Jardim Botânico destacou ainda as consequências da ocupação:

— Ter moradores dentro do arboreto tombado, como existe hoje, é um escândalo e no corredor de mata que liga o arboreto ao Horto é incompatível com a função de um Jardim Botânico dedicado à educação, à ciência e ao turismo científico. Além disso, a franja do Parque da Tijuca não pode ser favelizada. A última chuva de verão fez descer toneladas de lixo da comunidade do Horto até o jardim, assoreando nossos córregos e canaletas. Existe um conflito difícil de administrar, e a comunidade é hostil. Temos vários documentos que mostram invasão e ameaças a funcionários.

Em abril, Samyra encaminhou um documento à Polícia Federal, no qual cita “claros indícios de escalada de violência, de estratégias de ‘guerrilha urbana’ e de presença de criminosos na área”. No ofício, ela pede um trabalho de inteligência e um plano de segurança emergencial.

A cláusula sexta do termo da SPU exclui da doação áreas cedidas a Furnas e ao Serpro. Um trecho do acórdão do TCU, entretanto, diz que a cessão aos órgãos deve vigorar tão somente “até que sejam averbadas e/ou registradas em cartório as delimitações exatas da área abrangida pelo JBRJ”. O Jardim Botânico não faz objeção à permanência da Light (que usa a área de Furnas para manter uma subestação), mas a presença do Serpro é considerada incompatível, já que, por causa dele, diariamente circulam no parque 400 carros e dez ônibus.

Por telefone, Guilherme Estrada Rodrigues confirmou somente que foi confirmado no cargo de secretário da SPU pelo novo ministro do Planejamento, Romero Jucá. Sobre o Jardim Botânico, as respostas lacônicas vieram por e-mail. Disse que a alteração do termo inicial de doação está em análise, mas que “as cláusulas (suprimidas pelo Jardim Botânico) não contrariam acórdão do TCU”. Quanto à desocupação, afirmou que “as referidas decisões são de competência do Jardim Botânico, que detém a posse do imóvel”.

Nesta quarta-feira,  Jucá, confirmou a informação de que Rodrigues permanece no cargo:

- O Guilherme continua. A SPU será fortalecida com instrumentos para que possa funcionar melhor. Ainda não  levantei os problemas. A agenda com ele será essa semana - disse Jucá.