BOGOTÁ — O destituído prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, decidiu ir para a Espanha após pedir auxílio da Colômbia no contexto de sua fuga da Venezuela. O político foi ao país vizinho por terra nesta sexta-feira após fugir da prisão domiciliar em que estava desde 2015 por uma suposta conspiração contra o governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Aos 62 anos, o líder opositor é um dos mais emblemáticos presos políticos da Venezuela junto com Leopoldo López, também sob regime domiciliar.
O dirigente opositor parte ainda nesta sexta-feira em um voo comercial que o leva ao aeroporto de Barajas, na capital espanhola, disse à AFP Lorena Arraiz, chefe de informação internacional de Ledezma
Após cruzar a fronteira, Ledezma pediu auxílio ao governo colombiano e descreveu sua fuga como "cinematográfica".
— Foi uma travessia cinematográfica, passar por mais de 29 postos da Guarda Nacional e da polícia — declarou à imprensa colombiana na cidade de Cúcuta, na fronteira com a Venezuela, sem oferecer mais detalhes. — Minha voz se une ao coral de vozes de venezuelanos que pediram auxílio à Colômbia.
De Cúcuta, Ledezma pediu ajuda ao governo da Colômbia, onde estão vários dos destítuidos pela Venezuela, como os novos juízes do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) nomeados pela oposição e a ex-procuradora-geral Luisa Ortega. Segundo um comunicado do gabinete de Imigração, o líder opositor entrou pela manhã desta sexta-feira por via terreste na população de Villa del Rosario, na fronteira com a cidade de Cúcuta. O governo do presidente colombiano, Juan Manuel Santos, não se pronunciou sobre o futuro do prefeito de Caracas. Santos, um dos presidentes da América Latina mais crítico de Maduro, ofereceu asilo a Ortega.
"Ledezma fez o processo de imigração correspondente perante as autoridades colombianas, de acordo com os regulamentos de imigração", afirmou o comunicado.
Ledezma assegurou que fugiu sem consultar suas filhas e mulher e não deu pistas sobre seus próximos passos. Segundo a imprensa colombiana, o líder opositor tinha planejado pegar um avião de Cúcuta até um outro destino. De acordo com o jornal venezuelano "El Nacional", o ex-prefeito poderia ir para a Europa. Em Caracas, várias patrulhas do serviço de inteligência estavam em frente à sua casa, no leste da cidade.
Governador do estado de Miranda e líder do partido Primeiro Justiça. Em abril, a Justiça o proibiu de se candidatar a cargos eletivos por 15 anos. Foi duas vezes candidato presidencial e na última perdeu para Maduro por menos de dois pontos percentuais.
Henry Ramos Allup
Representa o Ação Democrática, um dos partidos mais tradicionais e antigos do país. Foi presidente da Assembleia Nacional até janeiro passado e continua sendo uma das figuras de proa da Mesa de Unidade Democrática.
Julio Borges
Presidente da Assembleia Nacional (AN) e figura de peso do Primeiro Justiça. É um político mais moderado, mas nos últimos meses radicalizou discurso e ações. Tem amplos vínculos com a comunidade internacional.
Leopoldo López
Fundador e figura principal do Vontade Popular, considerado o partido mais radical da MUD. Foi preso em 2014, obteve o benefício da prisão domiciliar no começo de julho e foi levado novamente para a prisão há dias.
Freddy Guevara.
É um dos líderes jovens da MUD e vice-presidente da Assembleia Nacional. Pertence ao Vontade Popular e mantém certa rivalidade com López e sua mulher, Lilian Tintori, pelo protagonismo adquirido desde que o líder foi preso.
Foi preso em 2015, quando era prefeito de Caracas. Por problemas de saúde, ficou em prisão domiciliar até poucos dias. Foi levado à prisão de militar de Ramo Verde e voltou para casa, de onde fugiu para a Colômbia e foi posteriormente à Espanha.
Maria Corina Machado
Ex-deputada, teve mandato cassado e criou o movimento Venha Venezuela, da ala mais radical. Rechaça negociação com o governo. Está, como os principais líderes opositores, proibida de sair do país.
O ex-prefeito aproveitou a chegada à Colômbia para criticar Maduro e pedir sua saída do poder.
— É hora de um governo de transição. Maduro não pode seguir torturando o povo da Venezuela. Maduro está matando os venezuelanos de fome.
SUPOSTA CONSPIRAÇÃO CONTRA MADURO
O então prefeito de Caracas foi preso no dia 19 de fevereiro de 2015 acusado de formar parte de uma suposta conspiração contra Maduro. Dois meses depois, foi transferido para o regime domicilliar por motivos de saúde. Em agosto, foi levado para prisão militar Ramo Verde, perto de Caracas, após o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) revogar seu regime domiciliar, acusando-o de planejar fugir. Ledezma voltou para casa alguns dias depois.
