Por Luiza Tenente, G1


Alfabetização: saiba as diferenças entre método fônico e método global

Alfabetização: saiba as diferenças entre método fônico e método global

Desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro, uma das questões discutidas na área da educação é a forma ideal para alfabetizar as crianças. Nos rankings mundiais, o Brasil ocupa posições ruins nas avaliações de leitura e escrita, como no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). Para tentar solucionar o problema, dirigentes levantaram a possibilidade de mudar a concepção de ensino nas escolas.

Novo documento sobre alfabetização

Nesta quinta-feira (15), o Ministério da Educação (MEC) apresentou mais detalhes da Política Nacional de Alfabetização (PNA), publicada como decreto em abril. Segundo o documento, o Brasil não acompanha as evidências científicas na área da educação – e, por isso, não consegue cumprir o objetivo de ter todas as crianças alfabetizadas até os 8 anos.

O objetivo do PNA é justamente mostrar as ideias mais atuais do processo de ensino-aprendizagem, para que as escolas, municípios e Estados possam optar por mudar suas diretrizes de ensino. Especialistas criticaram, porém, o fato de o caderno da PNA ser "muito genérico", o que impede que ele contribua com resultados efetivos na aprendizagem.

A nova política não chega a mencionar explicitamente um método de alfabetização, mas expõe pilares próximos ao chamado "método fônico":

  • consciência fonêmica: conhecer os fonemas (sons) das letras e saber usá-los
  • instrução fonética sistemática: aprender a relação entre as letras e os sons
  • fluência em leitura oral: saber ler com velocidade, de forma agradável
  • desenvolvimento de vocabulário
  • compreensão de textos

O documento coloca que as crianças devem estar alfabetizadas, idealmente, no 1º ano do ensino fundamental.

Discussão antiga

O debate é atual, mas não novo: desde o final do século passado especialistas de diversas áreas do conhecimento – linguística, psicologia, pedagogia, sociolinguística – tentam responder à pergunta-chave: qual o melhor método de alfabetização? Até hoje, não chegaram a um consenso.

Desempenho do Brasil em avaliações como o Pisa é insatisfatório — Foto: Reprodução/Escola da Vila

Em geral, há duas formas de enxergar o processo: pensar na língua como objeto cultural, sempre contextualizada e com sentido; ou ver a escrita como um sistema de códigos, que exige certo distanciamento para ser compreendido.

São interpretações não necessariamente excludentes – uma pode complementar a outra. Mas alguns métodos optam por priorizar um desses aspectos. As antigas (mas ainda usadas) cartilhas, por exemplo, se aproximam mais de uma visão técnica do que de uma reflexão sobre o uso social da língua.

Em resumo, veja abaixo quais são os principais métodos e entenda as críticas feitas a cada um:

Métodos sintéticos

Eles propõem que o foco seja analisar o sistema de escrita – começando pela letra, sílaba ou som.

a) Alfabético: é o método mais antigo de alfabetização, segundo Magda Soares, professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O aluno aprende os nomes das letras do alfabeto, entende como deve soletrar seu nome e, aos poucos, combina essas unidades para formar sílabas e palavras. É criticado por distanciar os alunos dos reais sentidos das frases.

b) Fônico: o método fônico foi apresentado em uma versão preliminar da Política Nacional de Alfabetização, em março, e depois retirado do texto. No documento definitivo, detalhado na quinta-feira (15), não há a menção explícita ao método - e sim a pilares relacionados a ele, como a consciência fonêmica.

Nesse caso, a unidade principal para aprender a ler e a escrever é o som (ou fonema) e a relação dele com as letras (grafemas). Primeiramente, as crianças aprendem os sons das vogais. Em seguida, o professor apresenta algumas consoantes, das mais simples (t, v, f) para as mais complexas (aquelas que possuem mais de um som, como “s”).

