• Felipe Floresti
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Ildeu de Castro Moreira, presidente da SBPC (Foto: Reprodução)

Ildeu de Castro Moreira, presidente da SBPC (Foto: Reprodução)

Em 2018 a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) completará 70 anos. Desde a fundação, a entidade participou de bons momentos da pesquisa no Brasil, como na criação dos órgãos de fomento CNPq e do Capes. Mas foram nas horas ruins que seu papel foi mais importante, como nos 20 anos da ditadura militar, atuando em resistência à perseguição de professores, pesquisadores e estudantes.

E foi em mais um desses momentos de dificuldade que o físico teórico Ildeu de Castro Moreira assumiu a presidência da SBPC. "É uma situação muito drástica. Não só da ciência, mas da sociedade como um todo. Um momento político e econômico muito difícil”, afirma Moreira.

No cargo desde julho deste ano, substituiu a bióloga Helena Nader no árduo trabalho de tentar fazer com que o Congresso Nacional perceba a importância de se investir em ciência, tecnologia e inovação. “Esse último ano foi muito difícil. É até deprimente, sabe?”, afirmou Nader em entrevista ainda em 2016. “E querem cortar mais (o orçamento). É trágico ”.

E cortaram. Entre contingenciamentos, cortes e restrições orçamentárias, a previsão de investimento para 2018 é R$ 3 bilhões menor do que estava previsto para 2017. Isso mesmo depois de muita briga, que resultou em um ganho de R$ 1,2 bilhões para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação.

Em entrevista por telefone à GALILEU, Ildeu Moreira conta como espera converter o panorama tenebroso para a ciência brasileira, e as consequências de um possível insucesso.


O senhor assumiu a presidência em um dos momentos mais difíceis para a ciência brasileira. Como está sendo essa experiência? 
Está difícil mesmo. A SBPC sempre esteve envolvida na ciência, tecnologia e educação nas questões mais gerais da democracia do país, desde sua criação há 70 anos. Nesse período passamos por momentos muito difíceis, na época da ditadura, por exemplo. E esse é mais um. Nossa responsabilidade é grande, porque a SBPC tem uma tradição muito forte, uma presença na sociedade brasileira, em particular junto à comunidade científica acadêmica.

O orçamento do ano que vem corre o risco de ser ainda menor que de 2017...
Aliado a isso também houve redução em outras áreas, como nas universidades federais, que também tiveram restrição no custeio do investimento. Muitos laboratórios, muitas universidades, instituições de pesquisa, inclusive do próprio MCTIC, estão com dificuldades para fechar o ano com suas despesas básicas em dia.

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Dá para sonhar com uma mudança nesse quadro? 
Estamos fazendo uma pressão grande. Fizemos uma carta para todos os congressistas, fizemos uma visita ao presidente do Senado, da Câmara dos Deputados. Já solicitamos audiência ao deputado Cacá Leão (PP), relator do orçamento de 2018. Exatamente porque estamos preocupados de que o orçamento consolide essa redução drástica, o que pode se propagar por vários anos por causa da Emenda Constitucional 95 (do teto de gastos públicos), que congela o investimento nessa área por muitos anos.

E como é esse diálogo com o Congresso? 
É uma situação dúbia. A gente fez audiência pública no Congresso Nacional e passaram por lá 50 parlamentares. Todos, de vários partidos, sempre declaram que a ciência é fundamental. Não tem muita disputa no fato de que é importante de se apoiar. Mas não vejo isso traduzido em medidas concretas. Os mesmos parlamentares que fazem essas declarações, na hora de votar o orçamento, colocam um recurso muito baixo para a área.

Tem um discurso favorável, e a gente fica satisfeito.Vimos manifestações de Prêmios Nobel. Principais revistas científicas do mundo preocupados com a ciência brasileira, o que é uma coisa importante. Traz um certo orgulho para nós. A relevância da ciência brasileira chama atenção internacional. Não é comum o pessoal se manifestar dessa maneira. Mas ao mesmo tempo nos envergonha. A gente vê uma sensibilização maior dos cientistas franceses, alemães, americanos, do que dos nossos dirigentes.

O argumento é sempre de que não tem recurso. 
Estamos vivendo uma crise econômica e fiscal? É claro que a gente está vivendo uma crise. Mas países do mundo inteiro, em momentos de crise, em geral apostam mais na ciência e tecnologia como instrumento para sair dela. Aqui a gente faz o contrário. Corta as amarras da ponte e anda para trás. É um retrocesso. Tira a possibilidade de avançar. Os recursos que a gente está falando são de ordem muito inferior que as desonerações que a gente vê nos jornais todos os dias.

Esse posicionamento dúbio me parece que é porque ninguém está pensando muito a longo prazo. Pensam no máximo até outubro de 2018.
O efeito de desmontar laboratórios de pesquisa, por exemplo em epidemia, saúde pública, tem um efeito imediato. Tivemos uma resposta adequada para o zika, porque já tínhamos laboratórios. Os pesquisadores fizeram contribuições importantes para a ciência em escala mundial. Na agricultura, se hoje temos uma produtividade alta dos grãos, é porque tem ciência envolvida. O pré-sal tem quantos anos? É metade da produção de petróleo, mais de R$ 60 bilhões vem do pré-sal. Isso é real. É palpável.

Em pouquíssimos anos o impacto da ciência é gigantesco, em valores muito maiores do que estão cortando. É uma insensibilidade e falta de preocupação com a questão do país gigantesca. Os interesses que estão presidindo essas escolhas, não vou entrar na questão se é má fé ou ignorância, mas estão ameaçando profundamente a ciência brasileira. Nos últimos anos o impacto da ciência brasileiro cresceu muito. Daí você cria um potencial, construído com dinheiro público, de repente deixa desmontar. É muito difícil interpretar as razões por trás disso.

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