Por Taís Laporta e Luiz Guilherme Gerbelli, G1


O Futuro das Fintechs — Foto: Arte/G1

Em 2013, os colegas de faculdade Gustavo Chamati e Rodrigo Martins compraram um pequeno site para movimentar criptomoedas. Naquela época, a tecnologia era praticamente desconhecida no Brasil, mas eles apostavam que estavam diante de algo transformador.

Cinco anos depois, os fundadores do Mercado Bitcoin afirmam estar no comando da maior corretora de criptomoedas na América Latina, com uma carteira de 1,2 milhão de clientes. Esse número supera com folga o total de investidores pessoas física da bolsa brasileira, a B3, e também dos que aplicam no Tesouro Direto – em torno de 600 mil cada um.

O grande salto do negócio de moedas digitais só aconteceu no ano passado, depois que o valor do Bitcoin explodiu no mundo, ancorado por uma iniciativa de regulamentação do Japão e por expectativas de uma valorização ainda maior.

Gustavo Chamati fala sobre o mercado de Bitcoins

Gustavo Chamati fala sobre o mercado de Bitcoins

A moeda chegou a crescer mais de 1.000% em um ano, negociada no pico de US$ 20 mil no final de 2017. Mas ao longo de 2018 ela só perdeu valor, e já acumula um queda de cerca de 70% em 2018, gerando especulações sobre uma bolha.

Apesar do receio quanto à solidez desse mercado e das dúvidas sobre o quanto a regulamentação pode desenvolver as criptomoedas, o CEO do Mercado Bitcoin, Gustavo Chamati, acredita que no futuro o segmento vai integrar naturalmente o mercado financeiro tradicional.

"A tecnologia vai permitir que vários nichos de aplicações sejam utilizados com as criptomoedas", afirma.

Na série O Futuro das Fintechs, o G1 publica entrevistas com líderes e fundadores de algumas das fintechs (empresas do segmento financeiro que aplicam tecnologia para melhorar suas atividades) que mais cresceram no Brasil, para falar sobre regulamentação, o cenário de concorrência e os desafios para continuar crescendo no mercado brasileiro.

Dia 3/12: Gustavo Chamati, CEO do Mercado Bitcoin

Veja abaixo os principais trechos da entrevista concedida ao G1.

Gustavo Camati, CEO do Mercado Bitcoin. — Foto: Fabio Tito/G1

Vocês consideram o Mercado Bitcoin a maior corretora de criptomoedas da América Latina. Como conseguiram crescer tanto?

Nós começamos em 2013 e estamos entre as empresas mais antigas de criptomoedas no mundo. Várias acabaram se perdendo em anos mais fracos, entre 2014 e 2015. Mas alguns fatores ajudaram a trazer as criptomoedas para o mainstream. O principal foi em abril de 2017, quando o Japão permitiu que o Bitcoin fosse usado como moeda de troca. Foi o primeiro movimento de um governo admitindo que o Bitcoin podia conviver com o mercado financeiro. Isso chamou atenção da mídia e houve uma cobertura massiva. Muita gente começou a colocar dinheiro nesse mercado e o Bitcoin cresceu no mundo todo. Nós conseguimos crescer junto, começamos com 4 mil clientes e, no ano passado, já tínhamos 250 mil. Depois, as questões regulatórias se popularizaram e, entre novembro e dezembro, as bolsas norte-americanas passaram a negociar contratos futuros de Bitcoin. Nós viramos o ano com quase 900 mil clientes e hoje estamos com 1,2 milhão.

O que levou vocês a apostarem em um mercado tão incerto e incipiente, ainda mais no Brasil?

Quando a gente se deparou com essa tecnologia em 2012, vimos que ela tinha um potencial revolucionário e que esse movimento se repetia em outras indústrias. Se a gente pensar no MP3, quando ele começou, a primeira associação que se fazia era a pirataria. Hoje a gente só escuta música digital, então vimos que o Bitcoin podia fazer essa transformação também no universo financeiro. Não temos certeza até hoje como essa interação vai acontecer, mas a gente sabia que estava diante de algo revolucionário e que ia mudar a maneira como as pessoas viam o dinheiro e como se relacionavam com ele.

A regulamentação das criptomoedas pode ser positiva? Ou esse mercado tem mais chances de se desenvolver se conseguir se autorregular?