Crianças repetem os sons em aula de alfabetização com método fônico — Foto: Marcelo Brandt/G1

“Nós usamos brincadeiras de rima e cantigas para despertar a consciência fonológica das crianças. Na hora de chamar um aluno para entregar o caderno a ele, por exemplo, é feita uma brincadeira de separar o nome em pedacinhos: Fabi, ‘ffffa’ + ‘bbbi’”, afirma Alessandra Seabra, professora da pós-graduação em distúrbios de desenvolvimento na Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP) e autora de livros sobre o método fônico.

Depois que a turma é apresentada aos sons, passa a conhecer as letras que representam esses fonemas. O “fff”, do nome “Fabi”, se escreve com a letra F.

“Não vou colocar uma criança para aprender a ler e a escrever em um código que não conhece. Isso não significa que seja um processo mecânico. Só queremos que ela entenda que o ‘m’ tem som de ‘mmmm”, diz Seabra.

A forma como é apresentada a associação dos sons com as letras pode variar. No Colégio J.R. Passalacqua (SP), por exemplo, os professores mostram um DVD com uma história gravada por atores de teatro. Cada personagem representa uma letra: a formiga é o “f”, o tatu é o “t”, a margarida é o “m”. Toda vez em que eles aparecem em cena, produzem o som desses grafemas. Depois, em sala de aula, as crianças veem desenhos da formiga, por exemplo, ao lado da letra F. Assim, vão aprendendo o som de cada letra. (veja o vídeo no início da matéria)

Cartazes associam personagens a letras de suas iniciais, como "f" de "formiga" — Foto: Marcelo Brandt/G1

Crítica 1: a falta de contexto

O método fônico costuma ser criticado por se sustentar em uma unidade muito abstrata da língua: o som. E por supostamente ser descontextualizado.

“O ponto negativo é exatamente tirar a criança de um lugar de compreensão que tenha a ver com a vida dela, onde ela poderia elaborar hipóteses sobre como o sistema de escrita funciona”, diz Cristina Nogueira, coordenadora do curso de pedagogia do Instituto Singularidades (SP).

Seabra rebate as críticas. “É possível usar o método fônico em contextos extremamente ricos. Por exemplo, já foi feito um trabalho com animais: cada bicho representava um fonema. O macaco era o ‘m’. Ele vai aparecer em uma história e, nessa lição, vamos falar sobre o fonema ‘m’”, diz. “O professor não vai apenas dizer que o som da letra M é ‘mmm’ e pronto.”

Catherine Snow, especialista em desenvolvimento da linguagem infantil e professora da Universidade de Harvard, também defende a aplicação do método. “Há amplas evidências de que ensinar o som das letras é extremamente eficiente para a maioria das crianças, muito necessário para parte delas e prejudicial para nenhuma”, diz.

“Além das explicações sobre os fonemas, as crianças precisam escutar histórias e escrever textos uma para as outras. Devem ser criadas oportunidades para trabalhar em grupo e para encontrar respostas para as próprias dúvidas", afirma Catherine Snow, de Harvard.

Catherine Snow estuda sobre aquisição e desenvolvimento de linguagem na Universidade de Harvard — Foto: Divulgação

A estudiosa afirma que é errado caracterizar o método fônico como mecânico. "Ele é uma abordagem sistemática que ajuda as crianças a entenderem como as letras representam sons e, depois disso, a praticarem essa relação. Não há nada de mecânico em ensinar uma criança a tocar piano mostrando os sons de cada tecla do instrumento e a forma como são representados na partitura”, completa.

Crítica 2: as letras que têm mais de um som

Outra questão levantada pelos críticos do sistema fônico é a dificuldade de entender que certas letras podem produzir mais de um som: como o s em “casa” e “sapo”. Alessandra Seabra afirma que isso não prejudica a alfabetização – no início, segundo ela, é provável que as crianças escrevam “xapéu” ou “caza”. “Com o tempo, lendo os textos, elas exercitam a memória e se lembram de que chapéu é com ch. Não tem regra para isso”, diz.

