• Teresa Ruas
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Teresa Ruas dando banho em Lucca, com a ajuda da irmã mais velha, Maitê Maria (Foto: Arquivo Pessoal)

Teresa Ruas dando banho em Lucca, com a ajuda da irmã mais velha, Maitê Maria (Foto: Arquivo Pessoal)

Uma das maiores motivações internas que existe em pais de UTI Neonatal é que o dia da alta hospitalar irá acontecer, por mais que esse momento possa parecer muito distante e bem improvável. No início de uma trajetória no contexto hospitalar, imaginar que iremos passar 1, 2, 3, 4, 5, 6 ou mais meses parece ser uma realidade que não cabe em nossos planos. Os 30 primeiros dias já são tão difíceis e intermináveis... Como então é possível passarmos um tempo muito além do primeiro mês? É por isso que contamos as horas, os dias e os meses incessantemente, pois viver um dia a mais em uma UTI Neonatal significa 24 horas a menos na contagem dos dias/meses para a alta. Essa contagem gera até mais ansiedade e angústia em nós, pais, mas é também uma forma que encontramos para nos mantermos "vivos" e confiantes de que levaremos o nosso bebê para casa e para o seu próprio quartinho.

Porém, quando a alta está bem perto de acontecer um medo avassalador pode tomar conta de nossos corações. Foi isso que aconteceu comigo e com o meu marido. Se você, como eu já passou por isso, saiba que esse sentimento é muito mais comum do que imaginamos. Tanto é que já existem estudos que comprovam que a alta hospitalar vem acompanhada de um aumento de ansiedade, medo e angústia por parte dos pais. Não posso negar o quanto me senti feliz no momento da alta dos meus dois filhos. Eles seriam finalmente recebidos em seu lar. Maitê Maria após seis meses no hospital e ainda com auxílio do home care. Lucca após 32 dias, sem alterações graves de saúde.

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Porém, especialmente no caso de Maitê Maria, a possibilidade de uma piora clínica inesperada, a expectativa por uma evolução ruim, com a perspectiva de comprometimento no desenvolvimento infantil, somados com o sentimento de insegurança por não ter mais o apoio clínico, especialmente das enfermeiras neonatais, foram fatores que causaram em mim muitos sintomas de ansiedade, muito semelhantes ao período inicial de UTI Neonatal. Ao longo da minha experiência profissional, um dos sentimentos mais observados nos relatos dos pais é justamente o medo de acontecer alguma coisa inesperada com o prematuro e ele não estar mais no hospital. Nós, pais, tomamos consciência que com a alta, os grandes responsáveis por todos os cuidados diários e procedimentos, incluindo possíveis emergências, passam a ser nós mesmos.

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Pessoalmente, e mesmo sendo da área da saúde, o meu maior medo era como eu iria me comportar diante de uma importante apneia e de quedas bruscas de saturação ao longo do dia e, especialmente, no período da noite. Afinal de contas, os medos e angústias de pais de UTI Neonatal, frequentemente, não são relacionados as dúvidas em como dar o primeiro banho em casa, trocar fraldas, colocar roupas e todas as adaptações que o casal terá que enfrentar diante da chegada de um novo membro da família. Nó, pais de prematuros, temos preocupações diárias com a qualidade da saúde de um bebê que ainda tem uma vida cheia de restrições, características específicas e um padrão de comportamento bem diferente dos bebês que nasceram do "tempo certo", especialmente os que necessitam de aportes técnicos e médicos específicos em casa no período pós alta hospitalar.

Lembro até hoje de nossas primeiras noites com Maitê Maria. Eu e meu marido não conseguíamos sequer cochilar. Não que não existisse um extremo cansaço e uma exaustão física e emocional, fruto de todo o período de internação. Mas os barulhos de três em três minutos do oxímetro [aparelho que mede a saturação de oxigênio] não permitiam que fechássemos os olhos. O cansaço, a preocupação e a ansiedade são tão intensos e acumulativos em nós, "pais de UTI", que preciso dizer o quanto senti falta de um acompanhamento profissional para me dar suporte afetivo e informações que eu precisaria para seguir saudável após a alta hospitalar. Afinal de contas, a vivência da prematuridade extrema não se finaliza com a alta. As particularidades dessa mesma condição acompanharão as crianças, pelo menos até os primeiros 2 anos de vida e exigirão muitas mudanças na rotina familiar e, principalmente, da mãe.

Lucca, logo após o nascimento (Foto: Arquivo Pessoal)

Lucca, logo após o nascimento (Foto: Arquivo Pessoal)

A família de um bebê prematuro passa por modificações em sua dinâmica emocional, social, afetiva e profissional, desde o momento da internação até quando já estamos em casa com o bebê. O isolamento social, especialmente o materno, é uma característica das famílias no período do pós-alta, em particular daquelas cujos filhos são mais dependentes para se desenvolverem bem. Como, frequentemente, a mãe é a grande responsável pelos cuidados diários de um bebê, ela é quem enfrenta com mais intensidade os efeitos de todas as modificações, incluindo a impossibilidade de voltar às suas tarefas profissionais, potencializando ainda mais o isolamento social. Essa realidade aconteceu comigo. E não poder voltar para o meu trabalho. por tempo indeterminado, me trouxe ainda mais dificuldades emocionais para enfrentar toda a realidade de um momento pós-alta.

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Mães de UTI são, sim, mães que desde o início de toda a trajetória devem ser fortalecidas emocionalmente para lidarem melhor com todas as transformações que ocorrem e impactam o seu próprio papel social como mulher. Não que o homem também não passe por profundas modificações internas e sofrimento, mas, frequentemente, é a mulher quem ‘abre mão’ de sua rotina para acompanhar as necessidades de um bebê de risco recém chegado em casa.

O momento da alta e pós-alta é então muito desejado, porém nada fácil. Mas é também um período de crescimento e aprendizagem, que comprovam que os pais são muito capazes de acompanhar e promover o bem-estar e o desenvolvimento de uma criança de alto risco. Se você está passando por isso, acredite: a dependência emocional das enfermeiras e da equipe médica vai diminuindo aos poucos e, assim, conseguimos exercer a maternidade e a paternidade com mais confiança. Apesar de todas as dificuldades e exaustão emocional, aos poucos a chegada de um bebê prematuro em casa vai nos mostrando que é possível sermos pais. E não apenas pais de UTI Neonatal.

Um grande abraço, Teresa Ruas, Maitê Maria e Lucca.

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Teresa Ruas, a filha Maitê, o marido Marcel e o filho Lucca (Foto: Arquivo pessoal)

Teresa Ruas, a filha Maitê, o marido Marcel e o filho Lucca (Foto: Arquivo pessoal)

Teresa Ruas é terapeuta ocupacional infantil, organizadora do livro Prematuridade extrema: olhares e experiências e mãe de Maitê Maria e Lucca, que nasceram prematuros. É também autora do site Prematuros. Siga-a no Instagram @prematurosbr.