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Política Eleições 2018

Após defender legalização de paramilitares no passado, Bolsonaro agora se diz desinteressado no assunto

Em 2008, deputado federal relativizou a atuação e defendeu a legalização dos grupos

O presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) já mostrou simpatia pelas milícias
Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
O presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) já mostrou simpatia pelas milícias Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

RIO - Defensor da revogação do Estatuto do Desarmamento e da distribuição de fuzis para produtores rurais, posições manifestadas ao longo desta pré-campanha eleitoral, o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) também já mostrou simpatia a outro tipo de estrutura armada: as milícias , que, no Rio de Janeiro, controlam comunidades mediante a extorsão de moradores, tortura , homicídios e, mais recentemente, explorando até o tráfico de drogas . Em pelo menos duas oportunidades em 2008 — época em que os paramilitares já eram violentos —, o deputado federal relativizou a atuação ou defendeu a legalização dos grupos. Dez anos depois, ele diz que as milícias, “que tinham plena aceitação popular”, se “desvirtuaram”. O primeiro colocado nas pesquisas eleitorais sem o ex-presidente Lula (PT) se diz desinteressado em discutir o tema.

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Em 18 de dezembro de 2008, no plenário da Câmara dos Deputados, Bolsonaro, então deputado pelo PP, rebateu uma fala de Chico Alencar (PSOL-RJ), que havia elogiado seu companheiro de partido, o deputado estadual do Rio Marcelo Freixo, por ter levado ao Congresso o relatório da CPI das Milícias, uma investigação sobre grupos paramilitares no Rio. Bolsonaro lamentou que as apurações atingissem os milicianos e não os traficantes de drogas.

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“O meu estado, lamentavelmente, é diferente dos demais. Para pior. Nenhum deputado estadual faz campanha para buscar, realmente, diminuir o poder de fogo dos traficantes, diminuir a venda de drogas no nosso estado. Não. Querem atacar o miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes. Existe miliciano que não tem nada a ver com “gatonet” (serviço irregular de TV por assinatura) e com venda de gás. Como ele ganha R$ 850 por mês, que é quanto ganha um soldado da PM ou do bombeiro, e tem a sua própria arma, ele organiza a segurança na sua comunidade. Nada a ver com milícia ou exploração de “gatonet”, venda de gás ou transporte alternativo. Então, senhor presidente, não podemos generalizar”, disse Bolsonaro, na tribuna.

Naquela ocasião, a atuação criminosa das milícias já era conhecida. Relatos de agressões a moradores já haviam sido divulgados, assim como a tortura a jornalistas na favela do Batan, na Zona Oeste do Rio, que deu impulso à instalação da CPI. Meses antes, em 8 de março de 2008, o pré-candidato à Presidência já havia se posicionado sobre a atuação dos paramilitares em uma reportagem da BBC. Mais incisivo do que na Câmara, legitimou a atuação dos grupos como defensores da “ordem”.

“Elas oferecem segurança e, desta forma, conseguem manter a ordem e a disciplina nas comunidades. É o que se chama de milícia. O governo deveria apoiá-las, já que não consegue combater os traficantes de drogas. E, talvez, no futuro, deveria legalizá-las”, afirmou na reportagem que foi publicada em inglês.

Depois de firmarem presença na capital, especialmente na Zona Oeste, as milícias se espalharam também pela Região Metropolitana. Alguns grupos se associaram a facções criminosas e passaram a traficar drogas. A Polícia Civil investiga a possível participação de milicianos nos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março deste ano.

Bolsonaro foi procurado pelo GLOBO durante a semana para comentar as declarações que já fez sobre as milícias. Assim como em outras polêmicas nas quais se envolveu, como nas críticas feitas a quilombolas e homossexuais, o parlamentar amenizou o tom e foi mais cuidadoso. Segundo ele, opiniões antigas estavam relacionadas a outro tipo de atuação de paramilitares.

— As milícias tinham plena aceitação popular, mas depois acabaram se desvirtuando. Antes, davam apenas proteção para uma comunidade. Depois, passaram a cobrar “gatonet” e gás — disse, ignorando o fato de que, na época em que defendeu os grupos paramilitares, eles já extorquiam moradores de favelas pelos mesmos serviços, além de responderem por homicídios e casos de violência.

Questionado sobre o que pensa da atuação hoje de milícias em Rio das Pedras e Campo Grande, berço destas organizações no Rio, Bolsonaro preferiu desconversar.

— Hoje em dia ninguém apoia milícia mais não. Mas não me interessa mais discutir isso — disse o deputado, querendo encerrar o assunto. — Até quando vocês (jornalistas) vão fazer matéria sobre o que eu falei no passado ou quando eu fiz xixi no poste há 40 anos?

Em outro discurso na Câmara, em agosto de 2003, Bolsonaro defendeu a adoção de “extermínios” para conter a “marginalidade”: “Enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu Estado só as pessoas inocentes são dizimadas. Na Bahia, pelas informações que tenho — lógico que são grupos ilegais —, a marginalidade tem decrescido. Meus parabéns!”, disse, na ocasião.

Outras mudanças de tom

Ao mesmo tempo em que as pesquisas de intenção de voto foram confirmando sua viabilidade eleitoral, o presidenciável freou o ímpeto em outros temas que já lhe renderam críticas. Em 2011, por exemplo, Bolsonaro comentou, em entrevista à revista Playboy, qual seria a sua reação caso tivesse um filho homossexual.

“Seria incapaz de amar um filho homossexual. Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”, afirmou. Sete anos depois, em março deste ano, Bolsonaro foi menos agressivo: “Não tenho nada contra homossexuais; para nós, não é normal, mas respeitamos”, disse, no ato em que formalizou a filiação ao PSL.

Bolsonaro também mudou o tom sobre o programa do governo federal Bolsa-Família. O deputado era contrário à política pública, mas agora defende a distribuição de recursos para famílias de baixa renda.

Em 2008, quando o pré-candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, defendeu as milícias, as práticas dos grupos, que incluem homicídios e torturas, já eram conhecidas. A atuação política no Rio também era intensa, um caminho natural depois da expansão territorial e do consequente aumento dos lucros. A primeira fase foi o patrocínio a candidatos, mas os grupos logo partiram para a ação mais ousada e passaram a ter seus próprios representantes nas casas legislativas.

Apontado como líder de uma milícia da Zona Oeste, Nadinho de Rio das Pedras foi eleito vereador na capital em 2004, pelo DEM. Cinco anos depois, foi assassinado em uma emboscada. No mesmo ano, Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, acusado de ser integrante da milícia Liga da Justiça, conquistou uma vaga na Câmara de Vereadores pelo MDB.

A Liga da Justiça também cresceu em direção à Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Em 2006, Natalino Guimarães, do DEM, foi eleito deputado. Na campanha ao governo do estado em 2010, um vídeo em que Sérgio Cabral aparecia fazendo elogios a Jerominho e Natalinho circulou na internet.

Em 2008, foi a vez de Cristiano Girão, pelo PMN, e Carminha Jerominho , pelo PTdoB, filha de Jerominho, conquistarem espaço na Câmara.

Natalino e Jerominho, que são irmãos, estão presos. Girão passou um tempo na prisão, mas está solto.