Por Arthur Guimarães, Leslie Leitão, Marco Antônio Martins, G1 Rio e RJ2


Igreja Universal foi usada para lavar dinheiro de corrupção da Prefeitura do Rio, diz MP

Igreja Universal foi usada para lavar dinheiro de corrupção da Prefeitura do Rio, diz MP

O Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MP-RJ) diz ter encontrado indícios de “bilionárias movimentações atípicas” da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e afirmou ser “verossímil concluir” que a entidade religiosa está sendo “utilizada como instrumento para lavagem de dinheiro fruto da endêmica corrupção instalada na alta cúpula da administração municipal” do Rio. O prefeito Marcelo Crivella é bispo licenciado da Iurd.

A investigação do MP começou em março deste ano e investiga um suposto 'QG da Propina' na Prefeitura do Rio.

A análise que cita a Universal está presente em documento de 262 páginas, assinado com data de 2 de setembro deste ano, enviado à Justiça pelo Subprocurador-Geral de Justiça de Assuntos Criminais e de Direitos Humanos do MPE-RJ, Ricardo Ribeiro Martins.

Nessa petição, a que o G1 teve acesso, o sub-procurador geral cita a existência de um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, apontando que a entidade religiosa “foi objeto de comunicação em razão da identificação de movimentações financeiras de R$ 5.902.134.822,00”, entre o dia 5 de maio de 2018 e 30 de abril de 2019.

O G1 apurou que o RIF reúne informações de vários CNPJ’s da IURJ. E inclui movimentações de entrada e saída de dinheiro vivo, assim como transferências bancárias. O registro de movimentação atípica em um RIF do COAF não significa a necessária ocorrência de um crime.

Segundo narra o MPE-RJ, a ocorrência que justificou a comunicação ao COAF tem relação com o artigo 1º, inciso I, item “b” da Carta Circular de número 3.542 do Banco Central do Brasil. Tal trecho da norma trata de “movimentações em espécie realizadas por clientes cujas atividades possuam como característica a utilização de outros instrumentos de transferência de recursos, tais como cheques, cartões de débito ou crédito”.

Nos documentos obtidos pelo G1, não há detalhes de como funcionaria essa suposta lavagem de dinheiro. O sub-procurador geral, no entanto, faz tal alegação após analisar várias provas colhidas, entre elas: “as bilionárias movimentações atípicas” da IURD, a “notória vinculação” de Crivella com a igreja e o “envolvimento de Mauro Macedo na trama criminosa”.

Mauro, primo de Edir Macedo, o fundador da IURD, coordenou campanhas políticas do atual prefeito do Rio e é citado em delações da Lava Jato como recebedor de Caixa 2. Segundo o Ministerio Público, Mauro aliciava empresários para participar dos mais variados tipos de corrupção.

Outro elemento usado na análise do MPE-RJ são as mensagens do aparelho de celular apreendido, em março, com Rafael Alves, durante a primeira fase da operação. Apesar de não ter cargo público no Município, Rafael Alves teria enorme influência no governo – e pistas seguidas pelo MPE-RJ mostram que ele cobraria e arrecadaria propina de fornecedores, possivelmente com aval e em aliança com Crivella.

Rafael Alves falou de igreja em mensagens

Mensagem atribuída a Rafael Alves fala de relação com a igreja — Foto: Reprodução

No começo de 2018, Rafael Alves enviou várias mensagens a interlocutores demonstrando “frustração com os espaços ocupados por ele no governo” – e dizendo que seria capaz de revelar às autoridades “todos os esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro que ocorrem no governo”, com a “direta participação de Marcelo Crivella, sua família e a igreja, em expressa alusão à Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd)”.

Em uma mensagem enviada no 19 de janeiro, diz o MPE-RJ, Rafael Alves escreve: “Nego destrói um político. Eu mexo com uma igreja.” Depois, ele prossegue, segundo os investigadores: “só não quero que mexa com meu irmão ou seja meu espaço”. Por fim, Rafael Alves afirma: “Fazendo isso eu destruo ele igreja etc.” O irmão de Rafael, Marcelo Alves, chegou a ocupar a presidência da RioTur – e vinha sofrendo com um processo de desgaste com outros aliados de Crivella, até ser exonerado em março deste ano, após a primeira fase da operação.

Para o MPE-RJ, Rafael indica que, “caso venha a romper com Marcelo Crivella e sua organização criminosa”, os efeitos danosos serão grandes pois “envolve dinheiro – e muito – e informações fortes.” O procurador aponta que “Rafael Alves deixa claro que tem ciência e controla diversas atividades criminosas do governo, sob a direta liderança de Marcelo Crivella”.

