Brasil Educação

Estudo do MEC mostra que só uma das 20 metas de educação do país saiu do papel

Meta que prevê 10% do PIB para a área, por exemplo, que é fundamental para colocar os demais objetivos em prática, está longe de ser cumprida
Para cumprir 10% do PIB para educação MEC teria que dobrar investimentos feitos em 2015 Foto: shutterstock_
Para cumprir 10% do PIB para educação MEC teria que dobrar investimentos feitos em 2015 Foto: shutterstock_

RIO - O Plano Nacional de Educação (PNE), que entrou em vigor em 2014, foi uma das conquistas mais celebradas na área educacional. Mas, quatro anos após sua implementação, o Brasil não tem muito o que comemorar. Um balanço do cumprimento da lei, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) nesta quinta-feira, revela que, levando em conta metas com indicadores precisos, até o momento, apenas um de todos os 20 objetivos previstos foi cumprido integralmente.

LEIA: Cai o número de matrículas na educação básica

Cerca de 15% dos professores da educação básica não têm ensino superior

A análise do relatório divulgado pelo MEC revela que entre as 20 metas, quatro já foram parcialmente descumpridas, outras dez dificilmente serão cumpridas — seja pela distância que estão do patamar estabelecido como objetivo, ou pelo ritmo de progresso que apresentam nos últimos anos —, três foram parcialmente cumpridas e uma está próxima de ser integralmente conquistada. Há, ainda, uma meta para qual não há dados muito atualizados, que é o caso do atendimento escolar a pessoas com deficiência. A lei determina que haja um balanço de monitoramento do plano a cada dois anos.

Até o momento, o Brasil cumpriu integralmente apenas meta 13 do plano, que determina o aumento na proporção de professores do ensino superior com pós-graduação.

A lei prevê que, até 2024, todos os dispositivos do PNE, que não se restringem às metas, sejam cumpridos, no entanto, de acordo com o levantamento feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), poucas serão as metas que sairão do papel. Alguns dos 20 objetivos estabelecidos pelo PNE têm metas intermediárias, algumas já vencidas em 2015 e 2016, e outras que, de acordo com a projeções órgão, não cumprirão o cronograma previsto.

DISTANTE DOS 10% DO PIB PARA EDUCAÇÃO

Uma das principais bandeiras do movimento estudantil, a meta 20, que estabelece 10% do PIB para a educação pública até 2024, está bem longe de virar realidade. Para isso, o MEC precisaria dobrar o valor investido na área em 2015, o que é praticamente impossível devido à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, conhecida com PEC do teto e amplamente defendida pelo governo federal, que estabeleceu limite para os gastos públicos nos próximos 20 anos.

Para conseguir cumprir o índice intermediário de 7% do PIB para a educação até 2019, seria necessário o incremento de R$ 120 bilhões de reais nos recursos destinados à educação pública, o que corresponde a 2% do PIB registrado em 2015 (com correções da inflação do período). Em 2015, o gasto público em educação pública correspondia a 5%.

— O grande desafio para o país é a meta 20, que fala sobre o financiamento, se não cumprirmos essa meta não teremos condição de cumprir as demais. Avançamos em alguns pontos e em outros não. O financiamento tem que ser discutido sob todos pontos de vista, temos que brigar para aumentar os recursos para a educação, mas também distribuí-los de maneira melhor, aprirmorar os mecanismos que temos — afirmou o ministro da Educação, Rossieli Soares da Silva.

Cada meta do plano contém estratégias para viabilizar sua implementação também descritas no documento. Em relação à meta 20, um dos dispositivos centrais também não está sendo cumprido. Até 2016, o governo deveria ter implementado o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), que consiste em um indicador do custo anual mínimo necessário por aluno para garantir uma educação de qualidade, o que ainda não foi feito.

De acordo com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, organização da sociedade civil que criou o cálculo do CAQi e pleiteou sua inclusão no PNE, o valor mínimo por aluno para garantir a manutenção e o desenvolvimento de uma educação de qualidade nos anos iniciais do ensino fundamental seria R$7.004,67. O valor é mais que o dobro dos R$ 3.016,67 repassados atualmente pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

—  Constatamos que apenas 30% dos dispositivos do PNE tiveram algum avanço. Isso acontece especialmente porque o PNE foi construído com metas progressivas, o que significa que se as metas estruturantes intermediárias não forem cumpridas, a probabilidade da meta final se concretizar é pequena — comenta Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. —  O CAQi deveria ter sido implementado em 2016, ao contrário disso temos os cortes na educação, sobretudo com a emenda que congela investimento na área. O PNE além de não estar sendo cumprido, está escanteado da política educacional.

ENSINO MÉDIO LONGE DA META

Ponto sensível da educação brasileira, o ensino médio não tem conseguido alcançar as metas estabelecidas. A determinação de universalizar o atendimento escolar entre a população de 15 a 17 anos, e de aumentar a taxa de matrículas no ensino médio para 85% das pessoas dessa faixa etária já foi parcialmente descumprida.

O plano estabelecia que 100% das pessoas de 15 a 17 anos estivessem na escola em 2016, mas, no ano passado, esse percentual chegava a 91,3%, o que significa que 900 mil jovens dessa faixa etária ainda estão fora da escola. De acordo com o MEC, caso o ritmo de crescimento do acesso continue o mesmo, em 2024 chegaremos, no máximo, a 94% de cobertura.