Snow, de Harvard, explica que a língua portuguesa não oferece dificuldades maiores para os alunos no método fônico. De acordo com ela, o inglês e o dinamarquês, por exemplo, têm “ortografias mais misturadas, em que a maioria das letras representa mais de um som”. “Ensinar a alfabetização em português, espanhol ou italiano pode acontecer em poucos meses. Inglês, em geral, leva de 2 a 3 anos”, diz.

c) Método silábico: A palavra já explica - a pessoa vai ser alfabetizada por meio das sílabas, o famoso “ba-be-bi-bo-bu”. O professor começa apresentando as mais simples e depois segue para as complexas (como “tra”, “lha”, “nho”).

Atividade da cartilha "Caminho Suave" estimula que aluno copie a família silábica do "x" — Foto: Reprodução

Aos poucos, a criança passa a montar palavras com as famílias silábicas que já aprendeu. Se ela já sabe, por exemplo, a família do “b”, pode formar: “O bebê babou”.

A principal crítica a esse método é que ele limita o que as crianças podem escrever. Se elas desejarem redigir um bilhete para a mãe, com “Oi, te amo”, não vão conseguir fazê-lo sem ter aprendido as famílias do “t” e do “m”. Além disso, em geral, os textos usados nesse método são artificiais e distantes da realidade infantil.

Cartilha "Caminho Suave" apresenta as sílabas relacionadas à letra "m" — Foto: Reprodução

No método silábico, há a crítica de que a criança fica impossibilitada de escrever palavras com sílabas que ainda não tenha aprendido — Foto: Reprodução/Caminho Suave

Métodos analíticos

Há também os métodos analíticos, que pregam uma tendência contrária aos sintéticos: a criança percebe primeiramente o todo (como o texto), para depois olhar mais atentamente para as partes (palavras, sílabas, sons). A prioridade é a compreensão dos significados, sempre próximos ao universo infantil.

Eles são criticados por supostamente não tratarem a escrita como um código e por se apoiarem na capacidade de memorização.

a) método global: Tudo começa pelo texto. Só depois de o aluno ter um contato intenso com uma história é que o material será fragmentado em frases e palavras, para que os alunos identifiquem as partes decompostas.

“A criança entende para que serve ler e escrever. E a partir daí, quando começa o processo de alfabetização, o professor utiliza o conhecimento que ela já tem para fazer intervenções e estimular o processo”, afirma Nogueira, coordenadora no Instituto Singularidades.

Contação de histórias é dinâmica comum nos métodos analíticos — Foto: Marcelo Brandt/G1

Além da preocupação em apresentar o texto como um todo, para só depois analisar suas partes, há também o cuidado de escolher gêneros próximos à realidade da criança. Podem ser histórias, parlendas ou adivinhas, que serão lidas e depois desmontadas. Não são usados textos “pré-fabricados” para a alfabetização, como os das cartilhas.

Os críticos ao método afirmam que a exigência de memorizar as palavras não é sustentável a longo prazo. “A criança vai decorar como se escreve ‘casa’ logo no começo, mesmo sem saber o código. Vai cometer menos erros de ortografia no início, porque lembra que ‘chapéu’ é com ch. Mas, em poucos meses, não dará conta de tantas palavras, e começará a tentar adivinhar como escrevê-las. Sem dominar o código, passará a cometer os erros”, diz Seabra, defensora do método fônico.

b) palavração e sentenciação: No primeiro caso, podem ser usados cartões que apresentem, de um lado, a palavra escrita, e do outro, uma gravura.

As palavras não são decompostas em sílabas ou letras, e sim aprendidas por reconhecimento ou memorização. Também não há a preocupação em apresentar primeiramente os vocábulos mais simples para só depois partir para os mais difíceis.

Assim como nos demais métodos analíticos, a preocupação central é apresentar a leitura com ênfase no significado das palavras, e não nos códigos.

Na sentenciação, o princípio é o mesmo, com uma diferença: o foco é na compreensão das frases, e só depois nas palavras que as compõem.

Aluna do 1º ano do ensino fundamental lê gibi durante o recreio — Foto: Marcelo Brandt/G1

Lembrando que as escolas não precisam necessariamente seguir apenas um método. Podem, por exemplo, focar no ensino por sílabas, mas optar por textos relacionados ao universo infantil, sem as antigas cartilhas.

