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Governador do Rio diz que ataque do tráfico contra unidade da PM terá resposta dura

Quatro carros foram depredados no interior da Coordenadoria de Polícia Pacificadora da PM
Coordenadoria de Polícia Pacificadora da PM foi atacada por traficantes Foto: Antonio Scorza / Antonio Scorza
Coordenadoria de Polícia Pacificadora da PM foi atacada por traficantes Foto: Antonio Scorza / Antonio Scorza

RIO — Em Brasília para o Fórum dos Governadores, o governador do Rio Wilson Witzel disse, nesta terça-feira, que ainda não sabe detalhes da ação de traficantes que invadiram a Coordenadoria de Polícia Paficicadora do Alemão . No entanto, Witzel prometeu uma "resposta dura". Traficantes do Morro do Adeus, em Ramos, na Zona Norte do Rio, estariam por trás do ataque contra a Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) do Alemão, que deixou pelo menos quatro carros depredados, nesta terça-feira.

A unidade fica localizada na Avenida Itaoca, em Bonsucesso, também na Zona Norte. Inicialmente havia a informação de que uma sigla de uma facção criminosa teria sido pichada em um dos veículos, mas a assessoria da PM desmentiu o fato.

Todos os carros depredados pertencem a policiais militares que estavam de plantão. Os automóveis estavam estacionados no pátio do Comando de Policiamento Ambiental, que fica no interior da CPP.  Peritos do Centro de Criminalística da Polícia Militar reakizaram uma perícia no local.

Especialistas destacaram a gravidade do ataque pelo seu simbolismo e criticaram a falta de propostas concretas do governo para a segurança

— Não tomei conhecimento ainda. Estou aqui, recebi a notícia e não tomei conhecimento exatamento do que ocorreu. Sei que providências foram tomadas. Qualquer ação praticada contra o estado, a resposta será muito dura, não tenha dúvida — disse o governador.

Informações, que ainda estão sendo analisadas pela polícia, dão conta que os bandidos entraram na unidade após pular um muro, localizado nos fundos da CPP, que divide a área militar com um terreno de um condomínio Minha Casa Minha Vida. O local é costumeiramente usado como passagem por traficantes e já foi alvo de operações policiais. Uma das hipóteses é a de que o ataque teria ocorrido em represálias a incursões policiais feitas, nos últimos meses, no Morro do Adeus.

Moradores de região, que pediram para não ser identificados, confirmaram a presença de traficantes no terreno do condomínio e constantes incursões policiais no local.

— Quem mora aqui vive com medo do tráfico e das operações policiais. Sai tiro a qualquer hora — disse X.

A reportagem esteve, nesta terça-feira, na porta de entrada da CPP, na Avenida Itaoca. Dois PMs estavam de plantão na portaria da unidade. Também era possível notar que o policiamento estava reforçado. No interior da CPP, estavam estacionados pelo menos oito viaturas, um ônibus e um caminhão da PM, além de um caveirão.

O porta-voz da PM. coronel Mauro Fliess disse  que uma investigação foi aberta pela Delegacia de Polícia Judiciária Militar para apurar o fato.

Entre outras coisas, será analisada a versão dos policiais militares que estavam de plantão. Eles alegaram não ter ouvido o barulho provocado por quem danificou os carros.

— O local (CPP) é bastante amplo e vizinho a uma região conflagrada com muito barulho, inclusive de tiros. A investigação vai dizer se os policiais que estavam de plantão tinham ou não condições de ouvir o que ocorreu  e ainda tentar chegar a autoria dos fatos. Todas as hipóteses estão sendo levadas em conta —  disse o oficial, que confirmou que a PM tem feito operações no Morro do Adeus.

— Nossa produtividade ali aumentou bastante — concluiu.

Em nota, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que as circunstâncias do fato, ocorrido no pátio da CPP, serão apuradas e que a guarda do local foi reforçada.

A Coordenadoria de Polícia Pacificada foi um dos símbolos da ocupação do Morro do Alemão. No início da manhã de 28 novembro de 2010, policiais militares, federais, civis e agentes das Forças Armadas começaram a ocupar o Conjunto de Favelas. Em 2015, após os tiroteios voltarem a ser frequentes na comunidade, a CPP informou que não descartava uma ocupação completa do Complexo. Um centro de comando do Comando de Operações Especiais (COE), instalado dentro da CPP, monitorava a ação das forças especiais e avaliava se seria necessária a ocupação completa.

Por determinação da CPP, na ocasião, o contêiner da Base Avançada do Alemão, que ficava na Rua Canitar, foi retirado. Em seu lugar, foi montado um ponto de fortificação.

Especialistas destacam gravidade do ataque e criticam falta de propostas do governo para segurança

Para a socióloga Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Cândido Mendes, o ataque foi um "episódio gravíssimo". Na sua opinião, uma ação dessa natureza afasta a ideia muitas vezes difundidas de que o crime organizado atua apenas de forma intempestiva e não calculada.

