Por Luiza Garonce, G1 DF


Polvos de crochê ajudam a acalmar bebês prematuros — Foto: Giuliano Gomes/PR Press

O secretário de Saúde do Distrito Federal, Humberto Fonseca, afirmou ao G1 nesta quarta-feira (3) que o Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) começou a desenvolver estudos para mensurar os benefícios dos polvos de crochê em incubadoras de recém-nascidos. Segundo ele, as pesquisas e testes pretendem criar bases científicas para o método terapêutico que tem sido utilizado durante o desenvolvimento de bebês prematuros.

"Os estudos vão começar a surgir agora. Sabemos que não faz mal. Mas não temos a comprovação de que, por exemplo, os bebês identificam os tentáculos como o cordão umbilical."

No último mês, o Ministério da Saúde enviou uma nota técnica a todas as secretarias estaduais do país para informar que não recomenda o uso dos polvos. No entanto, a pasta informou que não significa que o polvo esteja proibido ou que faça mal aos bebês.

"O ministério não deixa de recomendar [o uso do polvo de crochê] em nenhum momento. Ele ressalta que a presença de alguns brinquedos é até benéfica. O que se verifica – e que é verdade – é que não há estudos científicos que demonstrem os benefícios", disse Fonseca.

De acordo com a Secretaria de Saúde, cerca de cem servidores atuam no projeto de estudos desde o dia 17 de abril. A equipe inclui médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e fisioterapeutas da UTI Neonatal do Hmib.

Polvos de crochê — Foto: HSJD/Divulgação

A coordenadora do grupo de pesquisa e chefe da Neonatologia do Hmib, Sandra Lins, disse ao G1 que o objetivo da pesquisa é verificar se o uso da pelúcia reduz o estresse nos bebês, o que "faz aumentar a imunidade, a resposta ao tratamento, ganhar peso e sair da UTI mais rápido."

"Nosso trabalho vai ser baseado na premissa de que quando colocamos o polvo para eles se agarrarem, isso diminui a frequência cardíaca e mantém a saturação de oxigênio mais constante, dois sinais de redução de estresse."

De acordo com a médica, outros métodos de acolhimento já vinham sendo utilizados nas maternidades do DF, como o posicionamento adequado dentro da incubadora "fazendo um ninho", o manuseio especial de bebês com menos de 1,5 kg e o método canguru – que prevê o contato direto, pele a pele, entre bebês e familiares.

"Os polvos de crochê são mais uma ferramenta para trazer o máximo de aconchego e segurança aos bebês. Não estamos substituindo nada, mas acrescentando."

De acordo com a Secretaria de Saúde do DF, as pelúcias são utilizadas nos Hospitais Regionais de Santa Maria, do Gama, de Ceilândia, de Taguatinga, da Asa Norte e no Hospital Materno Infantil de Brasília.

Antes de ir para as incubadoras, polvos de crochê são esterelizados. — Foto: Giuliano Gomes/Agência PR Press

Controvérsia

A nota do Ministério da Saúde enviada ao G1 indica que esse tipo de tratamento não é chancelado pelo ministério – ou seja, a adoção do método é de responsabilidade de cada médico ou gestor local.

"O objeto trata-se, na verdade, de um brinquedo e não há qualquer tipo de comprovação científica na literatura médica nacional ou mundial apontando benefícios ou melhoras com esse tipo de instrumento", diz o texto enviado à reportagem.

A nota técnica é assinada pela Coordenação Geral de Saúde da Criança e Aleitamento Materno do ministério. Segundo as coordenadoras do setor, a melhor forma de cuidar dos recém-nascidos é o chamado método canguru, adotado desde 2000 no país (veja detalhes abaixo).

Faz bem?

Polvo de crochê são usados em hospitais como método terapêutico para bebês recém-nascidos — Foto: HSJD/Divulgação

Segundo os defensores da iniciativa, os polvos envolvem os bebês e aumentam a sensação de acolhimento nas incubadoras, evitando choques e acidentes nas paredes do leito. Além disso, os tentáculos remeteriam ao cordão umbilical da mãe, dando ideia de proteção ao bebê.

“A medicina sabe que o bebê, quando está dentro da barriga, se agarra ao cordão da mãe e isso dá segurança. Por isso, quando a gente passa o dedo perto da mãozinha eles agarram”, disse a médica Sandra Lins.

O neonatologista Marc Ruberto, do Hospital Regional de Santa Maria, diz que o polvo também gera alívio para as mães, conforme os sinais de melhora vão aparecendo nas crianças. "São bebês que ainda precisam de ventilação mecânica, uso de medicamentos e ainda estão em estado grave. Mesmo que ainda sejam muito pequenos, eles fazem a interação com o polvo", afirma.

Virou febre

Os polvos de crochê surgiram em um hospital universitário da Dinamarca em 2013 e ficaram conhecidos como "projeto Octo". No Brasil, uma das primeiras unidades a adotar o método foi o Hospital Regional de Santa Maria, no Distrito Federal. Lá, os bonecos começaram a ser usados no fim de março.

Bebê prematuro com polvo de crochê em UTI do Hospital de Santa Maria, no Df — Foto: Matheus Oliveira/GDF/Divulgação

As pelúcias são feitas em fios 100% algodão, com oito tentáculos de 22 centímetros – muitas vezes, os bichinhos são maiores que as próprias crianças. Antes de serem colocados nas incubadoras, os objetos precisam ser esterilizados para evitar infecções. Em geral, os bebês podem levar os bichos para casa quando recebem alta médica.

O projeto virou febre em todo o país, e foi abraçado por grupos de voluntários que se reúnem para confeccionar os pequenos polvos. Nos últimos meses, a ação foi replicada em hospitais de São Paulo, do Paraná, de Santa Catarina e Minas Gerais.

Polvo ou canguru?

O governo federal classifica os polvos do projeto Octo como um "brinquedo", e nega que a semelhança dos tentáculos com o cordão umbilical seja suficiente para despertar algum conforto extra ao bebê.

Segundo a nota técnica, qualquer brinquedo do tipo – "girafas, sapos, ursos, bonecos, carros" – geraria o mesmo benefício, "desde que respeitadas as normas e protocolos de controle de infecção hospitalar de cada unidade".

Ainda de acordo com o documento, "as evidências mostram que o cordão umbilical, a placenta e as paredes uterinas oferecem outros estímulos e sensações (cheiros, sons, texturas, umidade e o pulsar)". Na prática, o texto diz que o recém-nascido não se engana, e consegue perceber que o polvo não tem relação com o cordão umbilical da mãe.

Projeto das "mães canguru" são referência no tratamento de bebês prematuros — Foto: Francisco França/G1

Em contrapartida, o Ministério da Saúde classifica o método canguru como um "modelo de assistência integral", que começa na gravidez de risco e segue até o recém-nascido alcançar 2,5 kg.

"Dessa forma, o acompanhamento contempla todo o pré-natal, internação materna, parto e nascimento, internação do recém-nascido e retorno para casa. Envolve cuidado humanizado, valorizando, principalmente, o contato pele a pele entre bebê e seus pais, controle ambiental, redução da dor, cuidado com a família e todo suporte necessário com equipe multiprofissional na área de saúde", diz a pasta.

Entre as vantagens oferecidas pelo método canguru – e comprovadas cientificamente, de acordo com o Ministério da Saúde – estão o favorecimento do vínculo pai-mãe-bebê-família, estímulos sensoriais positivos, melhora no desenvolvimento do bebê, estímulo ao aleitamento materno e redução no risco de infecção hospitalar.

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