Nós somos a favor da regulação. Regulação e autorregulação são coisas distintas. Mas em indústrias que tratam de conceitos novos e não se adaptam à legislação que já existe e precisam de uma nova legislação, ela demora. Isso aconteceu com as empresas de pontos de fidelidade e, há 6 ou 7 anos, com empresas de cartão de crédito. As empresas do setor se reúnem e criam regras básicas para, entre elas, dar credibilidade ao mercado e conseguir separar as empresas oportunistas ou ainda sem estrutura adequada e que podem prejudicar a imagem do setor. Isso estabelece um mínimo de regras básicas para as empresas cumprirem e serem reconhecidas no meio.

Gustavo Camati, CEO do Mercado Bitcoin. — Foto: Fabio Tito/G1

Foi esse o objetivo da criação da Associação Brasileira de Criptoeconomia (Abcripto) em setembro?

A ideia de fazer uma associação vinha de bastante tempo. É um movimento natural em setores que lidam com inovação e que precisam adequar a legislação atual para continuar a existir e crescer. Isso demora muito porque você precisa que os reguladores e legisladores entendam essa indústria nova. A autorregulação acontece nesse cenário e ela ajuda a dar credibilidade para o setor e ver que existem empresas sérias.

No ano passado o presidente do BC, Ilan Goldfajn, viu risco de bolha e formação de pirâmides no mercado de bitcoins. Como você vê a atuação do órgão e dos reguladores em relação às criptomoedas?

O Ilan Goldfajn [presidente do BC] se pronunciou poucas vezes sobre criptomoedas, mais para alertar o cidadão. É o papel dele, de proteger o cidadão diante de uma inovação, prestar atenção para não perder dinheiro ao entrar num mercado que não conhece bem. O BC entendeu que o mercado ainda não está maduro para criar uma legislação apropriada, mas ao mesmo tempo não fez uma propaganda negativa. A CVM liberou há menos de um mês que fundos constituídos no Brasil possam comprar participação de fundos lá fora que compõem ou sejam compostos em parte por criptomoedas. E mais recentemente a Receita Federal fez uma audiência pública sobre como as empresas que lidam com criptoativos podem prestar esclarecimentos sobre tributação. Estamos no caminho de levar informação de qualidade sobre criptomoedas no mundo inteiro. No Brasil, alguns movimentos mostram que a indústria de criptomoedas é relevante e vai se tornar ainda mais, à medida que a legislação permitir.

Gustavo Camati, CEO do Mercado Bitcoin. — Foto: Fabio Tito/G1

Você acredita que o BC chegará a tratar as criptomoedas como um investimento tradicional?

Eu acredito que o, no futuro, o mercado financeiro e de criptomoedas passará a ser o mesmo, um só. Vejo as criptomoedas com uma nova classe de ativos, com várias potenciais aplicações. Elas podem ter um um nicho específico de reserva de valor, como um ouro digital, como parece o que o Bitcoin tem se tornado. Mas há também plataformas para programar contratos inteligentes e outra desenhada para ser uma moeda da internet das coisas. A tecnologia vai permitir que vários nichos de aplicações sejam utilizados com as criptomoedas.

Ainda existe uma associação muito forte das criptomoedas como facilitadores para a lavagem de dinheiro e crimes financeiros. As iniciativas para coibir isso estão caminhando?

Elas estão cada vez mais sólidas. A criptomoeda não veio para ser um meio de lavagem de dinheiro, mas ela permite que isso seja feito, assim como o sistema financeiro, e ele tem as regras para evitar isso. À medida que o mercado de criptomoedas for regulado, vai ficar mais difícil negociar, mas vai ter a segurança de regras claras. Isso vai atrair investimento. A lavagem de dinheiro ou o uso das criptomoedas para qualquer atividade ilícita vai diminuir à medida que o mercado se tornar mais mais significativo.

Fomos a primeira empresa de criptomoedas do mundo a exigir documentação para o cadastro de clientes e a primeira a emitir nota fiscal. Isso lá em 2013, quando criamos a empresa. Nessa época, ninguém se preocupava em identificar o cliente ou recolher o tributo, o mercado ainda era muito incipiente. O fato de o mercado não ser regulado e de sermos uma empresa pequena impedia que tivéssemos um cadastro tão elaborado como um banco ou uma corretora, mas hoje ele é muito próximo ao de uma corretora de mercado financeiro. Acho que isso vai ficar para trás à medida que a legislação evoluir, como ficou a ligação do MP3 com a pirataria.

