• Daniele Madureira
Atualizado em
Campanha Doritos Rainbow (Foto: Divulgação)

Campanha Doritos Rainbow, da PepsiCo (Foto: Divulgação)

Ao longo desta semana, cerca de 50 grandes marcas foram às redes sociais com as hashtags #Abaixopl504, #nãoaopl504, #PropagandaPelaDiversidade, #TodoAmorÉBemVindo e #lgbtnãoémáinfluência para protestar contra o polêmico projeto de lei 504/2020, de autoria da deputada estadual Marta Costa (PSD), que tem a intenção de proibir a diversidade sexual na propaganda no Estado de São Paulo.

Segundo levantamento da consultoria Mais Diversidade, com base nos posts no Instagram, Facebook e LinkedIn, a lista engloba desde marcas do mercado financeiro, como Bradesco e Mastercard, até as gigantes de consumo Unilever, Natura, Ambev e Coca-Cola, passando por telefonia (Claro e TIM), transportes (Gol e 99) e indústria (Bayer).

“O projeto abre um precedente muito perigoso, ao incentivar o Estado a legislar sobre o conteúdo criativo das marcas”, diz Mario D’Andrea, presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap). “O nome disso é censura”. Para D’Andrea, a reação dos grandes anunciantes e das agências, que assinaram uma moção de repúdio ao PL 504/2020, mostra o quanto a sociedade está atenta a esse tipo de interferência e o quanto o tema diversidade já faz parte da cultura das grandes corporações.

Um exemplo é a PepsiCo, que é membro do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+ e, no ano passado, recebeu o Selo de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo. Todos os anos a empresa comemora internamente o Ally Day ou Dia do Aliado, no qual os funcionários assinam um compromisso de se tornarem "aliados" da causa LGBTI+. “Também temos políticas e práticas que promovem a equidade para casais homoafetivos, como a licença parental de 6 meses e extensão do plano de saúde”, diz Daniela Cachich, CMO Latam para Alimentos e Bebidas e SVP de Marketing da PepsiCo. “Além disso, as pessoas são estimuladas a usarem o seu nome social ou como preferem ser chamadas no crachá da companhia”, afirma.

Na multinacional americana, a marca escolhida para representar mais de perto a comunidade LGBTI+ foi Doritos. Em 2017, foi lançado o Doritos Rainbow, que tem 100% das suas vendas revertidas para instituições ligadas ao movimento. Em 2020, Doritos lançou a campanha #1Kiss1Donation, na qual qualquer pessoa podia enviar um beijo virtual que a marca reverteu em doações a 10 instituições LGBTI+ no país. A marca também fechou parceria com a Rede Filantropia e oferece cursos online gratuitos a projetos e instituições LGBTI+. “A ideia foi estender a assistência para capacitar e profissionalizar abrigos, pequenas ONGs e projetos que contribuem para a diversidade e inclusão, com aulas sobre temas jurídicos e captação de recursos”, diz Daniela. “Foram doados R$ 1 milhão para as instituições e mais de 2 mil pessoas foram impactadas diretamente e cerca de 50 mil indiretamente”, diz. Segundo a empresa, hoje a marca Doritos é a que apresenta o maior crescimento dentro da categoria de snacks.

Já a varejista de moda Amaro tem 26% de colaboradores LGBTQ+. “Estudos já mostraram que equipes mais inclusivas, com pontos de vista e experiências de vida diferentes, são muito mais criativas e eficientes”, afirma Marcelo Cidral, gerente de mídias sociais e influenciadores da empresa. Para a companhia, a propaganda deve retratar o mundo e as pessoas que vivem nele e gerar identificação com o público. “Temos um comitê de diversidade que participa ativamente de todas as decisões de publicidade e comunicação, para que todos, sem exceção, se sintam representados”, diz Cidral “Valorizamos diferentes etnias, corpos, orientações sexuais e identidade de gênero na nossa comunicação. Os resultados têm sido incríveis, tanto qualitativamente, quanto quantitativamente”, afirma.

A multinacional Reckitt pensa de maneira semelhante. Dona de marcas como Veja, Luftal e Sustagen, a companhia mantém comitês de diversidade nas suas três unidades de negócio: higiene, saúde e nutrição. “A publicidade tem que ser o reflexo positivo da sociedade”, diz Larissa Moré, diretora jurídica e de assuntos corporativos da Reckitt Health & Nutrition Brasil. “Membros da comunidade LGBTQ+ integram os comitês de diversidade, queremos que essas pessoas se enxerguem na empresa e se sintam incluídas”, afirma.

