BRASÍLIA - Diante do risco de paralisia da máquina pública, o governo anunciou nesta sexta-feira o desbloqueio imediato de R$ 8,3 bilhões do Orçamento. O montante é suficiente para evitar a interrupção na prestação de serviços — o chamado shutdown — pelo menos até o fim de novembro, quando nova avaliação fiscal será feita.
A liberação foi possível graças à melhora na arrecadação de impostos. A equipe econômica também contou com a ajuda de receitas extras, como o pagamento antecipado de R$ 7 bilhões em dividendos dos bancos públicos.
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O secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, garante que a equipe econômica não trabalhava com risco de paralisia, mas admite que a liberação trará alívio.
— Vai permitir que possamos trabalhar com conforto no mínimo até o próximo relatório. O viés é de recomposição adicional (do Orçamento). Não trabalhamos em momento algum com hipótese de shutdown — frisou o secretário, em coletiva de imprensa.
Além dos R$ 8,3 bilhões liberados imediatamente, o governo descontingenciou mais R$ 3,275 bilhões, além de R$ 799,6 milhões para emendas parlamentares, o que eleva o total para R$ 12,5 bilhões.
Do montante extra de R$ 3,275 bilhões, R$ 613 milhões vão para uma reserva orçamentária, uma espécie de fundo de emergência. O restante, R$ 2,66 bilhões, é formado por recursos recuperados pela Operação Lava-Jato. Este dinheiro será destinado a programas específicos, conforme um acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
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Os maiores beneficiados serão as áreas de educação infantil e as ações de preservação na Amazônia Legal, que receberão cerca de R$ 1 bilhão, cada. Está previsto ainda o repasse de R$ 250 milhões para bolsas do CNPq; de R$ 250 milhões para o programa Criança Feliz, do Ministério da Cidadania, e de R$ 100 milhões para ações socioeducativas do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Os recursos serão liberados aos poucos, conforme as áreas apresentarem as demandas.
Desgaste político
Com o descontingenciamento, a União reverte parte do aperto de R$ 33 bilhões que fez ao longo do ano por causa da frustração de receitas. A pasta mais beneficiada foi a da Educação, com liberação imediata de R$ 1,99 bilhão — além do R$ 1 bilhão da Lava-Jato. Antes, o órgão havia sofrido um aperto de R$ 6,1 bilhões.
Para abocanhar a maior fatia do descontingenciamento, o MEC argumentou que, além de ter sido o órgão que mais sofreu com os bloqueios, os reflexos de manter os recursos represados já começaram a ocorrer. Pesou, por exemplo, o diagnóstico de que as universidades, que tiveram em média 30% da verba não obrigatória suspensa, estarão sem dinheiro para pagar serviços básicos, como luz e limpeza, a partir deste mês. Já está decidido que uma parte da verba descontingenciada vai para as federais.
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O segundo escalão do MEC, que inclui economistas que são servidores federais de carreira, mantém bom relacionamento com a equipe do Ministério da Economia. Eles não se furtaram a encaminhar para a Junta de Execução Orçamentária (JEO) da pasta de Guedes dados sobre os impactos do contingenciamento.
Além do cenário do ponto de vista técnico, ressaltaram o desgaste político para o governo. Foi levado em consideração que o único setor que levou a população às ruas contra o governo Bolsonaro foi a educação.
Os outros órgãos que mais conseguiram recursos foram o próprio Ministério da Economia, que garantiu uma liberação de R$ 1,75 bilhão, e o da Defesa, que conseguiu alívio de R$ 1,65 bilhão. Na Economia, o alívio vai evitar, por exemplo, a paralisação dos serviços da Receita, cujos recursos acabariam no próximo dia 24. Já no fim de agosto, o Fisco ameaçou interromper serviços como emissão de CPF e processamento de restituições de Imposto de Renda.
Na Defesa, a maior parte do descontingenciamento (R$ 950 milhões) vai para a manutenção das atividades das Forças Armadas. A pasta informou, contudo, que aguarda outro desbloqueio, da ordem de R$ 4,2 bilhões, até o fim do ano.
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Nova rodada de liberações
Segundo Waldery, a liberação anunciada ontem poderia ter sido de “alguns bilhões” a mais. Na semana passada, o vice-presidente Hamilton Mourão chegou a prever um descontingenciamento de R$ 20 bilhões. O ministro da Economia, Paulo Guedes, mencionou que o valor chegaria a R$ 14 bilhões.
O secretário disse, no entanto, que optou pela cautela. A equipe econômica não quis contar, por exemplo, com o ingresso de R$ 8,3 bilhões de dois leilões de petróleo que serão realizados em outubro e novembro. Os técnicos aguardam a confirmação dos certames para contar com esses recursos.
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— Se fôssemos um pouco menos cautelosos, poderíamos ter números maiores. Não somente R$ 12,5 bilhões, mas alguns bilhões a mais. Conforme sejam realizados os leilões, poderemos ter uma nova rodada de recomposição orçamentária — disse o secretário, que afirmou que a liberação pode ser anunciada em um relatório extra, antes da avaliação bimestral prevista para o fim de novembro.
Waldery disse ainda que o governo pode voltar a recorrer aos bancos públicos para reforçar o caixa até o fim do ano. A antecipação de dividendos já foi responsável por garantir R$ 7,1 bilhões a mais para recomposição do Orçamento. Só Caixa e BNDES colaboraram com mais de R$ 6 bilhões. A colaboração do Banco do Brasil foi de R$ 640 milhões.
— Esses números podem ser aumentados. Em função do que é permitido pela política de dividendos, esses números podem vir como pagamento de dividendos intermediários até o fim do ano — completou o secretário.
Além das receitas extras, colaboraram para garantir mais espaço no Orçamento a melhora na arrecadação de impostos. As novas projeções indicam que as receitas administradas pelo Fisco — termômetro da atividade econômica — crescerão R$ 6,9 bilhões a mais que o estimado no último relatório de avaliação. Já as despesas ficarão, de acordo com os novos cálculos, R$ 6,5 bilhões abaixo da marca anterior, graças a um ajuste na metodologia que estima o gasto com pessoal e encargos.