Gustavo Camati, CEO do Mercado Bitcoin. — Foto: Fabio Tito/G1

Como é possível vencer a barreira do preconceito de que a criptomoeda é uma moeda sem lastro e não regulada?

Não sei se preconceito é a palavra, já que por natureza as pessoas têm uma certa aversão ao desconhecido. Algumas inovações parecem ser mais intuitivas, como a inteligência artificial, que parece um robô que pensa. Já a criptomoeda é mais difícil de entender, a primeira ideia é que ela não é uma moeda de verdade. É um sistema de computação que funciona à base de criptografia e garante que as transações sejam aprovadas e verificadas por terceiros. O fato de ela não ter intermediários é uma das grandes vantagens, você não depende do interesse de ninguém para funcionar e o sistema é seguro, funciona há 10 anos sem uma falha.

O passo para popularizar a criptomoeda passa pela educação. Depois do crescimento acelerado no ano passado, muitos clientes passaram a barreira de segurança porque queriam fazer parte desse mundo, mas não tinham entendido o risco, por isso focamos em ajudar mais pessoas a entender como ela funciona. Quando você fala de dinheiro, há uma insegurança natural, você está lidando com dinheiro. Vamos evoluir à medida que mais investimentos forem feitos e as empresas puderem usar a tecnologia para criar serviços melhores, mais baratos e rápidos.

Os bancos têm resistido em cooperar com o mercado de criptomoedas. Como vem sendo essa relação? Existe alguma iniciativa para melhorar esse clima?

Precisamos dos bancos para fazer intermediação, dar acesso às pessoas que querem possuir criptomoedas e para isso precisamos de um banco. No ano passado, os volumes que esse mercado passou a negociar chamaram a atenção no sentido de ter uma conta bancária de uma empresa que os bancos não sabiam exatamente o que era, movimentando bilhões de reais em transações. O banco é regulado e precisa prestar contas para o governo do dinheiro que o cliente está movimentando. E alguns bancos preferiram deixar de ter relações com esse mercado. ou por desconhecimento ou por desinteresse comercial.

O volume de transações demandava uma atenção tão grande que alguns preferiam não ter relação com a gente. Outros bancos menores viram isso como oportunidade e se abriram para conhecer nossa empresa e a maneira que fazemos a identificação dos clientes, ver que somos diligentes com a lavagem de dinheiro, à semelhança do que corretoras e bancos fazem. Isso deu segurança para trabalhar e hoje temos relação com outros bancos que, diferente dos maiores, preferiram não trabalhar diretamente com a gente.

Gustavo Camati, CEO do Mercado Bitcoin. — Foto: Fabio Tito/G1

Isso reduziu o alcance de vocês?

Sim, porque o mercado bancário no Brasil é muito concentrado e até as fintechs veem nisso uma oportunidade de oferecer serviços melhores. Também acho natural que uma instituição regulada não entenda bem o setor e prefira não trabalhar, pelo menos até entender como ele funciona. Nós contestamos a justiça pelo fechamento dessas contas, faz parte do desafio que assumimos quando a gente criou a empresa que é levar uma tecnologia nova numa área super concentrada e super regulada e popularizar essa tecnologia para torná-la significante.

Você acha viável que o Bitcoin se torne uma moeda de troca no futuro, como o real ou o dólar?

Para ele funcionar como meio de pagamento é preciso que as pessoas estejam aptas a receber e pagar com Bitcoins. Hoje, isso exige pegar reais, comprar bitcoin, enviar para outra pessoa para ela vender e trocar por reais. Quando o bitcoin estava muito volátil, você recebia R$ 100 e não queria correr o risco de ter R$ 80 amanhã. Quando estiver mais popular, essa transferência vai ser muito mais barata que um cartão de crédito ou uma transferência bancária. Hoje uma transferência de Bitcoins custa centavos.

O fato de a tecnologia ser descentralizada a torna muito poderosa, por funcionar no mundo todo e ser fácil de usar. Mas para virar meio de pagamento, precisa ficar mais popular para criar um ambiente de recebimento e pagamento automático. Hoje ela é muito mais usada como reserva de valor ou ativo de especulação. Outras criptomoedas têm a transação mais barata que o Bitcoin, mas ele é mais popular, maior e funciona há mais tempo. Não acho impossível que o Bitcoin evolua como meio de pagamento. Que vai existir uma moeda digital com esse fim, não tenho muita dúvida.

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