Opinião

A morte da ciência

É necessário que governo se comprometa com o investimento público

Existe na comunidade científica brasileira a perspectiva de cortes de mais de 40% no financiamento público à pesquisa. Como no Brasil, diferentemente de outros países, quase não há financiamento privado à pesquisa científica, estas são notícias devastadoras. Cortes nesta proporção terão resultados extremamente negativos a curto, médio e longo prazos para a pesquisa, em particular, e para o país de uma forma geral.

O Brasil é atualmente forte em pesquisa, devido a investimentos de décadas que nos levaram a pular em 20 anos do 21º colocado para o 14º lugar entre as nações produtoras de ciência. Somos responsáveis por cerca de 2% da produção científica mundial, temos a maior comunidade científica e tecnológica da América Latina, com cerca de 60 mil pesquisadores, e formamos cerca de 14 mil novos doutores a cada ano.

A ciência tem um papel fundamental em diversas áreas da nossa vida e no desenvolvimento do país. A medicina depende de novos fármacos e de novos equipamentos de diagnóstico de imagens. A agricultura depende de novas variantes de grãos para melhoria de produtividade. A excelência brasileira na extração do petróleo tem alicerces profundos na pesquisa. Um ensino de qualidade está diretamente relacionado com a geração de conhecimento. A pesquisa em alta tecnologia é fundamental para o papel do país na economia mundial no futuro.

Cortes como os anunciados deveriam causar espanto na população. Poderia se admitir que a população não entende o que é ciência ou não a considera importante porque não compreende seu papel para o desenvolvimento do país. Para diminuir este problema, poderíamos trabalhar melhor a comunicação entre cientistas e a sociedade. Uma forma eficiente, e que tem crescido nos últimos anos, são projetos de extensão universitária de qualidade, preservando uma dimensão dialógica e ao mesmo tempo cumprindo o papel de ensinar ciência. Além da extensão, como só a educação é realmente transformadora, é fundamental valorizar a educação científica desde o ensino básico.

Um exemplo do impacto dos cortes em pesquisas na área biomédica envolve a necessidade de se armazenar amostras biológicas (moléculas, células, tecidos) em baixas temperaturas em freezers especiais (80 graus negativos). A falta de recursos para sua manutenção pode levar à perda de materiais importantes para o desenvolvimento destas pesquisas. Estas amostras são provenientes de anos de trabalho de inúmeros pesquisadores e alunos de pós-graduação, e esta perda pode ser irreparável.

É necessário que o governo se comprometa com o investimento público de longo prazo e regular em pesquisa. E seria muito importante aumentarmos a interação entre os pesquisadores e a indústria. Uma solução prática é a sugestão de sociedades científicas brasileiras do uso de verbas provenientes do combate à corrupção para o investimento na pesquisa.

É crucial se evitar os cortes no financiamento à pesquisa, e é ainda mais importante se mudar a compreensão da importância da ciência e do impacto dos cortes para o futuro do pais.

Claudia Mermelstein e Manoel Luis Costa são professores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro