RIO — O presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta quinta-feira vetos em 36 pontos de 19 artigos da Lei de abuso de autoridade . O texto era dividido em 108 itens, ou seja, um terço dos itens foi vetado. Entre os dispositivos vetados, estão o que obrigava o agente público a se identificar ao preso, o que proibia execuções de decisões judiciais de forma "ostensiva e desproporcional", o que punia o agente público que captasse ou permitisse a captação de imagens do preso ou investigado e o que previa punição para o uso irregular de algemas.
Veja todos os pontos vetados pelo presidente:
Artigo 3º (veto ao artigo e a dois parágrafos) : A lei dizia que a denúncia de abuso de autoridade poderia ser feita pelo Ministério Público (MP) mesmo sem manifestação da vítima. E também poderia ser feita uma ação privada, se o MP não agisse a tempo.
Justificativa para vetar: Leis vigentes já dispõem situações da "ação penal pública incondicionada", denominação jurídica para o tipo de ação que abrange as exceções citadas no artigo.
Artigo 5º (inciso III): Previa como pena alternativa a proibição de a autoridade exercer funções de natureza policial ou militar no município em que tiver sido praticado o crime de abuso.
Justificativa para vetar: Fere o princípio constitucional da isonomia e pode prejudicar forças de segurança locais.
Artigo 9º (veto ao artigo e a quatro itens): Um dos artigos centrais da lei, previa pena de um a quatro anos de detenção e multa para quem decretasse prisão “em desconformidade com as hipóteses legais”. Este era um ponto muito criticado por procuradores e juízes, que reclamavam que os termos usados para descrever uma prisão ilegal eram muito vagos.
Justificativa para vetar: Bolsonaro afirma que dizer que constitui crime "decretar prisão em desconformidade com as hipóteses legais" gera insegurança jurídica por depender de interpretação. E que isso poderia comprometer a independência do juiz ao proferir uma decisão, por receio de ser punido.
Artigo 11 (veto ao artigo): Previa pena de 1 a 4 anos de detenção e multa para quem fizesse "captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária"
Justificativa para vetar: Texto gera insegurança jurídica, "notadamente aos agentes de segurança".
Artigo 13 (veto ao inciso III): Bolsonaro vetou trecho que determinava punição para quem forçasse o preso a produzir prova contra si mesmo ou terceiros.
Justificativa para vetar: Gera insegurança jurídica.
Artigo 14 (veto ao artigo e ao parágrafo único): Punição para quem fotografar ou filmar algum preso, internado, investigado, indiciado ou vítima. A regra valeria para registros feitos sem consentimento ou com constrangimento ilegal.
Justificativa para vetar: Gera insegurança jurídica, por se tratar de tipo penal que comporta interpretação.
Artigo 15 (veto a três pontos): Artigo prevê punição a quem constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo. Bolsonaro vetou trecho que previa o mesmo os casos em que o depoente decide exercer direito de silêncio ou esteja sem a presença do advogado.
Justificativa para vetar: Gera insegurança jurídica e contraria interesse público ao penalizar o agente público por mero prosseguimento do interrogatório de pessoa que tenha optado por exercer o silêncio.
Artigo 16 (veto ao artigo e ao parágrafo único): Pena de seis meses a dois anos de detenção, e multa, para quem não se identificar ao preso no momento da prisão ou usar identificação falsa.
Justificativa para vetar: Como regra, a identificação da autoridade é exigível. Mas há situações excepcionais o sigilo se faz necessário.
Artigo 17 (veto ao artigo e a quatro itens): Artigo previa pena de seis meses a dois anos e multa para quem submetesse o preso ao uso de algemas quando não houver resistência à prisão.
Justificativa para vetar: Lei trata de forme genérica a matéria e gera insegurança jurídica. Uso de algemas já foi regulamentado pelo STF.
Artigo 20 (veto ao artigo e ao parágrafo único): Pune com seis meses a dois anos de detenção, e multa, quem impedir entrevista pessoal e reservada com preso com seu advogado sem justa causa.
Justificativa para vetar: Gera insegurança jurídica por ser tipo penal aberto e comportar interpretação.
Artigo 22 (veto ao inciso II do parágrafo 1º): Pune autoridade que invadir residência de forma clandestina ou sem ordem judicial. Bolsonaro vetou a parte que dizia que comete a mesma infração quem executa mandado de busca e apreensão mobilizando veículos, pessoal ou armamento de forma “ostensiva e desproporcional” para expor o investigado a vexame.
Justificativa para vetar: Gera insegurança jurídica por comportar interpretação
Artigo 26 (veto ao artigo e aos dois parágrafos): Pune agentes que induzirem pessoas a praticar um crime, para forçar prisão em flagrante.
Justificativa para vetar: Gera insegurança jurídica e pode afetar a atividade investigativa.
Artigo 29 (veto ao parágrafo único): O artigo foi mantido e prevê pena ao agente que "prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial ou fiscal" para prejudicar interesse do investigado. O parágrafo vetado previa igual punição a quem omitisse dado ou informação relevante e não sigiloso.
Justificativa para vetar: Insegurança jurídica. Texto "informação sobre fato juridicamente relevante" é considerado aberto e que comporta interpretação.
Artigo 30 (veto ao artigo): Pune a autoridade que iniciar ou avançar na persecução penal sem justa causa fundamentada ou contra pessoa que se sabe inocente. Era outro artigo muito criticado por procuradores e juízes.
Justificativa para vetar: Gera insegurança jurídica e põe em risco o instituto de delação anônima (como o disque-denúncia).
Artigo 32 (veto ao artigo): Texto previa punição ao agente que negar acesso e cópia de quaisquer peças de uma investigação a interessado ou à defesa.
Justificativa para vetar: Gera insegurança jurídica e a matéria já está regulamentada pelo STF.
Artigo 34 (veto ao artigo): Pune a autoridade que deixe de corrigir “erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento”.
Justificativa para vetar: Gera insegurança jurídica por encerrar tipo penal aberto e que comporta interpretação.
Artigo 35 (veto ao artigo): Pune o agente que "coibir, dificultar ou impedir, por qualquer meio, sem justa causa, a reunião, a associação ou o agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo".
Justificativa para vetar: Dispositivo é genérico e tema já tem jurisprudência do STF.
Artigo 38 (veto ao artigo) : Pune o responsável por investigação que antecipe, por meio de comunicação ou rede social, atribuição de culpa a alguém antes de investigação concluída.
Justificativa para vetar: Viola princípio da publicidade da administração pública. E a comunicação de certos tipos de crime pode facilitar a resolução dos casos.
Artigo 43 (veto ao artigo): Bolsonaro vetou artigo que incluía na legislação que é crime violar direito ou prerrogativa de advogado, como a inviolabilidade do escritório.RAZÃO: Gera insegurança jurídica. Bolsonaro acrescenta que as prerrogativas de advogados não geram "imunidade absoluta", como por exemplo a inviolabilidade do escritório. E diz que já há leis em vigor sobre o tema.
Artigos não vetados
A Associação dos Magistrados do Brasil lamentou o não veto de alguns artigos, destacando dois deles:- O que pune o juiz que demorar de forma injustificada no exame de processo que tenha pedido vista.- O artigo que impede o início de investigação se não houver indício de prática de crime.