A marca de vodca Absolut, da Pernod Ricard, trabalha a conexão com a comunidade LGBTQ desde 1979, segundo Diego Dumont, gerente regional de marca e conteúdo da Absolut. “Não é uma bandeira que a marca adotou agora, nós acompanhamos a evolução dessa comunidade nas últimas décadas”, diz. Todos os anos, a Pernod Ricard promove a venda da garrafa Rainbow, que traz as cores do arco-íris, e destina parte do valor a ONGs locais que amparam a comunidade LGBTQIA+. “Aqui no Brasil a Casa1 é a parceira do projeto”, afirma. Em 2017, a marca apoiou o lançamento de uma música de Linn da Quebrada e As Baias para o projeto Absolut Art Resistance, que valoriza movimentos artísticos e culturais contraconservadores.

Já o Bradesco afirmou, em nota, que acredita no valor das diferenças e na importância da ampla representatividade em todos os espaços de fala, incluindo a publicidade. “Por meio da plataforma #AliadosPeloRespeito, há alguns anos tem fomentado reflexões importantes sobre diversidade e inclusão de gênero, raça, orientação sexual e de pessoas com deficiência”, informou o banco.
A Natura, cuja campanha do Dia dos Pais no ano passado com o ator e hoje vereador por São Paulo Thammy Miranda ganhou forte repercussão, afirma acreditar na força e o no poder de cada um para a construção de uma sociedade mais plural, diversa e respeitosa.

“Esse valor está expresso em nossas crenças há décadas e presente em nossas campanhas publicitárias e projetos patrocinados, incentivando o orgulho de ser e amar quem quiser”, diz a empresa, em nota. “Quando nos deparamos com uma tentativa de esconder pessoas LGBTQIA+ da publicidade, precisamos levantar a voz e dizer que não aceitaremos censura e retrocesso. Iniciativas como essas não podem prosperar. Juntos, precisamos nos posicionar em nome de todas as histórias que ainda iremos contar”.

Entenda o caso
Na última quinta-feira (22), a votação do projeto voltou a ser adiada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Agendada originalmente para o dia 20, a votação não teve quórum e foi remarcada para quinta. Mas a discussão de outros projetos de lei tomou o tempo dos deputados e agora o PL 504/2020 estará na pauta do Colégio de Líderes da Alesp na próxima segunda-feira (26).  As lideranças partidárias vão decidir, então, se o assunto volta a ser votado em plenário. Abap e ABA (Associação Brasileira dos Anunciantes) seguem pressionando contra a aprovação do texto.


O projeto da deputada Marta Costa deseja proibir em todo o Estado de São Paulo a veiculação de mensagens publicitárias com “alusão a gênero e orientação sexual, ou a movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças”. Segundo o texto do PL, “em vários países a divulgação de qualquer material no sentido do que estabelece este projeto de lei vem sofrendo sérias e adequadas restrições a fim de impedir desconfortos sociais e atribulações de inúmeras famílias e situações evitando, tanto a possibilidade, quanto a inadequada influência na formação de jovens e crianças”.

“É um projeto de lei muito mal redigido, que não deixa claro qual o seu foco – afinal, não existe propaganda de ‘movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças’, nem sequer personagens homoafetivos nesta faixa etária”, diz o advogado Marco Sabino, diretor da Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens (Abral). A associação reúne empresas responsáveis pelo licenciamento de grandes marcas voltadas para o público infanto-juvenil, como Mauricio de Sousa, Gloob e Galinha Pintadinha.

Na opinião de Sabino, membro da Comissão de Liberdade de Expressão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, ao não indicar claramente o que deseja limitar, o PL 504/2020 se torna ameaçador. “O projeto cita como penalidade multa e o fechamento do estabelecimento que atuar na divulgação, o que parece ser algo físico, e não a internet, por exemplo”, diz ele. “É algo amplo e ininteligível o que o torna muito perigoso porque pode englobar tudo, qualquer coisa relacionada ao tema”.

Para Mario D’Andrea, da Abap, a confusão do texto é proposital. “O projeto é ambíguo e genérico para poder abarcar qualquer coisa”, afirma. O publicitário afirma que, acima de tudo, o texto é inconstitucional. “A Constituição Federal estabelece a exclusividade da União em legislar sobre publicidade comercial”, diz.

No texto do PL 504/2020, a deputada parece querer se resguardar deste ponto, quando diz que “é nossa intenção limitar a veiculação da publicidade que incentive o consumidor do nosso Estado a práticas danosas, sem interferir na competência Legislativa exclusiva da União, no que diz respeito à propaganda comercial, que, de caráter geral, não impede que o Estado legisle a respeito de assuntos específicos, como é o caso deste projeto de lei”.

“É algo completamente surreal”, diz Sabino. “Como um anunciante vai promover uma campanha em nível nacional, se cada Estado decidir ter legislações específicas para a propaganda comercial?”, questiona.