Política

Com extras, 71% dos juízes do país recebem acima do teto de R$ 33 mil

Nos TJs, penduricalhos representam um terço da renda
Prédio do Tribunal de Justiça do Rio Foto: Marcelo Piu / Arquivo O Globo
Prédio do Tribunal de Justiça do Rio Foto: Marcelo Piu / Arquivo O Globo

RIO  - Folhas de pagamento entregues este mês ao Conselho Nacional de Justiça ( CNJ ) por tribunais de todo o país mostram que, ao menos nas cortes estaduais, receber remunerações superiores ao teto constitucional é regra, não exceção. Levantamento do Núcleo de Dados do GLOBO, com base nas informações salariais divulgadas pela primeira vez pelo CNJ, aponta que, nos últimos meses, 71,4% dos magistrados dos Tribunais de Justiça (TJs) dos 26 estados e do Distrito Federal somaram rendimentos superiores aos R$ 33.763 pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) — valor estabelecido como máximo pela Constituição.

LEIA MAIS: Supersalários: Tribunais estaduais informam que auxílios não podem ser contabilizados no teto salarial

Dos mais de 16 mil juízes e desembargadores dos TJs, 11,6 mil ultrapassaram o teto. A remuneração média desse grupo de magistrados foi de R$ 42,5 mil. Nessa conta, auxílios, gratificações e pagamentos retroativos têm peso significativo e chegam a representar um terço do rendimento mensal — cálculo que só pôde ser feito a partir da exigência do CNJ de receber as folhas completas num único padrão. No levantamento, O GLOBO desconsiderou os benefícios a que todos os servidores dos Três Poderes têm direito: férias, abono permanência e 13º salário. Em alguns estados, foi usada como referência a folha de novembro; em outros, a de outubro ou setembro, dependendo da que foi divulgada.

Quantos juízes ganham acima do teto
Os índices de quem supera o limite, por estado
54%
99%
90%
53%
88%
51%
90%
82%
91%
54%
88%
72%
85%
55%
45%
34%
75%
Teto constitucional
80%
R$ 33.763,00
59%
98%
53%
23%
Proporção de magistrados com remuneração maior que o teto em todo o país
77%
83%
72%
71,4%
63%
73%
Como é distribuida a remuneração
acima do teto nos estados
ESTADOS
Salário-base
Indenizações (auxílios)
Direitos eventuais*
outros
52%
AC
73%
AL
65%
AM
68%
AP
74%
BA
81%
CE
74%
DF
73%
ES
72%
GO
75%
MA
67%
MG
47%
MS
83%
MT
78%
PA
81%
PB
78%
PE
74%
PI
76%
PR
68%
RJ
79%
RN
41%
RO
78%
RR
64%
RS
65%
SC
69%
SE
61%
SP
61%
TO
67%
MÉDIA
Rendimento médio de magistrados
que receberam acima do teto
9
68.895,6
RO
estados têm rendimento superior à média nacional
61.617,9
MS
55.112,2
AC
47.038,7
SP
52
46.893
TO
44.503
AM
juízes e magistrados têm rendimento superior a
R$ 100 mil
43.796,6
SC
43.061,3
RS
MÉDIA GERAL
R$ 42.505,66
42.816,2
RJ
*Retroativos e gratificações por exercício cumulativo
Fonte: CNJ
Quantos juízes ganham
acima do teto
Os índices de quem supera o
limite, por estado
99%
98%
91%
90%
90%
88%
88%
85%
83%
82%
80%
77%
75%
73%
72%
72%
63%
59%
55%
54%
54%
53%
53%
51%
45%
34%
23%
Teto constitucional
R$ 33.763,00
Proporção de magistrados com remuneração maior que o teto em todo o país
71,4%
Rendimento médio de magistrados
que receberam acima do teto
68.895,6
RO
61.617,9
MS
55.112,2
AC
47.038,7
SP
46.893
TO
44.503
AM
43.796,6
SC
43.061,3
RS
42.816,2
RJ
MÉDIA GERAL
R$ 42.505,66
9
52
estados têm rendimento superior à média nacional
juízes e magistrados têm rendimento superior a
R$ 100 mil
Fonte: CNJ

Não é possível, no entanto, afirmar que os pagamentos são irregulares e ferem a lei. A Constituição define como teto os salários dos ministros do STF, mas abre margem para exceções ao retirar “parcelas de caráter indenizatório previstas em lei” do cálculo. Os tribunais argumentam que determinados auxílios, como moradia e alimentação, e os chamados direitos eventuais, entre os quais as gratificações por exercício cumulativo e os pagamentos retroativos, não são considerados na conta do teto constitucional. Os órgãos afirmam seguir as resoluções do CNJ, que fiscaliza o Judiciário e especifica quais auxílios devem ficar de fora do limite.

Procurado, o CNJ declarou que, no momento, apenas recebe os dados e os divulga, sem análise. Ainda que o órgão tenha ampliado a transparência dos salários no Judiciário, a maioria das planilhas divulgadas na página do conselho na internet estava bloqueada, recurso que impede o cruzamento dos dados. Para fazer o levantamento, O GLOBO precisou remover a proteção das planilhas. O CNJ argumentou que os dados foram fechados por “segurança”.

Os dados mostram que, em alguns estados, a proporção de remunerações acima do teto foi ainda maior. Ao todo, 14 tribunais tiveram percentuais de magistrados com rendimentos extrateto maiores do que a média nacional. No Amapá, apenas um dos 97 magistrados não ultrapassou o limite fixado pela Constituição. Em Minas Gerais, Piauí, Amazonas e Maranhão, 90% dos juízes e desembargadores também tiveram rendimentos superiores ao teto. Os menores percentuais foram encontrados nos TJs do Espírito Santo (23%), do Mato Grosso (34%) e da Bahia (45%).

RONDÔNIA: MÉDIA DE R$ 68,8 MIL

O Tribunal de Justiça de Rondônia registrou o maior rendimento médio do país. Lá, a remuneração ficou em R$ 68,8 mil em novembro. No estado, as indenizações — compostas por auxílios- moradia, alimentação, saúde e pagamentos retroativos desses benefícios — corresponderam, em média, a mais da metade do rendimento de juízes e desembargadores no mês passado. Ao todo, nove cortes tiveram média salarial mais alta que a nacional. Nos tribunais do Mato Grosso do Sul e do Acre, ultrapassaram os R$ 50 mil.

Outro seleto grupo de magistrados chama atenção. São 52 juízes e desembargadores que somaram remunerações que ultrapassaram R$ 100 mil em um único mês. Uma juíza do Paraná, por exemplo, teve rendimento de R$ 235 mil em novembro. Trata-se do maior vencimento registrado em todo o país. Na lista, estão ainda 38 magistrados do Tribunal de Justiça de Rondônia.

Nem mesmo o fator de redução salarial, criado para impedir que juízes e desembargadores furem o teto, consegue cumprir o seu objetivo. Apenas 2% de todos os magistrados do país sofreram algum tipo de corte nos rendimentos por causa do limite imposto pela Constituição. A explicação é, de novo, que uma série de “penduricalhos” acaba excluída do cálculo do teto.

Procurados, os tribunais do Amapá, Amazonas, Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Rondônia, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Paraná, Roraima, São Paulo, Sergipe, Santa Catarina e Tocantins ressaltaram que respeitam o teto constitucional.