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Modelo de 'A origem do mundo', de Courbet, é revelada após 150 anos

Indícios revelam que dançarina Constance Quéniaux inspirou pintura de nu

O quadro "L'origine du monde" (A origem do mundo) foi pintada em 1866 por Gustave Courbet
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SEBASTIEN BOZON
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O quadro "L'origine du monde" (A origem do mundo) foi pintada em 1866 por Gustave Courbet Foto: SEBASTIEN BOZON / AFP

PARIS — Um dos maiores mistérios da História da Arte, a identidade da modelo que posou para a mais escandalosa pintura do século XIX, parece ter sido solucionado. Segundo especialistas, o quadro “L’Origine du monde” (“A origem do mundo”, em tradução direta), pintado por Gustave Courbet em 1866, mostra a genitália da dançarina Constance Quéniaux.

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Por décadas, historiadores acreditaram que a modelo da obra (exposta no Museu d'Orsay de Paris desde 1995) era a irlandesa Joanna Hiffernan, que foi amante de Courbet. Mas a tese sempre levantou dúvidas, pois os pelos púbicos negros na pintura não correspondiam aos cabelos ruivos de Joanna.

Cartas trocadas entre os escritores franceses Alexandre Dumas Filho — filho do autor de “Os três mosqueteiros” — e George Sand apontam para a ex-dançarina da Ópera de Paris. No verão de 1866, quando o quadro foi pintado, Constance era amante do diplomata otomano Halil Serif Pasha — conhecido com Khalil Bey —, que encomendou a obra a Courbet para sua coleção de arte erótica.

A descoberta foi feita pelo historiador francês Claude Schopp, que estava estudando as cartas de Dumas para um livro. Uma passagem específica chamou sua atenção. O remetente, hostil à Comuna — movimento de insurreição que tomou brevemente o poder em Paris, em 1871 — vocifera contra um de seus apoiadores, Courbet. “Não se pode pintar com o pincel mais delicado e sonoro a entrevista da senhorita Queniault (sic)da Ópera” , escreveu Dumas. "A entrevista? Isso não queria dizer nada", explicou Schopp à AFP.

Constance Quéniaux, o rosto da provocativa obra de Courbet Foto: DepartAmento de Estampas da BnF / Reprodução
Constance Quéniaux, o rosto da provocativa obra de Courbet Foto: DepartAmento de Estampas da BnF / Reprodução

O especialista decidiu confrontar o texto com o manuscrito original, conservado na Biblioteca Nacional da França (BnF), e descobriu que havia um erro na transcrição. Não estava escrito “entrevista” e sim “interior”.

"Normalmente faço descobertas após trabalhar por anos. Aqui foi direto. Me pareceu quase injusto”, brincou Schopp, que irá lançar o livro sobre a descoberta, na França, no dia 4 de outubro.

O escritor procurou então a diretora do departamento de impressos da Biblioteca Nacional da França, Sylvie Aubenas. “Este testemunho da época me faz acreditar com 99% de certeza que a modelo de Courbet era Constance Quéniaux”, disse Sylvie.

Na época, Constance tinha 34 anos e, aposentada da Ópera, disputava a atenção de Halil Pasha com a famosa cortesã Marie-Anne Detourbay. Também conhecida como Jeanne de Tourbey, Marie-Anne era proprietária de um salão e se tornaria a Condessa de Loynes. Por sua presença na sociedade francesa, também foi apontada como possível modelo para Courbet.

Para Sylvie, as cartas de Dumas revelam que a identidade da modelo de Courbet era conhecida na época, mas foi perdida ao longo do tempo, já que Constance se tornou uma senhora respeitada, conhecida pela filantropia.

Uma outra descoberta de Schopp reforça a teoria. Quando Constance morreu, em 1908, ela deixou em seu testamento um quadro de Courbet com um buquê de flores, entre elas camélias — associadas às cortesãs, por conta do romance “A dama das camélias”, de Dumas Filho. No centro, sobressai uma flor vermelha, aberta. "O artista e o comprador não poderiam ter feito homenagem mais bela a Constance”, disse Sylvie.