Após superlativo segundo álbum, Tudo tanto (2012), no qual adensou e expandiu o leque estético de obra autoral apresentada com leveza no disco de estreia, Efêmera (2010), Tulipa Ruiz deu precoces sinais de desgaste como compositora no terceiro álbum, Dancê (2015). Em passo irregular, Dancê tentou em vão encobrir com grooves esse enfraquecimento autoral. Tanto que, somente sete meses após a edição de Dancê, a providencial união da artista paulistana com Marcelo Jeneci em excelentes single (2015) e show (2016), Dia a dia, lado a lado (2016), salvou a pátria artística.

 

TU (Brocal Edições Musicais / ONErpm Studios) – quarto álbum de Tulipa, lançado neste mês de novembro de 2017 em CD, LP e em edição digital – sai pela tangente da questão autoral pelo fato de apresentar somente cinco músicas inéditas em nove faixas, sendo que uma, Pedra (Luiz Chagas sobre poema de Dirceu Rodrigues), é de lavra alheia. As outras quatro músicas são releituras de composições lançadas pela artista nos três álbuns anteriores.


Por mais que seja estranho uma cantora já revisar a própria obra no quarto disco feito em meros sete anos de carreira fonográfica, o resultado de TU é satisfatório. Produzido por Gustavo Ruiz e Stéphane San Juan, TU foi formatado em Nova York (EUA) em outubro deste ano de 2017. Scotty Hard gravou e mixou o álbum no Brooklyn Studio. Já a masterização foi feita por Michael Fossenkemper no Turtletone Studio. TU chega ao mundo apresentado pela própria Tulipa como disco mais íntimo, próximo, cru. Nude, como resume a artista na descrição da gênese do álbum.


Para chegar ao conceito pretendido, os produtores usaram somente violão (no toque de Gustavo Ruiz) e percussões (congas, bongo, maracas, agogôs, bumbos etc. manuseados com suave precisão por Stéphane San Juan) – o que evidenciou a leveza do canto virtuoso de Tulipa. Sem exibicionismo vocal, a cantora se confirma grande, fazendo a voz rolar livre em Pedra e se acelerar no andamento agitado do violão e da percussão que conduzem a música-título TU (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz), a mais inspirada das composições inéditas, seguida de perto pela já conhecida Game (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz), faixa previamente lançada como single em 27 de outubro.




Como TU é álbum concebido com intenções de ser ouvido além das fronteiras brasileiras, Terrorista del amor (Ava Rocha, Gustavo Ruiz, Paola Alfamor, Saulo Duarte e Tulipa Ruiz) soa como mix hispânico de samba com tema descafeinado de Manu Chao. Os versos da letra em espanhol são harmoniosamente cantados por Tulipa com Adan Jodorowsky, músico e ator de ascendência tão mexicana quanto francesa. Única música assinada somente por Tulipa Ruiz, Pólen é conduzida por violão que reverbera ecos da Bossa Nova.


Do lote de releituras, duas músicas se ajustam bem ao formato acústico do disco enquanto outras duas resultam mais sedutoras nas respectivas gravações originais. Dois cafés (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz, 2012) é servida sem o sabor pop da gravação do álbum Tudo tanto, feita com Lulu Santos. Música mais densa do fluido álbum Dancê, no qual aparece em registro feito com o grupo Metá Metá, Algo maior (Tulipa Ruiz, Gustavo Ruiz e Luiz Chagas, 2015) soa menor no formato íntimo, sendo o ponto mais baixo de TU.

 


Em contrapartida, Desinibida (Tulipa Ruiz e Tomás Cunha Ferreira, 2012) se ambienta bem no clima de sambossa e fica mais natural sem as cordas da gravação (primorosa) do álbum Tudo tanto. Tema do seminal álbum Efêmera, Pedrinho (Tulipa Ruiz, 2010) reaparece bem resolvido no tom nude de TU. O álbum, no todo, também é bem resolvido, deixando a música de Tulipa livre, leve e solta.


Contudo, mesmo com saldo positivo, TU não responde a questão sobre o fôlego da compositora. Dúvida que somente será dissipada quando Tulipa apresentar o próximo álbum com repertório inteiramente inédito e autoral. (Cotação: * * * 1/2)


(Créditos das imagens: Tulipa Ruiz em foto de ONErpm Studio. Capa do álbum TU. Ilustrações de Tulipa Ruiz)