E o construtivismo?

Na discussão sobre alfabetização, tornou-se comum defender ou criticar o construtivismo. Mas é importante entender que ele não é um método, como o fônico ou o silábico, e sim uma filosofia sobre o processo de ensino-aprendizagem. Seus principais pilares são:

  • valorizar os conhecimentos que os alunos já têm
  • sempre considerar o universo sociocultural em que estão inseridos
  • fazer avaliações constantes sobre o processo de aprendizagem, de forma flexível
  • propiciar contextos de interação
  • colocar o professor como mediador, que faz intervenções no processo de descoberta das crianças

“Existe uma discussão ampla sobre qual seria o método associado ao construtivismo. O que precisamos considerar são os princípios dessa filosofia: as crianças elaboram hipóteses sobre a escrita, até chegarem ao sistema convencional”, diz Miruna Kayano, coordenadora do ensino fundamental I da Escola da Vila (SP).

Na Escola da Vila, crianças são encorajadas a construir hipóteses sobre a escrita — Foto: Divulgação/Escola da Vila

Ao contrário do que aponta o senso comum, o construtivismo não prega que o mero contato com os textos faça com que os alunos aprendam a ler. “Não existe esse espontaneísmo. O que pregamos é que, em contato com o objeto e com a intervenção do professor, as crianças vivam o processo de aprendizagem. Cada uma em seu ritmo”, explica a coordenadora.

Durante as aulas, a escola deve monitorar em que momento do processo de alfabetização cada aluno está: se já conhece as letras, se faz relações sonoras. Com base nas palavras que as crianças já sabem, são feitas análises para sistematizar a escrita.

“Elas querem saber ler e escrever os nomes dos amigos, por exemplo. Então sorteamos quem vai sentar do lado de quem na roda. Essas atividades sistemáticas fazem sentido para a turma”, diz Kayano.

Nomes dos colegas são usados para despertar o interesse pela alfabetização — Foto: Reprodução/Escola da Vila

O grau de dificuldade dos textos não vai aumentando progressivamente - desde cedo, a classe tem contato com histórias complexas e reais. “Ainda que não escrevam tudo corretamente, vão fazer um bilhete pedindo para os pais trazerem uma salada de fruta. Acreditando que podem escrever do jeito delas, vão aprendendo. Trabalhamos com textos conhecidos também, como o unidunitê. Pela memória, elas se lembram de como escrevê-los”, diz a coordenadora.

Mas afinal, a culpa é do método?

Dá para afirmar que o método é a causa principal do fracasso escolar no Brasil? Estudiosos de diferentes correntes de pensamento concordam em um ponto: o método é, sim, importante, por representar a forma como os professores atuarão em sala de aula e conduzirão o processo de aprendizagem. Mas não é possível dizer que é o verdadeiro vilão.

No Brasil, não há, por enquanto, uma definição de qual deva ser o método obrigatório. Existem escolas que ainda usam apostilas, outras que se definem como “construtivistas” e que seguem processos analíticos. Há também colégios utilizando o método fônico - que, por mais que esteja sendo debatido atualmente, nada tem de novo. Nenhum se comprovou como o mais correto ou mais eficaz.

“O método é um dos fatores determinantes e tem um peso significativo. Mas existem outros aspectos importantes: o estímulo que as crianças recebem em casa, a alimentação, o acesso a livros, a nutrição durante a gestação, a motivação para aprender a ler, o número de alunos em sala de aula. Não dá para ser reducionista e culpar o método”, explica Alessandra Seabra.

É importante pensar também na formação dos professores. “Nem todos os cursos de pedagogia abordam a alfabetização com a profundidade necessária. O professor alfabetizador não é um técnico que vai aplicar um método. Precisa conhecer o sistema linguístico a fundo e a forma como as crianças aprendem”, explica a coordenadora Nogueira, do Instituto Singularidades.

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