Antes mesmo da tensão da noite de terça-feira, Maduro alertara em discurso a apoiadores que ele e seus apoiadores iriam pegar em armas caso seu governo fosse derrubado, para garantir a paz no país.
Enfraquecimento do papel da procuradora-geral
Desde que manifestou oposição à Constituinte e denunciou a ruptura da ordem constitucional no país, a procuradora-geral Luisa Ortega Díaz sofre ataques do governo. Na terça-feira, o Tribunal Supremo de Justiça anulou a nomeação do vice-procurador, indicado por ela. Se Maduro realizar a Constituinte, dizem analistas, é provável que ela saia.
Mais poder ao Defensor do Povo
Na terça-feira, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu ao Defensor do Povo, Tarek William Saab, faculdades para realizar investigações, emitir opiniões e receber denúncias de casos sobre direitos humanos. Até agora, o único que podia atuar nesta área era o Ministério Público, comandado pela procuradora-geral Luisa Ortega Diaz.
Mais armas a milícias
Em abril, Maduro defendeu a necessidade de ampliara Milícia Nacional Bolivariana para meio milhão de integrantes e reforçar seu armamento. Em discurso em cadeia nacional, o chefe de Estado assegurou que “a Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb) deve garantir um fuzil a cada miliciano”. A ONU e outras ONGs criticaram a medida.
Ameaça de saída da OEA
Em abril, o governo anunciou a decisão da Venezuela de deixar a Organização dos Estados Americanos (OEA). Na última cúpula do organismo, há uma semana, a então chanceler Delcy Rodríguez se retirou de um dos encontros. Em seus 65 anos de história, nenhum país se retirou voluntariamente da OEA.
Em abri, o presidente anunciou que decidiu ativar o Plano Zamora, apresentado pela Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb) para manter a ordem interna contra as supostas ameaças de golpe de Estado "convocadas por "Washington". Segundo ele, a suposta conspiração foi "reforçada" pelo presidente do Parlamento, Julio Borges.
Assim como vários governos e entidades internacionais, Ledezma desconhece a autoridade da Assembleia Nacional Constituinte, convocada por Maduro, e que atualmente rege a Venezuela com plenos poderes.
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, saudou a fuga do ex-prefeito:
"Meus cumprimentos a Antonio Ledezma, referência moral da #Venezuela, agora livre para liderar a luta do exílio pelo estabelecimento do sistema democrático em seu país", escreveu Almagro no Twitter.
A Assembleia Nacional Constituinte é como um “superpoder” que reescreve as leis da Venezuela. O controverso processo impulsionado pelo presidente Nicolás Maduro reformará a Carta Magna promulgada pelo presidente Hugo Chávez em 1999. O processo pode refazer todas as instituições do poder, trazendo muitas incertezas.
Quem são os eleitos?
Dos 545 membros eleitos à Constituinte, 364 serão eleitos por votação territorial, 173 por setores sociais (como estudantes, pensionistas e trabalhadores públicos) e 8 por comunidades indígenas — valorizando bases pró-chavismo. De 50 mil inscrições, só 6.120 foram validadas, entre elas as de poderosos dirigentes chavistas.
O que a oposição alega?
A coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) boicotou o processo, dizendo que Maduro era obrigado a submeter a convocatória a um referendo popular. Além disso, afirma que o processo servirá para acabar com a Assembleia Nacional, hoje sob amplo domínio opositor. O processo é alvo de manifestações reprimidas com violência.
Qual a adesão ao processo?
Neste mês, a oposição realizou um referendo, sem caráter vinculante, no qual a imensa maioria dos 7,6 milhões de votantes se disse contra a Constituinte. Segundo o instituto Datanálisis, 70% dos venezuelanos rejeitam a Constituinte e Maduro.
Existe quórum de participação?
Mesmo com baixo apoio à Constituinte, não há quórum de comparecimento. Analistas, no entanto, veem que uma baixa participação nas urnas afetaria a legitimidade da Constituinte. Nas eleição parlamentar de 2015, a base eleitoral do chavismo foi de 5,7 milhões.
O cenário é de total incerteza. Como a nova Assembleia Constituinte poderá reescrever todos os Poderes, o modelos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário podem ser redesenhados, derrubando os ocupantes atuais. O impasse institucional fez do processo alvo de críticas até de setores chavistas.
A oposição perde sua voz institucional?
A partir de 2 de agosto, os 545 membros eleitos à Assembleia Constituinte ficam na sede do Parlamento, hoje de ampla maioria opositora, durante um período indefinido. Ainda não se sabe para onde será transferido o Legislativo, que se tornaria uma instituição paralela e poderia deixar de ser válida.