Política Brasília

Celso de Mello autoriza depoimentos de ministros no inquérito que apura acusações de Moro a Bolsonaro

Prazo para diligências serem cumpridas é de 20 dias
O ministro Celso de Mello Foto: Michel Filho / Agência O Globo
O ministro Celso de Mello Foto: Michel Filho / Agência O Globo

BRASÍLIA — O ministro Celso de Mello , do Supremo Tribunal Federal ( STF ), autorizou nesta terça-feira que a Polícia Federal interrogue dez pessoas no inquérito que investiga as acusações do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro ao presidente Jair Bolsonaro . Entre os depoimentos a serem prestados, três são de ministros do governo: Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo; Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional; e Braga Netto, da Casa Civil. Moro acusa Bolsonaro de ter tentado interferir indevidamente nas atividades da PF.

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Também prestarão depoimento a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e seis delegados da PF - entre eles, Maurício Valeixo, ex-diretor-geral da corporação, e Alexandre Ramagem Rodrigues, que foi indicado para o lugar de Valeixo, mas foi vetado por decisão do STF. As oitavas foram pedidas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, e devem ser realizadas em até 20 dias.

Segundo o procurador-geral, as pessoas precisam prestar depoimento sobre  “eventual patrocínio, direto ou indireto, de interesses privados do Presidente da República perante o Departamento de Polícia Federal, visando ao provimento de cargos em comissão e a exoneração de seus ocupantes”.

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Celso de Mello também autorizou outras diligências solicitadas por Aras, que devem ser cumpridas no mesmo prazo. Entre elas, determinou à Secretaria-Geral da Presidência da República o envio de cópia dos "registros audiovisuais" de uma reunião entre Bolsonaro , ministros e presidentes de bancos públicos no Palácio do Planalto, em 22 de abril.

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A intenção é confirmar a afirmação de Moro de que Bolsonaro teria cobrado, nesse encontro, a substituição do diretor-geral da PF e do superintendente da corporação no Rio de Janeiro, além de relatórios de inteligência e informação da Polícia Federal.

O ministro ainda autorizou que seja determinada a apresentação dos "comprovantes de autoria e integridade" das assinaturas no ato que exonerou o ex-diretor-geral da PF Maurício Valeixo. Inicialmente, o decreto foi publicado no "Diário Oficial da União" com as assinaturas digitais de Jair Bolsonaro e Sergio Moro. Em coletiva, horas depois, Moro negou que tivesse assinado o documento, indicando possível fraude na publicação.

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No mesmo dia, uma edição extra do "Diário Oficial da União” republicou o ato, mas com as assinaturas de Bolsonaro, Braga Netto e Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral da Presidência da República. Na justificativa oficial, constou que o texto foi reeditado por "erro material". Aras pediu a perícia no celular de Moro. No entanto, Celso de Mello negou essa diligência. Ele lembrou que o aparelho telefônico não está com a Polícia Federal, mas com o ex-ministro da Justiça.

O ministro deu 20 dias para a PF dar cumprimento às diligências. As testemunhas que possuem prerrogativa especial, como parlamentares federais e ministros de Estado, poderão escolher a data e hora que desejarem para depor. Caso essas testemunhas deixem de comparecer, sem justa causa, na data por elas agendada, perderão tal prerrogativa. Assim, será redesignada nova data para seu comparecimento em até cinco dias úteis, e estarão sujeitas, como qualquer cidadão, à condução coercitiva.

Na decisão, Celso de Mello aproveitou para deixar claro que o inquérito vai tramitar sem sigilo, em homenagem ao princípio da publicidade dos atos públicos expresso na Constituição Federal.

“Determino que o presente Inquérito tramite em regime de ampla publicidade, em ordem a que se respeite o dogma constitucional da transparência, considerada a circunstância de que este procedimento de investigação criminal tem por objeto eventos supostamente criminosos, consistentes em fatos, em tese, delituosos revestidos de extrema gravidade, que podem envolver, até mesmo, o senhor Presidente da República”, escreveu.

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O ministro afirmou que o sigilo é típico de ditaduras. “É importante salientar, neste ponto, que o modelo de governo instaurado em nosso país, em 1964, sob a égide de um regime militar, mostrou-se fortemente estimulado pelo ‘perigoso fascínio do absoluto’, pois privilegiou e cultivou o sigilo, transformando-o em ‘praxis’ governamental institucionalizada, ofendendo, frontalmente, o princípio democrático”, observou.

Também na decisão, Celso de Mello ressaltou que impor sigilo ao inquérito seria uma forma de ferir a liberdade de imprensa. “Há a considerar, ainda, a propósito do tema concernente ao postulado da transparência, a liberdade fundamental instituída em favor tanto dos cidadãos quanto dos profissionais de imprensa, em cujo benefício militam, entre outros, o direito de ser informado, o direito de informar e, também, o direito de buscar a informação”, afirmou.

“A ampla difusão da informação, o exercício irrestrito de criticar e a possibilidade de formular denúncias contra o Poder Público representam expressões essenciais dessa liberdade fundamental, cuja prática não pode ser comprometida por atos criminosos de violência política (ou de qualquer outra natureza), por interdições censórias ou por outros artifícios estatais, como a arbitrária imposição de regime de sigilo, utilizados para coibi-la, pois – cabe sempre insistir – esse direito básico, inerente às formações sociais livres, não constitui, ao contrário do que supõem mentes autoritárias, concessão estatal, mas representa, sim, um valor inestimável e insuprimível da cidadania, que tem o direito de receber informações dos meios de comunicação social, a quem se reconhece, igualmente, o direito de buscar informações, de expressar opiniões e de divulgá-las sem qualquer restrição, em clima de plena liberdade”, anotou o ministro.

“Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade democrática, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a busca de informações, a circulação de notícias e a crítica jornalística revelem-se inspiradas pelo interesse público e decorram da prática legítima de uma liberdade fundamental de extração eminentemente constitucional”, concluiu.