Rio

Moradores da Rocinha querem mais do que obras de fachada

Comunidade reclama de postes tortos e cheios de fios, valões a céu aberto, casas com paredes esburacadas por tiros e falta de garis comunitários e agentes de controle de trânsito

Estudantes e moradores passam diante de casa crivada de balas na Rua 2 na Rocinha durante a tentativa de invasão por grupo de traficantes, em dezembro de 2017
Foto:
Antonio Scorza
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Agência O Globo
Estudantes e moradores passam diante de casa crivada de balas na Rua 2 na Rocinha durante a tentativa de invasão por grupo de traficantes, em dezembro de 2017 Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo

RIO — Se o prefeito Marcello Crivella acha que a Rocinha está “muito feinha” só com o que viu do lado de fora da favela, ao cruzar as ruelas da comunidade o alcade vai ficar ainda mais chocado. Fios emaranhados nos postes, valões a céu aberto, casas com paredes esburacadas por tiros, trânsito sem controle. Para os moradores, o prefeito deveria percorrer o interior da Rocinha e conferir quais as prioridades da população de cerca de 100 mil habitantes antes de pensar em obras de fachada.

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Na segunda-feira, seis meses depois de ter dito que a Rocinha precisava de uma “banho de loja”, Crivella provocou mais polêmica ao criticar novamente a aparência da favela. Em vídeo, publicado pela página "Rocinha Alerta" no Facebook, o prefeito explica que o município vai fazer melhorias em construções que ficam junto à auto estrada Lagoa Barra.

— Ele só pode estar cego. Quero ver ele vir aqui sentir o cheiro de esgoto e ver o que passamos lá para dentro da comunidade — reclamou uma moradora, que não quis dizer seu nome — Não quero problema para o meu lado — justificou.

A dona de casa Francisca Maia, de 54 anos, moradora da Rocinha há 34, também acha que Crivella está precisando conhecer a Rocinha.

— Temos muita vala aberta, falta tratamento de esgoto. Tem muita coisa para melhorar. Na Rua 2, a situação é péssima, acho que tem muita coisa para ser feita no lugar de ficar pintando parede e fachada. Temos muito morador em área de risco, por exemplo — reclamou .

O entregador de jornais Luiz Antonio Andrade, de 38 anos, acha que o prefeito só quer tornar a visão da comunidade mais agradável aos motoristas que passam pela Lagoa-Barra.

— Só ajeitar a fachada não adianta. Ele tem que entrar e ir além. Ele vai ajeitar a fachada e quem passar vai pensar que está bonito, mas lá dentro está péssimo. Falta saneamento básico, as escolas estão com prédios ruins — criticou.

Para o presidente da Associação de Moradores da Rocinha, Carlos Eduardo da Silva Barbosa, o Duda da Rocinha, o prefeito deveria começar o trabalhos de melhoria da comunidade solucionando problemas de infraestura. E não maquiando a fachada.

— Antes de ajeitar as paredes das casas que podem ser vistas pelos motoristas que passam pela Auto estrada Lagoa Barra, o prefeito deveria começar reparando as fachadas das casas furadas de balas na Rua 2, Rua 1, Cachopa e Roupa Suja. Tem muito morador com a casa esburacada, pelo tiros. Tem parede que caiu. O prefeito prometeu que ia ajudar as pessoas da casa da Rua 2, mas até agora nada. O ideal seria que os moradores tivessem o sentimento de que tem alguém olhando por eles. Mas não, fica tudo concentrado na auto estrada, como as obras do PAC, a obra de construção da passarela. A gente tem a sensação de que só dão migalha para gente e só tem obra de fachada. As pessoas passam e acham que tem gente trabalhando pela Rocinha, mas aqui dentro mesmo, não tem ninguém trabalhando — protestou.

Ele tem uma lista de necessidades da comunidade, que garante já ter apresentado à Região Administrativa. Entre elas, está o retorno dos agentes da CET-Rio à Estrada da Gávea. Segundo ele, as crianças e idosos têm dificuldade de atravessar a via.

— Já mandamos vários ofícios pedindo a volta da CET-Rio. Ali tem muitos pontos de travessia de crianças e idosos, temos o Ciep Bento Rubião e a Escola Paula Brito. O trânsito da Rocinha é uma loucura, com muito mototáxi, vans. Não tem sinalização, nem guarda.

A Rocinha também sobre com o problema da coleta de lixo e da falta de garis comunitários, diz Duda.

— O prefeito veio com este projeto de colocar tampa em cima do valão, uma grade, para que as pessoas não jogassem lixo, mas isso piorou a situação. Quando chove, o lixo sobe e entope, a água volta pelos canos, invadindo um monte de casa. Criou um problema na Rua do Valão. Não adianta colocar tampão se não tivermos mais garis comunitários. Hoje são 35, 40, precisamos de uns 200 para toda a favela. Tinha um projeto chamado Guardião do Rio, que faziam um trabalho de limpeza dos rios e valas, e não temos mais. Isso tinha que voltar — diz Duda da Rocinha

A dona de casa Helena de Oliveria, 49 anos, tem medo de que um grande incêndio ocorra na comunidade por causa do emaranhado de fios nos postes.

