Economia

‘É você que deve gerir a tecnologia, não o oposto’, afirma Domenico De Masi

Sociólogo italiano prevê o fim do trabalho como o conhecemos e descreve tablets e smartphones como ferramentas capazes de libertar a humanidade do escritório

Crise: Para o sociólogo Domenico De Masi, a atual falta de emprego em alguns países é estrutural e a situação tende a piorar
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Crise: Para o sociólogo Domenico De Masi, a atual falta de emprego em alguns países é estrutural e a situação tende a piorar Foto: Divulgação

RIO - Mais que um teórico, o sociólogo italiano Domenico De Masi é exemplo de que o “ócio criativo” - coexistência de trabalho, aprendizado e lazer - é possível. Numa longa conversa com o GLOBO, esteve sempre sereno e, por vezes, repetiu: “estamos produzindo, mas estudando e nos divertindo”. Crítico da atual organização laboral, ele enxerga as novas tecnologias como ferramentas capazes de libertar os trabalhadores da jornada diária, mas vê o mundo ainda preso a valores do passado. Domenico está no Rio para participar do seminário “Cidades Inteligentes: tecnologia e qualidade de vida”, nesta quinta-feira, em Copacabana.

No seminário, o senhor vai falar sobre o “ócio criativo e a terceira plataforma tecnológica”. O que seria isso?

A terceira plataforma tecnológica é a superação do tempo e do espaço. Agora, estamos conversando aqui, mas eu poderia estar em Roma, e você, no Rio de Janeiro, que conversaríamos da mesma forma. Não é necessário estar frente a frente para se relacionar com as pessoas. E ela acaba com o trabalho como conhecemos. Tudo será feito por máquinas. Máquinas construirão as próprias máquinas. Para o ser humano, caberá apenas a atividade criativa.

Esse futuro ainda é distante.

Sim. A primeira plataforma tecnológica foi quando a tecnologia diminuiu a fadiga física; a segunda reduziu o trabalho intelectual. A direção da Humanidade é a terceira plataforma tecnológica.

Nos últimos anos, o mundo viveu um período de rápida transformação na tecnologia. O iPhone, por exemplo, foi lançado em 2007, há menos de uma década. Como essas ferramentas interagem com o ócio criativo?

O ócio criativo é a reunião, ao mesmo tempo, de atividade, aprendizado e lazer. Os smartphones facilitam isso, eles eliminam a dispersão de tempo, possibilitam o teletrabalho. Pense em São Paulo, com todo o trânsito. Mesmo preso no congestionamento, a pessoa está conectada, não isolada. Eu, com o meu notebook, carrego o meu escritório para onde vou.

Mas com o celular as pessoas não estão trabalhando mais? Estão sempre conectadas, produzindo?

É você que deve gerir a tecnologia, e não ela gerir você. As pessoas precisam se libertar. No Brasil, em 1888 foram libertados os escravos laborais, agora precisam libertar os escravos intelectuais. As pessoas estão conectadas, mas elas podem trabalhar quando estão na academia, na praia, com a namorada. Isso é ócio criativo.

Mas as pessoas continuam trabalhando em escritórios, além do celular.

Isso é um retardo laboral. Muitas profissões podem se adaptar às tecnologias. O jornalista, por exemplo, pode fazer reuniões pelo Skype, escrever os textos pela internet. O computador não é apenas um substituto da máquina de escrever. Existe um gap cultural. Temos que usar a tecnologia a nosso favor, não contra.

O mundo tem mais de 7 bilhões de pessoas. Vai ter trabalho criativo para todos?

Não. Esse é o problema. Todo o trabalho físico, industrial, vai ser feito na China. Todo o trabalho intelectual vai ser feito na Índia. O resto do mundo não vai fazer nada. Pense no computador. Ele é projetado nos EUA, com cem engenheiros, mas fabricado na China, com 3 mil funcionários. E, quando chega à América, gera ainda mais desemprego. Temos uma grande crise no trabalho. Na Itália, 44% dos jovens estão desempregados, não existe trabalho. É uma questão estrutural.

E o que fazer para solucionar esse problema?

O neoliberalismo é perigoso. Ele acelera esse processo, acelera a competitividade. As companhias do primeiro mundo exportaram a produção para o terceiro mundo. A Fiat faz as pesquisas na Itália, mas fabrica os carros no Brasil. Precisamos encontrar um modelo alternativo. O comunismo perdeu, mas o capitalismo não venceu. O comunismo sabia distribuir a riqueza, mas não sabia produzir; o capitalismo sabe produzir, mas não sabe distribuir.