"O desafio da Meta 3 quanto à universalização do atendimento da população na faixa de 15 a 17 anos recai sobre a evasão escolar, visto que praticamente todos esses adolescentes ingressam na idade adequada", diz o estudo.

Em relação ao segundo indicador dessa meta, que exige 85% da população de 15 a 17 matriculada no ensino médio ou formada na etapa, os dados apontam que o país também precisa acelerar o ritmo de crescimento das matrículas. Dado de 2017 mostrou que apenas 70,1% dessa população estão matriculados na etapa. Partindo desse patamar e com o crescimento médio observado entre 2012 e 2017, o Brasil chegará, no máximo, a 79% das pessoas dessa faixa etária no ensino médio em 2024, bem aquém do 85% esperados.

A meta 7 do Plano, que estabelece notas a serem obtidas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), também apresenta um retrato de como os desafios aumentam conforme os estudantes progridem no sistema educacional.

No que diz respeito aos anos iniciais do ensino fundamental, o Brasil vem cumprindo as metas e superando os índices estabelecidos como objetivo no Ideb. Já nos anos finais, desde 2013 o país tem ficado abaixo da meta estabelecida. Em 2015, último Ideb disponível, o país alcançou nota 4,5 ficando abaixo dos 4,7 definidos como objetivo. O ensino médio também não traz boas notícias. Assim como a etapa anterior, o médio não tem alcançado a meta desde 2013, quando o Ideb foi de 3,7 e a meta 3,9. Em 2015,  a nota ficou estagnada e ainda mais distante dos 4,3 estabelecidos pelo PNE.

—  O gargalo que temos não é apenas no desempenho do ensino médio, mas também nos anos finais do ensino fundamental. Precisa ser explicado o que acontece nessa etapa. Não temos conseguido avançar na velocidade necessária em termos de qualidade de desempenho, e também não temos conseguido reduzir as altas taxas de reprovação e abandono — analisa Patrícia Mota Guedes, mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Princeton e gerente de pesquisa e desenvolvimento da fundação Itaú Social.

FALSA VALORIZAÇÃO

A meta 17 do plano determina que até 2020 o salário dos profissionais do magistério das redes públicas seja equiparado ao rendimento médio dos outros profissionais com mesmo nível de escolaridade. O último dado disponível, referente ao ano de 2017, mostra que houve um avanço. Enquanto em 2012 o salário dos professores correspondia a 65,2% da média dos outros profissionais com mesma escolaridade, no ano passado, esse percentual era de 74,8%.

Mas, ainda que a distância entre os rendimentos dos professores e demais assalariados tenha diminuído, isso não aconteceu devido a um aumento significativo no salário dos docentes. A disparidade foi reduzida devido ao déficit de rendimento dos demais profissionais, que entre 2012 e 2017 tiveram perda real de 11,1% do poder de compra. O rendimento dos professores teve crescimento real de 2% frente a uma inflação acumulada de 40,3% no período.

— A valorização do professor é uma questão. Não se pode pensar só em formação inicial, temos que olhar formação continuada, plano de carreira e também as condições ofertadas para tempo de planejamento do professor. Há grande parte da rede que não cumpre um terço obrigatório da carga horária para planejamento — analisa Patrícia. — Na meta relacionada à formação adequadra para área que ensinam, vemos que apenas 46% têm formação adequada para educação infantil, 59% para os anos iniciais, 50,9% para os finais, e 60% para o ensino médio. É importante acompanhar esse indicador.

POUCOS OBJETIVOS PRÓXIMOS DA REALIDADE

O estudo mostra que a meta 13 já foi cumprida. A determinação de ter 75% do corpo docente com titulação de mestre e/ou doutor, prevista para 2024,  já havia sido alcançada em 2015. Em 2016, último dado disponível, 77,5% dos professores universitários do país tinham essa formação.

A marca de professores doutores (que compõe a mesma meta), fixada em 35% até 2024, também foi batida ainda em 2014. De acordo com o dado mais recente, de 2016, 39,8% dos docentes universitários têm essa titulação. No entanto, apesar a conquista, as disparidades regionais ainda são frequentes. Um exemplo dessa diferença é o fato de que enquanto na região Norte o índice de professores mestres/doutores ainda está abaixo do esperado, com 69,5%, no Sul, essa taxa chega a 80,5%.

Outro dispositivo do plano que deve ser cumprido em breve é a meta 14, que pretende elevar o número de matrículas de pós-graduação stricto sensu atingindo titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores até 2024. Em 2016, a quantidade de matrículas anuais já era de 59,6 mil e 20,6 mil, respectivamente. Outras metas apresentam tendência de crescimento, mas grande parte delas com um ritmo aquém do necessário para cumprir o objetivo fixado.

— O PNE além de ser um programa que olha para a garantia do direito à educação, é um plano necessário por ter sido concebido no momento em que estamos na última fase da pirâmide etária, com a maior parte da população de crianças e adolescentes. Não atender esse público adequadamente agora significa um impacto no desenvolvimento futuro do país — afirma Andressa Pellanda.