Marlen Couto
Desde que foi criado em diferentes redes sociais, em maio, o perfil Sleeping Giants Brasil, dedicado a combater o financiamento à desinformação, obteve resposta de mais de 400 empresas que se comprometeram a retirar anúncios veiculados em sites divulgadores de conteúdos falsos. Por outro lado, essas empresas também entraram na mira da base bolsonarista, que passou a lançar campanhas e hashtags de boicote às marcas. Um estudo do grupo de pesquisa NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em conjunto com a startup de data science Twist Systems, revela, no entanto, que boa parte dessa mobilização no Twitter foi impulsionada por contas com algum grau de automação (os famosos “robôs” ou “bots”).
O levantamento analisou 715,5 mil publicações na rede social envolvendo as ações do Sleeping Giants Brasil entre 18 e 28 de maio. As empresas mais mencionadas nas postagens foram Dell, Brastemp e Banco do Brasil. Os dados apontam que 56,53% das postagens possuem características de contas com elevado grau de automação, a maior parte delas formada por perfis que atacaram marcas que anunciaram a retirada de publicidade de sites de fake news.
A análise foi feita com a ajuda de um algoritmo, o Gotcha, treinado para identificar robôs que postam e interagem em português a partir de métodos de “machine learning” (treino de máquina). A taxa de confiabilidade do algoritmo é de 80%.
Os dados apontam que interações com boicote às marcas e defendendo o Jornal da Cidade Online, o primeiro alvo do movimento contra desinformação, tiveram maior impacto no debate sobre o tema, mas alto grau de automação: 56% dos tuítes e retuítes que publicaram a hashtags #BrastempApoiaoComunismo foram automatizados, e 49,23% dos posts com a hashtag #NãoCompreDell foram feitos por robôs. Por outro lado, em hashtags favoráveis à atuação do Sleeping Giants Brasil, como #SóCompreDell, #BBfinanciaFakeNews e #BBédoBrasil, não foi encontrada presença de perfis automatizados, indicando um movimento orgânico.
“Reação orquestrada”
No grupo bolsonarista, o perfil do Jornal da Cidade Online foi o mais influente, assim como o youtuber Leandro Ruschel, a conta Te atualizei, a deputada Carla Zambeli (PSL-SP), a blogueira Paula Marisa e o perfil Gigantes Não Dormem. Embora esses perfis mais influentes tenham comportamento autêntico ou orgânico, sua influência também foi inflada por prováveis robôs. No campo contrário, destacaram-se o próprio Sleeping Giants e o youtuber Felipe Neto.
Coordenadora da pesquisa e do NetLab da UFRJ, Rose Marie Santini explica que as contas não são classificadas de forma binária, como robôs ou não. O que é calculado é o grau de automação dos perfis.
— O ataque às marcas que se posicionaram a favor do Sleeping Giants Brasil não foi uma reação orgânica dos usuários da rede, mas fruto de uma reação orquestrada e artificial — disse a professora da Escola de Comunicação da UFRJ.
A pesquisa aponta ainda que o Banco do Brasil não foi alvo de ataques de contas automatizadas ligadas à base favorável a Bolsonaro, como as demais marcas. Após o Sleeping Giants Brasil revelar os anúncios no site Jornal da Cidade Online, o banco anunciou que retiraria publicidade do site, mas voltou atrás após manifestações do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro. Depois, o Tribunal de Contas da União (TCU) proibiu a veiculação dos anúncios.
Inspirado em um perfil americano criado em 2016, o Sleeping Giants Brasil tem 377 mil seguidores no Twitter e mira a mídia programática para desmonetizar os sites divulgadores de mensagens falsas. Nela, um anunciante contrata uma agência de publicidade responsável pela produção da campanha. A agência subcontrata uma plataforma para distribuir os anúncios por meio de algoritmos de intermediários, como o Google, que os direcionam a sites, canais ou aplicativos mais indicados para atingir o público desejado pelo cliente, a partir de informações que os próprios usuários deixam disponíveis ao navegarem na rede. Dessa forma, os sites recebem os anúncios e acabam remunerados.
Para Rose Marie, embora sejam alvo de ataques e de contas automatizadas, não se posicionar nas redes sociais pode tornar as empresas expostas pelo Sleeping Giants Brasil ainda mais vulneráveis:
— A política se tornou uma espécie de buraco negro no centro da esfera pública. As marcas precisam se posicionar, não há espaço para a neutralidade na rede. O que vemos é que você acaba alavancando sua marca, se tiver alguém para te defender. Estamos na era dos “haters”, e as marcas precisam se posicionar se quiserem ter um movimento orgânico. A reputação é medida, não pelos inimigos, mas pela ausência de um exército de apoiadores capazes de te defender e contra-atacar. Até porque robô não compra produto, mas pessoas, sim — avalia a pesquisadora.