Blog do Helio Gurovitz

Por Helio Gurovitz

Diretor de redação da revista Época por 9 anos, tem um olhar único sobre o noticiário. Vai ajudar você a entender melhor o Brasil e o mundo. Sem provincianismo


A primeira-ministra britânica, Theresa May, chora ao anunciar sua renúncia nesta sexta-feira (24/5), em Londres — Foto: Toby Melville/ Reuters

Num governo incapaz de resolver o quebra-cabeça do Brexit, a renúncia da premiê Theresa May era o desfecho esperado para a novela que estende desde pelo menos janeiro, quando sua tentativa de acordo de divórcio com a União Europeia (UE) foi rejeitada pela primeira vez.

Não que o desafio fosse fácil. É preciso reconhecer em May a criatividade de apresentar uma solução de compromisso a pontos de vista inconciliáveis. O plebiscito do Brexit teve significados diferentes para diferentes públicos. May cometeu o erro de tentar agradar a todos.

No início da semana, ela ainda tentava salvar seu acordo, rejeitado três vezes em votações no Parlamento. Para tentar obter novos votos, cedeu às pressões da oposição e propôs votações sobre dois anátemas para os partidários do Brexit: o estabelecimento de uma união aduaneira permanente com a UE e a realização de um referendo popular sobre qualquer acordo aprovado.

A primeira proposta significaria, na prática, a renúncia a acordos de livre-comércio independentes entre o Reino Unido e outros países ou blocos, um dos principais objetivos dos partidários do Brexit. A segunda arriscaria revogá-lo, caso o referendo rejeitasse o acordo.

Se May acreditava ainda poder sobreviver, depois disso, ao inevitável racha entre os conservadores, os fatos demonstraram ser impossível. Irrompeu uma rebelião em seu gabinete, culminando na renúncia de uma de suas aliadas mais próximas ao longo da novela do Brexit, a líder no Parlamento Andrea Leadsom.

O Partido Conservador já havia promovido uma votação interna para revogar o dispositivo de seu estatuto que protegia May de um novo voto de desconfiança até dezembro (um ano depois do último). O resultado aguardava apenas a reação de May diante da revolta. Sua renúncia era inevitável.

O erro de May foi ter demorado a entender que seria impossível conciliar as posições antagônicas em torno do Brexit. Se as questões polarizadoras, como a união aduaneira ou a fronteira irlandesa, tivessem sido submetidas antes ao Parlamento, talvez houvesse algum consenso. Ao insistir em seu acordo como único viável e tentar forçá-lo goela abaixo do Parlamento, ela selou a própria queda.

Desorientado, o eleitor conservador debandou em massa nas eleições europeias que o país foi obrigado a realizar ontem, dada a incapacidade de May para aprovar seu acordo no prazo desejado. Os favoráveis ao Brexit votaram no Partido do Brexit, de Nigel Farage. Os contrários, no Partido Liberal-Democrata, desde o início favorável à permanência na UE. Os conservadores deverão ficar em quarto lugar na representação britânica no Parlamento Europeu.

A questão agora diante do partido e do país é quem sucederá May. O favorito é o ex-chanceler e ex-prefeito de Londres Boris Johnson, um dos mais vocais defensores do Brexit durante a campanha do plebiscito. Com a vitória e a renúncia do então premiê, David Cameron, Johnson já era seu sucessor esperado.

Foi derrotado pela traição de seu aliado Michael Gove, que o considerava uma personalidade instável demais para conduzir uma medida sensível como a ruptura com a UE. Johnson não mudou. Continua o mesmo falastrão demagogo, dado a rompantes populistas, incapaz de lidar com os fatos e limitações inerentes à política. Por isso mesmo, é visto por alguns como a personalidade ideal para vencer no momento de histeria vivido pelo Reino Unido.

As dúvidas sobre Johnson são óbvias. Diante das promessas inconciliáveis do Brexit, dificilmente obteria algum acordo melhor que o de May. Sua aversão à gestão e sua personalidade tornariam qualquer governo Johnson um caos antes mesmo de começar. A capacidade de manter o país unido e evitar a separação da Escócia é uma incógnita.

Outros candidatos de perfil menos histriônico são o ex-ministro Dominic Raab e integrantes do atual gabinete como Gove, Sajid Javid, Jeremy Hunt, Penny Mordaunt e Rory Stewart. A decisão deverá ser tomada depois de 7 de junho, data anunciada por May para deixar o poder. Se a votação for estendida aos 124 mil integrantes do partido, Johnson é o franco favorito.

Quem quer que seja o escolhido herdará um país mais dividido e ainda mais polarizado que o recebido por May de Cameron. Herdará também o mesmíssimo quebra-cabeça do Brexit que May foi incapaz de resolver. Não existe solução fácil nem reconciliação à vista para os britânicos.

P.S.: Atualizado às 12h30

— Foto: Arte/G1

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