— O prefeito precisar ver como estão os postes de rua da Rocinha. Tem poste envergando de tanto fio enrolado. Ali na Vila Verde, então, tem poste que atende mais de 300 famílias. Dos postes saem faíscas, muitos pegam fogo, estragam nossa TV. Ele precisa é entrar mesmo. Não adianta ele ficar só aqui na bilblioteca e na passarela. Ele precisa ir lá dentro, para ver o que passamos — comentou ela, que também reclamou da falta de professores no Ciep Bento Rubião e da falta de médicos e medicamento na Clínica da Família.

No vídeo, publicado pela página "Rocinha Alerta" no Facebook, o prefeito explica que o município vai fazer melhorias em construções que ficam junto à auto estrada Lagoa Barra. No espaço para comentários do post com a entrevista, os seguidores da página chamam a obra de "maquiagem" e "camuflagem".

“Essa fachada vai ser pintada, as esquadrias trocadas pra ficarem padronizadas, arrumadas, bonitas. Também essas marquises que estão em cima da loja e essa fiação feia, vamos trocar. Os postes, também vamos melhorar. A ideia nossa é que as pessoas quando passem pela Lagoa Barra olhem pra cá e tenham ideia de uma comunidade arrumada, bonita, de um povo trabalhador, enfim... Hoje ela está muito feinha. Então, nós vamos mudar tudo", diz Crivella.

Em nota, a Prefeitura do Rio esclareceu que faz  "diversas ações na Rocinha para melhorar a qualidade de vida do morador da comunidade, além do programa de recuperação de fachadas de moradias alvejada por tiros." E apresentou uma lista de intervenções, que inclui ações de recuperação de meio fio, tapa-buracos e susbtituição de tampas de bueiros, entre outras.

" Já estão em andamento as obras da Geo-Rio com o objetivo de eliminar riscos em encostas situadas nas áreas da Dioneia e do Laboriaux, com instalação de “cortinas ancoradas” nestes trechos, canaletas de drenagem pluvial e revestimento de aludes com concreto projetado. Com aplicação de recursos de cerca de R$ 4 milhões, a previsão de término é abril."

Em outra frente de trabalho na Rocinha, diz a nota da prefeitura, "técnicos da Riourbe atuam na recuperação de fachadas e instalações das escolas municipais André Urani e Francisco de Paulo Brito, da creche municipal Castelinho e do CIEP Bento Rubião. Os trabalhos têm previsão de término no final de março. Os investimentos nas recuperações são de R$ 3 milhões. "

Outro serviço citado pela prefeitua é a "identificação de casas sem janelas, o que propicia a incidência de tuberculose." Mais de 700 famílias foram cadastradas e vão receber obras" para abertura de janelas e basculantes para circulação de ar."

Com relação ao problema com os tampões, a prefeitura informou que a "A Fundação Rio-Águas trabalha na implantação de 360 metros de grade de proteção no Canal da Rocinha. O serviço tem duração de quatro meses. O órgão também atua na manutenção permanente do canal com objetivo de prevenir enchentes; assim como na remoção de lixo da caixa de retenção localizada no Centro Esportivo da Rocinha. "

A nota informa, ainda, que " há estudos na subsecretaria de Habitação para construir, em dois terrenos, unidades do programa Minha Casa Minha Vida, para tirar moradores de áreas de risco."

Rocinha surge na década de 1950

Localizada entre os bairros da Gávea e de São Conrado, a Rocinha é considerada uma das maiores favelas do país. Ela ocupa uma área de 95 hectares. O tamanho da população varia conforme a base de dados: mais de 69 mil, segundo Censo do IBGE de 2010, e 100 mil habitantes, de acordo com o Censo das Favelas, realizado pelo governo do estado. A estimativa é que ali existam cerca de 38 mil imóveis.

A favela teve origem na divisão em chácaras da antiga Fazenda Quebra-Cangalha. Por volta de 1930, as chácaras, adquiridas por imigrantes portugueses e espanhóis, foram transformadas num centro fornecedor de hortaliças para a feira da Praça Santos Dummont, na Gávea, que abastecia a Zona Sul da cidade. Os vendedores contavam aos moradores que as hortaliças eram cultivadas numa "rocinha" localizada no alto da Gávea, dando origem ao nome da comunidade.

A partir da década de 1950, houve um aumento de migração de nordestinos para o Rio. A maioria deles se estabelecia na Rocinha. Nas décadas de 1960 e 1970, houve novo surto de expansão, devido aos projetos de abertura dos túneis Rebouças e Dois Irmãos (atual Zuzu Angel), que contribuíram para uma maior oferta de empregos na região.

Na década de 70, surgem discussões de grupos organizados, que começaram a reivindicar saúde, educação, água, luz e saneamento básico. A água e a luz chegam em algumas residências. Na década de 80, surgem as escolas, creches e centros comunitários. Em 1982 é implantado o primeiro posto de saúde.

Em 1993, a Rocinha é transformada em bairro e ganha sua própria região administrativa. Hoje, conta com escolas, postos de saúde, bancos e grande variedade de comércio, como redes de fast food, serviços de TV a cabo e internet, rádios comunitárias e empresas que levam turistas para um passeio pela comunidade.