O celular de Rafael é considerado uma “peça bomba” na investigação pelos promotores. Mas não foi fácil chegar no aparelho. Em março, em uma busca contra Rafael Alves, ele entregou um celular vazio para as autoridades. Desconfiados, eles encontraram outro telefone escondido em roupas. Outros dois estavam no carro da mulher do operador, Shanna Garcia, filha do bicheiro Waldomiro Paes Garcia, o Maninho, assassinado em 2004.

O que dizem os citados

Em nota, a Igreja Universal do Reino de Deus disse que não foi legalmente citada sobre as denúncias e que ignora a existência do documento relativo a elas. E classificou de imoral o que chamou de vazamento de informações por autoridades sem que a parte envolvida saiba da investigação. Diz ainda que toda sua movimentação financeira é “completamente lícita” e declarada aos órgãos competentes.

A igreja também afirma que, sobre o prefeito Marcelo Crivella, “qualquer bispo ou pastor que decide ingressar na carreira política licencia-se de suas funções na igreja, passando a se ocupar exclusivamente da atividade pública”.

A Universal diz ainda que não há nenhuma relação financeira entre Marcelo Crivella, suas campanhas políticas e a Igreja, e que não participa direta ou indiretamente de atividade político-partidárias no Brasil e em nenhum dos outros países onde desenvolve atividade missionária.

Segundo afirma, "Nos últimos trinta anos, nenhuma instituição religiosa brasileira foi tão perseguida, atacada, fiscalizada e julgada como a Universal". "Em todos os procedimentos, a Igreja e seus oficiais foram inocentados”, acrescenta a Universal. Conclui afirmando que os autores da denúncia, que classifica de infâmia, responderão na Justiça pelo que chama de falsas acusações e preconceitos contra cristãos.

O prefeito Marcelo Crivella declarou que não há nada no processo que descreva qualquer ato ilícito praticado por ele. Disse ainda que nada foi encontrado nas buscas em sua casa, no gabinete, em banco ou no celular.

Neste sábado, Crivella divulgou vídeos para se defender das acusações do Ministério Público. Ele negou interferência política para impedir a demolição da casa de Romário, mas não respondeu às principais denúncias do MP.

O prefeito criticou a reportagem da Globo sobre as denúncias do Ministério Público estadual e da Polícia Civil e afirmou que elas têm o objetivo de interferir no processo eleitoral. Em suas reportagens, a Globo foi absolutamente fiel ao que afirmaram os procuradores e aos documentos que embasaram a operação -- sem nenhum outro objetivo senão o de informar o público.

A defesa de Rafael Alves informou que ele refuta as acusações, que chamou de precipitadas e disse que tenta, há mais de nove meses, prestar esclarecimentos ao Ministério Público, mas não teve essa oportunidade.

Operação Hades

As investigações do MP estão no contexto da Operação Hades, que teve buscas do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e da Polícia Civil do RJ na manhã desta quinta-feira (10) na Prefeitura do Rio, na casa do prefeito e no Palácio da Cidade, onde ele despacha. Agentes apreenderam um telefone celular de Crivella.

A operação começou em março deste ano e investiga um suposto 'QG da Propina' na Prefeitura do Rio. A decisão judicial que autorizou Operação Hades nesta quinta-feira (10) afirma que por trás de atos do prefeito Marcelo Crivella na Prefeitura do Rio está Rafael Ferreira Alves, que não tem cargo na administração municipal. Promotores afirmam que Rafael e Crivella têm papel de protagonismo em um esquema de corrupção na Prefeitura do Rio.

Por meio de sua assessoria de imprensa, Crivella disse que operação foi "estranha" e "injustificada" e que, na semana passada, esteve com o Ministério Público para colocar à disposição seus sigilos bancário, telefônico e fiscal (veja o que disse o prefeito).

O inquérito foi aberto no início de dezembro pelo MPRJ, com base na delação do doleiro Sérgio Mizrahy. Ele foi preso na operação Câmbio Desligo, um desdobramento da Lava Jato no Rio.

Segundo a delação, o operador do esquema é Rafael Alves. Rafael não possui cargo na prefeitura, mas, segundo reportagem do jornal O Globo, tornou-se um dos homens de confiança de Crivella por ajudá-lo a viabilizar a doação de recursos de empresas e pessoas físicas na campanha de 2016.

O RJ2 mostrou nesta sexta-feira (11) que mensagens trocadas entre Rafael Alves, apontado como homem de confiança do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), e o marqueteiro Marcelo Faulhaber revelam desavenças entre os integrantes do esquema montado na prefeitura do Rio de Janeiro.

Em um dos trechos, o marqueteiro chama Rafael Alves de "homem bomba" por conhecer ilegalidades no governo. Faulhaber afirma que o prefeito tinha conhecimento dos esquemas de corrupção.

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