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Autor carioca lança livro escrito no celular durante viagens de trem

Jessé Andarilho é o primeiro escritor da festa literária a ser lançado por uma grande editoria

Criado em Antares, Jessé Andarilho diz que costuma incluir conversas que ouve no trem em seus livros
Foto: Ana Branco
Criado em Antares, Jessé Andarilho diz que costuma incluir conversas que ouve no trem em seus livros Foto: Ana Branco

RIO - Reprovou cinco vezes a sétima série. Faltava às aulas e, quando ia, sentava com a turma do fundão. Por muito tempo não gostava de ler, mas acabou virando escritor. O menino criado em Antares, favela na Zona Oeste, filho de um vendedor de cuscuz e uma vendedora de sonhos, andava tanto pelo Rio que ganhou um apelido dos amigos: andarilho. E é assinando assim, Jessé Andarilho, que lança seu primeiro romance, “Fiel”, hoje, às 19h, na Livraria Cultura Cine Vitória.

Jessé é o primeiro autor das oficinas da Festa Literária das Periferias (Flupp) a chegar a uma grande casa editorial. O livro sai em coedição da Objetiva e da Favela Holding, empresa de Celso Athayde, ex-presidente da Central Única das Favelas (Cufa), que ainda têm os novos livros de Athayde e de MV Bill para lançar. Baseado em histórias reais que ocorreram com Jessé, amigos e conhecidos, “Fiel” narra a ascensão e a queda de um menino envolvido com o tráfico carioca.

— Meu irmão diz que eu sou sonhador desde cedo. Ele até brincava dizendo que em vez de arrumar um trabalho “sério”, eu queria ser escritor: “Você não gosta nem de estudar e vai escrever?”, ele perguntava — lembra Jessé, rindo.

O jovem autor escreveu seu romance de um jeito que muito profissional das letras acharia difícil: no bloco de notas do celular, nas viagens de trem entre a estação Tancredo Neves e a Central do Brasil. Somando ida e volta, ele costuma gastar três horas de viagem. Sem computador, passava tudo a limpo para um caderno, também no trem. Hoje, Jessé já tem um computador, mas continua a escrever no celular, onde hoje tem armazenados seis livros em andamento, além de poesias.

— Trem tem muito barulho. Quando eu estou aqui focadão e tem alguém conversando, eu paro e presto atenção. Às vezes até rio com a pessoa. E acontece de a conversa vir parar no meu texto — diz Jessé.

O autor já trabalhou como assistente administrativo e consertador de celular e já teve um lava-jato em Antares — que lavava mais tapete, cachorro, caixa d’água, tênis e bicicleta do que carro, já que pouca gente tinha automóvel na área. O primeiro livro que leu, já adulto, foi “No coração do comando”, de Julio Ludemir, e tomou gosto. Quando contou esse fato ao autor, durante a Flupp, Julio foi às lágrimas. De lá para cá, já gostou de Júlio Verne, Camus e George Orwell.

— Quando li “A revolução dos bichos” achei que tinha tudo a ver com a favela, quando uma facção toma o morro, e às vezes acaba sendo pior para todos — afirma o autor.

As andanças de Jessé pela cidade o ajudaram a se transformar em escritor. Com pais divorciados que não se falavam, ele dizia para um que estava dormindo na casa do outro e aproveitava para ir a festas. Como não podia chegar de madrugada, sob o risco de ser descoberto, lembra de dormir nos ônibus e ficar circulando por aí. Acabava fazendo muitos amigos nas madrugadas passadas nos coletivos. Agora, essas histórias reais alimentam sua ficção.