Rio

'As pessoas convivem com a violência a toda hora', diz sobrinho da senhora morta no Jacarezinho

Georgina não pensava em se mudar do Jacarezinho; solteira, pensionista do Exército morava há 30 anos no bairro e saía da casa de uma amiga quando foi baleada
No IML, Rony Martins lamenta a morte da tia Georgina Maria Ferreira, baleada na cabeça do Jacarezinho Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo
No IML, Rony Martins lamenta a morte da tia Georgina Maria Ferreira, baleada na cabeça do Jacarezinho Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo

RIO — "O sentimento é de impotência diante de uma guerra que não é nossa", diz Rony Martins, de 43 anos, sobrinho de Georgina Maria Ferreira, 60 anos, morta na noite deste sábado após ser baleada em confronto no Jacarezinho. A dona de casa chegou a ser levada até a UPA de Manguinhos por moradores, mas não resistiu.

Rony é professor de matemática da Fiocruz - ele dá aulas na comunidade para turmas de EJA - e aponta que a solução para essa guerra nas comunidades no Rio está na educação, mas que os governantes não estariam preocupados com isso. Enquanto tentam achar a saída, civis inocentes morrem. E a brutalidade vira banal.

— Infelizmente, viramos estatística. O Estado perdeu a mão. Estamos vivendo num estado abandonado. Quem vive em comunidade vê um carro da polícia e não se assusta. A vida tem que seguir. Minha tia tinha saído de um bar, ido até a casa de uma amiga e quando saiu do portão aconteceu tudo isso. A amiga gritou por ela e, quando viu, ela estava caída no chão — conta ele.

Após receber a notícia de outra tia, que morava com Georgina, Rony tentou ir até a UPA de Manguinhos para onde a tia foi levada. Mas não chegou a tempo de encontrá-la com vida. O motivo: não conseguir ir mais rápido, já que, a cada caminho que tomava, deparava-se com um caveirão e o perigo iminente de também se tornar uma vítima.

Georgina Maria Ferreira, 60 anos, morta na noite deste sábado, após ser baleada em confronto no Jacarezinho Foto: Reprodução/Divulgação
Georgina Maria Ferreira, 60 anos, morta na noite deste sábado, após ser baleada em confronto no Jacarezinho Foto: Reprodução/Divulgação

Diante da insegurança, por volta das 22h deste sábado, ele retornou para casa, em São Cristóvão. Rony só conseguiu chegar na UPA, na manhã deste domingo.

— Ficamos desesperados. Por onde eu ia tinha um caveirão. Eu trabalho no território e sei como funciona. As pessoas convivem com a violência a toda hora — afirma o professor.

Na última semana, Rony não pode dar aulas. Espera que sejam retomadas normalmente ainda nesta segunda-feira. Ele conta que já teve que aconselhar seus alunos diversas vezes a não saírem de casa para a aula por conta da insegurança na região.

Georgina era pensionista do exército e morava em Manguinhos há mais de 40 anos. Nascida na Mangueira, mudou-se para viver junto com uma das quatro irmãs. Apesar de conviver com a violência, nunca tinha sido vítima dela. E nem havia pensando em se mudar por conta dos tiroteios.

Ela não tinha filhos, não se casou. Tinha em seus sobrinhos os familiares mais próximos. A família ainda não sabe quando será o enterro.

A ORIGEM DE TUDO

Operação: No último dia 11, policiais da Core, em apoio à Delegacia de Combate às Drogas, entraram no Jacarezinho para cumprir 23 mandados de prisão. Quinze pessoas foram presas.

Policial morto: Já no fim da operação, o policial da Core Bruno Buhler, de 36 anos, foi atingido no pescoço e levado para o Hospital de Bonsucesso, onde morreu. No mesmo dia, foram baleados o mototaxista André Macedo, que acabou morrendo na última quarta-feira, e Yan Ferreira, de 13 anos.

O Início: No dia seguinte à morte de Bruno, a Polícia Civil voltou à comunidade com o objetivo de prender os suspeitos do assassinato do agente. Desde então, tiroteios têm sido diários.

Verdureiro baleado: Na última terça-feira, um confronto violento voltou a deixar mortos. Dessa vez, o verdureiro Sebastião Sabino, de 46 anos, não resistiu ao ser atingido. Traficantes atiraram um coquetel molotov contra um caveirão

Pressão sobre tráfico: Em mais um dia violento, na última quinta-feira, um homem, que seria ligado ao tráfico de drogas, foi baleado e morreu. Um cão também foi atingido e operado na Suipa

Sem aulas: De novo enfrentando tiroteios intensos, escolas da região fecharam, na sexta-feira passada, registrando uma estatística sombria: o pior dia da educação no Rio este ano, em que 19.423 alunos da rede municipal ficaram sem aulas.

Sábado violento: Foi o nono dia de tiros. Além de Georgina Maria Ferreira, de 60 anos, Hugo de Souza, de 24 anos, morreu ao baleado. Adriane Silva, de 22 anos, levou um tiro na cabeça e outro morador foi atingido de raspão. Ontem, também teve confrontos.