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Rio

Coronavírus: Se fosse um país, Rio teria a segunda maior mortalidade por milhão de habitantes do mundo

Município tem uma taxa de 1.047 mortes por milhão de habitantes, número que ficaria atrás apenas de San Marino, que possui população de apenas 30 mil
Imagem aérea mostra covas no Cemitério do Caju, na Zona Portuária, em 21/05/2020 Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Imagem aérea mostra covas no Cemitério do Caju, na Zona Portuária, em 21/05/2020 Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

RIO — O município do Rio chegou, nesta quarta-feira, à marca de 6.618 óbitos confirmados pelo novo coronavírus. Considerando uma população de 6,32 milhões, isso significa que a capital teve 1.047 mortes por milhão de habitantes. Essa proporção de óbitos revela um índice muito superior ao de países que sofreram gravemente com a pandemia, como o Reino Unido (647), Espanha (607) e Itália (575). Se fosse um país, o Rio só ficaria atrás da república de San Marino, na Europa, que tem a pior taxa proporcional de mortos por habitantes do mundo. A diferença, no entanto, é que a pequena nação, que é um enclave na Itália, possui apenas 33 mil habitantes.

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Os índices de outras grandes cidades fortemente afetadas pela pandemia também são superiores a países, como é o caso de Nova York, que teve 22.574 óbitos, para uma população de 8,4 milhões de habitantes, o que corresponde a uma taxa de mortalidade de 2,687 por milhão de habitantes. Esse total é mais do que o dobro do Rio e de San Marino. Madri também tem estatísticas semelhantes: foram 8.416 mortes, em uma população de 6,6 milhões, o que corresponde a uma taxa de mortalidade de 1,275 por milhão de habitante, também superior à registrada no Rio.

Outra taxa que faz o Rio se destacar negativamente é a de letalidade com relação aos casos confirmados de coronavírus, que está em 8,75% atualmente, a  maior do país. Esses índices foram publicados pelo último relatório do Observatório Fluminense Covid-19, que reúne pesquisadores da Uerj, UFRJ e Fiocruz. Segundo especialistas, a falta de testes e a subnotificação de casos termina por aumentar a taxa de letalidade do Rio, enquanto as falhas de assistência médica à população ajudam a explicar a alta mortalidade.

— A nossa mortalidade por milhão de pessoas está acima de 1.000 (1.047 segundo o boletim desta quarta). Isso mostra que a epidemia aqui está muito grave. Se o Rio fosse um país, só ficaria atrás de San Marino, o que nem é um bom parâmetro, porque eles só têm 33 mil habitantes — afirma o professor de matemática aplicada da Uerj Americo Cunha, integrante do Observatório. —  A mortalidade mede a severidade da epidemia, e aqui é muito alta. Aí entra a falha de atendimento, na assistência e o subdimensionamento do sistema de saúde.

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Crítica à abertura da economia no Rio

O Observatório não fez as comparações de mortalidade entre todas as cidades do país, mas, no número frio da estatística, é provável que o Rio não seja o líder pela profusão de municípios com população muito pequena. No entanto, seu índice é muito maior, por exemplo, que Manaus, que corresponde a 830,4 mortes por milhão de habitantes e que sofreu um dos piores colapsos no sistema de saúde durante a pandemia.

— Isso ajuda a nos dar uma visão do quanto é grave a situação no Rio — diz Cunha, que critica a abertura da economia no Rio. Nesta quinta-feira, bares e restaurantes já poderão entrar em funcionamento. — Na Alemanha, por exemplo, o comércio foi aberto em maio, enquanto a curva entrou em queda em março. No Rio, a abertura está sendo muito precipitada. O risco é aumentar o contágio. É seguro dizer que óbitos vão ocorrer por causa disso. Tivemos uma desaceleração, mas o patamar de mortes ainda é muito alto.

Segundo o professor, a queda na ocupação de leitos, o que vem sendo considerado pela prefeitura para a abertura do comércio , é importante, mas não pode ser o único índice a ser levado em conta. Além da mortalidade, o Rio é o estado com a maior taxa de letalidade do país, pois 8,75% de todos os casos confirmados do novo coronavírus se transformaram em óbitos. Como efeito de comparação, a média nacional é de 4,3%.

— Nessa estatística, o problema é a alta subnotificação. A informação mais recente que existia era de que o Rio só testava mais do que Minas, que é um estado onde a curva epidêmica está em outra fase, ainda em aceleração. São Paulo, por exemplo, testa muito mais que o Rio, e tem uma taxa de letalidade de 5%. Como o total de casos é subnotificado, a taxa de letalidade sobe — explica Cunha.

O Sindicato de Médicos do Rio (SinMed-RJ) fez um levantamento das maiores taxas de letalidade por município do estado. À frente, está Mesquita, com 14,44%. Quase toda a região metropolitana tem índice acima de 10%, e a capital tem 11,50%, em sexto lugar. Essa estatística, aliada à alta mortalidade, pode ser explicada pelas falhas na rede de atendimento, segundo o médico Carlos Vasconcellos, diretor do sindicato.