— Esse atentado é muito grave, tem efeito simbólico muito intenso. Embora sem vítimas físicas, felizmente, deixa uma marca de que os grupos armados criminosos estão voltando a tomar conta de áreas inteiras da cidade. Essa facção está fazendo vários movimentos agressivos, ostentatórios e provocadores. Às vezes, pensamos que é tudo improvisado, mas um espisódio assim revela outra face. Foi uma ação com fim simbólico, de tentar expressar ideia de supremacia, além de servir de recado a outras facções. Nem digo que o ataque enfraqueça somente a UPP, mas a polícia como um todo.

Já o antropólogo e ex-oficial do BOPE, Paulo Storani acredita que o modus operandi das facções criminosas se baseia no improviso, o que seria ainda mais perigoso.

— Acho que os narcotraficantes agem por instinto, seja por alguma patrulha no momento, ou alguma apreensão de drogas. Não acho que seja estratégico até porque um ataque assim normalmente é acompanhado de resposta dura da polícia, e o que o traficante menos quer é interferência na sua atividade econômica.

Para Storani, a UPP está enfraquecida por si só, e não necessitaria desses ataques para ser atinjido enquanto política de estado. O especialista ainda critica a demora do governo estadual em formular propostas concretas para a área.

— Nesse momento, já poderia ter apresentado alguma coisa. O Governo Federal apresentou um pacote, mas no Rio não hoouve. O governo, já que temos agora duas secretarias desmembradas na segurança públcia, precisa de alguém para centralizar e coordenar ações de prevenção, o que envolve não só a pasta de segurança, mas também educação, esportes e desenvolvimento social.

Para a Silvia Ramos, o Rio vive hoje um "sentimento de abandono de várias frentes na segurança pública". Apesar de frisar que o governo ainda esteja no seu início, o que impossibilta críticas mais duras, Silvia lamenta a demora para a formulação de propostas concretas. Em relação ao ataque, ela diz que uma resposta vingativa da polícia, de confronto, seria a escolha menos inteligente. O ideal, explica, seria agir com investigação, mas o que pode ser dificultado devido à separação das polícias Civil e Militar em duas secretarias distintas nessa administração.

Durante as eleições, Witzel condenou o projeto das UPPs em diversas ocasiões, e assim escreveu sobre o programa no seu plano de governo: "A UPP, vitrine política da situação, acabou se tornando um grande fracasso, principalmente após os grandes eventos". Sua proposta, então, seria remodelar as UPPs, mas até aqui não se sabe qual será o plano exato. No ano passado, a Intervenção Federal deu início a processo de desativação de unidades,  e hoje o total é de 29, quando antes eram 38. Atualmente, há projeto de lei na Alerj para tratar da extinção da UPP.

— O governador tem sido extremamente confuso nas suas declarações sobre segurança. Está no início, mas esperávamos que um governo que colocava segurança como prioridade já tivesse apresentado um programa de segurança claro para população. Não só metas e indicadores, mas o que será feito para mudar as estruturas da polícia — afirmou Silvia, que destacou principalmente a necessidade de modernização da Polícia Militar. — Hoje a polícia do Rio é uma das mais atrasadas, ainda faz boletim de ocorência no papel, os batalhões não são informatizados. São questões elementares.

Na mesma linha, o sociólogo Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da UERJ, afirma que o impacto do ataque é simbólico. Ele teme que o episódio seja usado como argumento por alguns setores para atacar diretrizes originais da UPP e forçar sua mudança de linha diferente da polícia de proximidade. Para o professor, o projeto está abandonado.

— A proposta do governador é matar gente, atirar na cabeça; ele não tem proposta de segurança. Algumas coisas que ele fala não faziam parte nem de núcleos mais extremos da polícia. E nossa história provou que segurança pública não funciona nessa lógica de confronto — analisa Cano, que se disse surpreso com a facilidade com que bandidos atacaram a CPP. — Para mim, sugere que não havia sequer vigia no local. Como as UPPs têm perdido força e território, imagino que a coordenadoria tenha ficado enfraquecida também, com menos policiais.

Presidente da Associação de Oficiais Militares Estaduais do Rio de Janeiro, Coronel Fernando Belo, diz que o ataque à coordenadoria é um ataque contra o Estado.

— Atacaram de forma a mandar recado, atingindo o patrimônio particular de policiais que representam o estado, então consequentemente o estado democrático de direito está sendo atingido de forma frontal. É necessário que se adote procedimentos rigorosos contra isso. —  disse Belo.

Crítico do projeto das UPPs desde o seu princípio, o coronel afirmou que a classe ainda está na expectativa pela apresentação de projetos do governo estadual.

— Esperamos que o secretário da PM, que tem inclusive experiência como coordenador das UPPs, possa dar uma nova roupagem ao programa, pautado pelo aspecto técnico, e não político — afirmou o coronel, que disse que, se fosse ele, extinguiria todas unidades, para depois reativá-las com outro perfil. — Na realidade as UPPs nunca existiram, pois os policiais não foram devidamente preparados e os outros entes administrativos não estiveram presente nas comunidades, somente os policiais. Hoje temos um déficit de 20 mil no efetivo da PMERJ, se as unidades forem desativadas, podemos melhorar esse número, e depois reativar o programa sem politicagem.