Exclusivo para Assinantes
Política Wilson Witzel

Em vídeo, Wilson Witzel ensina 'engenharia' para receber auxílio extra

Ex-juiz e candidato a governador do Rio explica como fez para garantir o benefício por acúmulo de R$ 4 mil mensais

Em apresentação, Witzel explica o que fazia para garantir o recebimento de dinheiro extra por mês
Foto:
/
Reprodução
Em apresentação, Witzel explica o que fazia para garantir o recebimento de dinheiro extra por mês Foto: / Reprodução

RIO — Candidato a governador do Rio, o ex-juiz federal Wilson Witzel (PSC) ensinou uma “engenharia”, em suas palavras, para o recebimento da gratificação de acúmulo, benefício dado a juízes por ter mais funções ou receber acervo processual de outro magistrado. O truque foi ensinado por Witzel numa palestra a juízes do Trabalho, cujo vídeo foi publicado neste sábado pelo blog do Lauro Jardim, no site do GLOBO. Witzel disse que fez a apresentação em uma associação de juízes do trabalho, quando discutia a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), mas não falou sobre a “engenharia”.

Na palestra, Witzel diz que recebe a gratificação de acúmulo, e estipula seu valor em R$ 4 mil. De acordo com a Lei 13.093, de janeiro de 2015, que institui o benefício para juízes federais de primeiro e segundo graus, o extra é pago a magistrados por “acumulação de juízo e acumulação de acervo processual”, e equivale a um terço do salário do juiz. Há a ressalva, na lei, de que a gratificação não pode fazer com que o salário ultrapasse o teto de R$ 33,7 mil, valor do subsídio de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Na palestra, Witzel também lista outros benefícios recebidos por juízes, como auxílio-moradia e auxílio-alimentação. Sobre a gratificação de acúmulo, o ex-juiz diz que “é muito mais difícil de receber” na Justiça do Trabalho, mas afirma que “praticamente todos os juízes” federais recebem.

— A gratificação de acúmulo, que é de R$ 4 mil. Eu recebo, expulsei o juiz substituto da minha Vara, disse: “Ô, negão, ou você vai viajar lá para ficar um ano fora, ou vou te expulsar da Vara” (risos). Brincadeira, adoro meu juiz substituto. Mas, se ele ficar, eu não recebo. Aí a gente faz uma engenharia... Todo mês, 15 dias por mês, o juiz substituto sai da Vara — afirma Witzel no vídeo.

Procurada pelo blog do Lauro Jardim, a assessoria de Witzel enviou uma nota afirmando que o pagamento de auxílio-moradia está previsto na Lei de Magistratura, mas não comentou o artifício explicado no vídeo.

“Todos os auxílios a que magistrados têm direito estão previstos na Lei Orgânica da Magistratura. O candidato, que é ex-juiz, defende que o Congresso Nacional discuta com a população as alterações na Lei. Caso tivesse apego a privilégios, Wilson Witzel não teria deixado de ser juiz, uma função pública e com aposentadoria garantida (e que ele perdeu ao pedir exoneração), para ser candidato a governador e se colocar à disposição da população do Rio para solucionar os graves problemas que o estado enfrenta”, diz a nota.

Como funciona o benefício?

A gratificação por exercício cumulativo de jurisdição, também chamada de "gratificação de acúmulo", surgiu como um mecanismo para equilibrar o déficit de juízes federais, especialmente na primeira instância. As Varas Judiciais costumam ter, por exemplo, um juiz titular e um juiz substituto, e a distribuição de processos é alternada. Quando um dos juízes se ausenta por algum motivo - por exemplo, licença de saúde ou cumprimento de férias -, o tribunal costume escolher outro magistrado para assumir o acervo processual do ausente, acumulando funções.

O afastamento temporário de um juiz passa pela aprovação da corregedoria do tribunal correspondente.

Sacionada pela presidente Dilma Rousseff em janeiro de 2015, a Lei 13.093 também estabelece que a gratificação de acúmulo pode ser atribuído a magistrados que atuem simultaneamente "em varas distintas, em juizados especiais e em turmas recursais". A gratificação é aplicável para juízes que acumulem as funções de um colega a partir de três dias úteis, "e dar-se-á sem prejuízo de outras vantagens cabíveis previstas em lei", isto é, sem necessidade de abrir mão de outros benefícios.

A Lei 13.093/2015 trata especificamente do exercício cumulativo na Justiça Federal. Em outubro daquele ano, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) estabeleceu regras para o pagamento da gratificação de acúmulo para juízes do trabalho.

A legislação, no entanto, estabelece que o acréscimo da gratificação está submetida ao abate-teto - isto é, não pode colocar o salário do magistrado acima do teto do Judiciário, de R$ 33,7 mil.

Rendimento de R$ 81,6 mil

Levantamento do GLOBO, publicado na quinta-feira, mostrou que Witzel recebia salários acima do teto do funcionalismo público quando era juiz federal. A média salarial de Witzel nos últimos três anos ficou acima de R$ 33,7 mil, o subsídio de um ministro do STF.

Witzel integrava o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) nesse período, com remuneração bruta de R$ 28,9 mil. Ele foi exonerado em fevereiro de 2018, e depois se lançou candidato a governador.

Graças a benefícios, gratificações e outras vantagens, Witzel chegou a ter uma remuneração bruta de R$ 81,6 mil em abril de 2016. Entre os penduricalhos recebidos por Witzel havia um auxílio-moradia de cerca de R$ 4,3 mil, que ele recebia mesmo tendo imóvel no Rio. A prática de tribunais pagarem recursos variados a seus magistrados, por vezes ultrapassando o teto constitucional, teve respaldo em resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho da Justiça Federal (CJF).

O auxílio-moradia, embora previsto na Loman, é alvo de discussão no STF. A tendência é que a maioria dos ministros derrube a liminar dada em 2014 pelo ministro Luiz Fux, que estende o benefício a todos os magistrados brasileiros, mesmo que eles já tenham imóveis. A maioria dos integrantes da Corte tende a estabelecer a regra original, de que apenas pode receber o benefício quem não tem imóvel próprio, para o ressarcimento do aluguel pago.

Em agosto, Michel Temer condicionou o reajuste dos ministros do  STF - que tem efeito cascada sobre a remuneração dos juízes e de várias outras carreiras do Legislativo e do Executivo - ao corte de benefícios como o auxílio-moradia . Segundo ele, é impossível conceder o aumento salarial e manter os proventos recebidos pelos membros de Judiciário.  O presidente do STF, Dias Toffoli, disse que só pautará o processo que questiona o auxílio-moradia para magistrados depois que o Senado aprovar o reajuste de 16,38% da categoria, como foi negociado com Temer.