—  Durante o pico, em maio, muita gente não teve acesso, até porque não houve oferta suficiente de leitos. No caso da Baixada, a dificuldade permanece, com uma população muito grande e pouco serviço. Pela estatística, vemos como municípios pobres tem altas taxas de letalidade. Além da subnotificação, há pouco equipamento disponível. Na capital, a rede de assistência foi desmontada e muita gente não vai ao médico.

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Maiores taxas de letalidade do Rio:

Mesquita: 14,44%
Duas Barras:14,29%
Duque de Caxias:13,83%
São João de Meriti:12,99%
Belford Roxo: 12,39%
Rio de Janeiro: 11,50%
Petrópolis: 11,33%
Nilópolis: 11,26%

A alta subnotificação é o motivo de um projeto liderado por pesquisadores da Uerj, UFRJ e Fiocruz, com coordenação da Secretaria estadual de Ciência e Tecnologia. Integrante do grupo, Karla Figueiredo, do Instituto de Matemática da Uerj, explica que o objetivo é fazer uma pesquisa para identificar regiões do Rio onde a testagem precisa ser direcionada. O formulário sobre sintomas pode ser respondido pelo paciente no site https://rcforms.lcc.ime.uerj.br/dashboard/ .

—  Ainda não temos clareza para afirmar se estamos numa segunda onda ou ainda na primeira. A gente precisava saber das notificações em tempo real, para fazer ajuste do modelo — defende Katia.

Pesquisadores criticam abertura da economia

Para a pesquisadora em saúde pública da UFRJ Ligia Bahia, o contexto do Rio, com esses índices, é o suficiente para apontar que o momento não é propício para abertura de economia.

—  Essa abertura é absurda. Acho que o Covid está muito feliz, comemorando, podendo passear mais à vontade entre a população —  diz a especialista, que lembra que outros estados também testam pouco. — O Brasil no geral testa pouco, então no Rio podemos dizer que houve um contágio mais forte, inclusive pela política de flexibilização do comércio.

Para o infectologista Celso Ramos, da UFRJ, a retomada de mais atividades deve levar a um aumento de casos.

— A abertura está um pouco cedo. A sensação é de que estamos começando a queda da curva, mas ainda longe de um patamar seguro. Por isso, seria mais prudente esperar. É quase inevitável pensar que a taxa de contágio vai crescer nos próximos dias, e não temos a população suficientemente imunizada.

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Para o médico e professor da Uerj Mario Dal Poz, o problema mais crítico dentro da abertura da economia é o transporte coletivo.

— Esse é o nosso calcanhar de Aquiles. Vemos que a população está dentro de ônibus, trem e metrô como lata de sardinha. Não há máscara que resolva esse problema. Ao mesmo tempo, não temos testes suficientes — explica o médico, que lamenta a redução das reuniões do Comitê Científico estadual. — O governo não convoca mais o comitê, e na prefeitura o grupo é quase clandestino, pois não sabemos quem participa. Tudo que precisávamos agora era transparência.

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Governo confirma que subnotificação afeta letalidade

Procurada, a Secretaria estadual de Saúde (SES) confirmou que a baixa testagem é um dos motivos para a alta letalidade. A pasta diz que vai ampliar o acesso aos testes rápidos, e oficiou os 92 municípios solicitando a quantidade necessária para cada cidade. Até aqui, 573.040 testes rápidos, recebidos pelo Ministério da Saúde, foram distribuídos no estado, e a secretaria adquiriu outros 150 mil. Foram feitas ainda 58 mil análises PCR no Laboratório Central, que tem capacidade atual de analisar 3 mil amostras por dia.

Já a Secretaria municipal de Saúde afirmou, em nota, que a taxa de letalidade está diretamente relacionada ao número de casos de Covid-19 confirmados. "Uma vez que os resultados dos testes são liberados é que se tem um número maior de positivos, porque, até então, os casos são considerados suspeitos. Atualmente, a capacidade de testagem da SMS é a de realizar 162 mil testes rápidos. Além desses, também são feitos, em média, 8.500 testes moleculares (PCR) mensalmente".

A secretaria informou ainda que, nesta quarta-feira, iniciou a segunda etapa da testagem, em parceria com o Ibope, de moradores das comunidades da Maré, Rocinha, Cidade de Deus e Rio das Pedras, além de Campo Grande, Realengo. De acordo com a nota, o trabalho de campo é feito por equipes de saúde da família que atuam nessas regiões. "Ao todo, deverão ser testados 6.400 moradores desses locais. Além disso, Prefeitura também promoveu a testagem de taxistas em parceria com o aplicativo Taxi.Rio. A SMS fará ainda testes em professores das redes pública e privada, merendeiras da rede pública de ensino e em pessoas com comorbidades e população privada de liberdade".