• Daniela Frabasile
  • Daniela Frabasile
Atualizado em
Escritório vazio (Foto: Ian Gavan/Getty Images)

(Foto: Ian Gavan/Getty Images)

O que será do mercado de trabalho brasileiro no futuro? Para responder a essa pergunta, é preciso levar em consideração que o país passa por duas mudanças importantes. Uma delas é global e tem repercussão local. Ela está relacionada às novas tecnologias, que devem reduzir o número de empregos na indústria e aumentar as vagas no setor de informação e serviços. No Brasil, essa mudança no mercado de trabalho ocorre ao mesmo tempo em que o país passa por uma recessão na qual a importância da indústria no PIB nacional diminui. A outra mudança é a reforma trabalhista, também uma discussão global.

Foi sobre esses pontos que discorreu Marcio Pochmann, economista, professor titular da Unicamp e presidente da Fundação Perseu Abramo, durante a Conferência Ethos, que acontece nesta terça-feira (26/09) em São Paulo. “Estamos vivendo a transição da sociedade urbana industrial para a sociedade de serviços, comunicação e informação, a sociedade pós-industrial”, afirma. “Nessa perspectiva, precisamos pensar mais no trabalho do que no emprego, que é resultado do trabalho e da forma como este se organiza”.

Segundo ele, na sociedade industrial, o trabalho tem como objetivo o rendimento, o financiamento da vida pessoal e familiar. Há também o tempo do não-trabalho, em que há autonomia para se definir o que fazer com o tempo livre. É o momento para estudo e convivência. Essa separação nasceu na sociedade industrial, e foi ela que trouxe a ideia de que na infância e na juventude não se trabalha e que criou o conceito de aposentadoria. “Na sociedade agrária, não havia essa separação. Crianças pequenas ajudavam no trabalho fora e dentro de casa, e praticamente trabalhavam até morrer. Não havia sistema de aposentadoria”, diz Pochmann.

Mas a sociedade em construção hoje está rompendo a noção de tempo de trabalho para sobrevivência e tempo livre não voltado à sobrevivência. “Essa separação começa a ficar borrada pela presença das tecnologias de comunicação e informação”. Se na sociedade industrial o trabalho era fortemente ligado a um local (fábrica ou escritório), atualmente, ele pode ser exercido em qualquer lugar.

“Estamos vendo a desconstituição da sociedade salarial que a gente conhecia e a expansão do emprego autônomo. Com isso, teremos uma sociedade diferente daquela que foi a sociedade urbana industrial”, diz o economista. Porém, há uma carência de regulamentação, e a regulação que existe é fruto de um mundo que está se encerrando e pouco conectada com a nova realidade.

Soma-se a isso o fato de o trabalho hoje se concentrar no setor de serviços, em que há uma “generalização de ocupações precárias e com rendimentos muito baixos”. Atualmente, cerca de quatro quintos das ocupações no Brasil estão no setor de serviços. “Estamos saindo de uma recessão brutal que destruiu muitos postos de trabalho na indústria, que deve sair da crise com o peso [no PIB] comparável a 1910”, afirma Pochmann.

Ao mesmo tempo, houve uma mudança importante na própria forma de contratação, com a aprovação da reforma trabalhista. “A saída da recessão depende do setor de serviços e da expansão dos postos de trabalho, mas isso vai se apoiar em uma legislação que permite contratos a tempo parcial, o que significará um mundo de trabalho diferente”. Segundo o economista, como consequência dessas mudanças, teremos um nível de desemprego muito baixo, mas com remuneração menor. Afinal, “os empregos de trabalho pleno, de oito horas por dia, podem ser substituídos por dois ou três contratados com menor jornada de trabalho”, explica Pochmann. Se uma pessoa trabalha três ou quatro horas em uma semana, ela sai da condição de desempregado, mas o salário dela provavelmente será menor. “No México, por exemplo, o desemprego é baixo, mas quem está empregado nem sempre tem renda para sair da situação de miséria”, diz o professor. Segundo ele, nesse novo cenário, a desigualdade tende a aumentar. “Já estamos vendo um aumento da desigualdade sobretudo nos países ricos”, lembra.

Educação

Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, relaciona esse mundo do trabalho em transformação, descrito por Pochmann, e a educação no Brasil. “Esse novo mercado de trabalho busca competências que não são específicas, como a capacidade de resolver problemas, mas no Brasil não estamos sequer perto do que seria razoável no campo cognitivo”, diz Henriques. “Vários jovens não chegam ao ensino médio, muitos abandonam antes de concluir. Entre os que concluem, poucos aprendem, e os que aprendem aprendem pouco do que é essencial para o mercado de trabalho”, afirma.

Ele comparou a escolaridade do Brasil e do Chile. Se no nosso vizinho sulamericano 87% dos estudantes concluem o ensino médio com no máximo um ano de defasagem, esse porcentual no Brasil chega a 54%. “Aqui, a cada 100 jovens que entram no ensino médio, apenas 65 deles o concluem, e só sete vão para a universidade”. No Chile, os jovens adultos nascidos nos anos 80 têm em média mais de 12 anos de escolaridade, enquanto seus pares no Brasil têm nove — o mesmo que a média dos pais desses jovens adultos chilenos.

Em competências específicas, 77% dos alunos saem do ensino médio sem os conhecimentos esperados em língua portuguesa, e 97% deles não aprenderam o que era esperado em matemática. Segundo Ricardo Henriques, esses dados sobre a educação no Brasil se refletem no mercado de trabalho, diminuindo as chances de um jovem encontrar emprego. “Estamos entrando no século 21 com uma mudança intensa nas profissões. Em 15 anos, mais da metade delas vai mudar, demandando profissionais com capacidade de elaboração de soluções e raciocínio crítico, mas nossos jovens não estão sendo preparados para essa realidade.”