Por Profissão Repórter

Profissão Repórter - Negacionistas - 11/12/2019

Profissão Repórter - Negacionistas - 11/12/2019

O Profissão Repórter investiga porquê um terço dos brasileiros ainda desconfia da ciência. A equipe do programa entrou no mundo dos negacionistas e conversou com pessoas que acreditam que a Terra é plana, que o aquecimento global não existe e um movimento antivacina HPV no Norte do país.

TERRA PLANA

Em São Paulo, os repórteres Gabriel Mitani e Julio Molica foram acompanhar a primeira conferência nacional de terraplanistas. Os ingressos para o evento custaram entre R$ 50 e R$ 110. Todos os palestrantes foram pessoas que possuem canais em redes sociais para falar sobre a Terra plana.

Organizador do evento, Jean Ricardo Martins conta que conheceu a maioria dos palestrantes através das redes sociais. "A maioria eu conheci através das redes sociais. Elas são pessoas simples, que trabalham, não são especialistas, não são cientistas, mas são questionadores."

O empresário Anderson Neves conta que foi ao evento porque possui um livre pensamento. "Nós terraplanistas, no geral, somos cidadãos comuns. Mas nós exercemos nosso livre pensamento. Não sou obrigado a ficar acreditando ou seguindo fatos supostamente científicos como se fosse uma religião."

Entre os palestrantes, muitos citam passagens da bíblia em suas falas. O fato é explicado pelo escritor Jota Marthins, que cita o embasamento do livro para algumas questões em relação à Terra plana. "Existem pessoas que acreditam mais no lado religioso porque a bíblia dá embasamento para isso.

Modelo de Terra plana — Foto: Reprodução/TV Globo

O escritor também diz acreditar que, diferentemente da Terra, o Sol e Lula são esféricos e cita o uso de telescópios, mas descarta a existência de satélites e diz que existe uma conspiração mundial.

"Sim, são totalmente esféricos. Pelo menos o que a gente pode ver e observar em telescópios e câmeras é que eles são esféricos. Nos satélites não, não é nem questão de acreditar, é de provar se existem ou não. Existe uma conspiração mundial. Só que, infelizmente, a gente não pode desenrolar essa conspiração. Hoje nós podemos falar que mentiram sobre o formato da Terra."

Não é só no Brasil que existem pessoas que acreditam que a Terra seja plana, a equipe do Profissão Repórter também foi aos Estados Unidos para acompanhar de perto uma conferência que discute o assunto.

No estado do Texas, Gabriel Mitani e Julio Molica conheceram o artista plástico Chris Pontius, que faz modelos da Terra plana. Mostrando um dos seus trabalhos, ele resume o terraplanismo.

"Pelo o que temos estudado, a Terra não se move. Nós estamos estacionados. Para o terraplanismo tudo se move ao nosso redor."

Com dois dias de palestras, a conferência sobre Terra plana nos Estados Unidos possui ingressos que custam US$ 250. Assim como na versão brasileira, os palestrantes também são youtubers e apresentam ideias bem parecidas como: o homem nunca foi à Lua, a Nasa é uma grande mentira, as fotos tiradas do espaço usam lentes que arredondam o formato da Terra.

Artista plástico Chris Pontius conversa com o repórter Gabriel Mitani — Foto: Reprodução/TV Globo

A dona de casa Nicole Boon levou a filha de nove anos para o evento. Ela revela que educa a filha em casa. "Ela é educada em casa, nosso método é: todos os dias ela acorda com alguma pergunta e nós vamos descobrir. Eu não sei tudo, não acho que os professores saibam tudo e não acho que alguma pessoa saiba toda a verdade. Vamos todos descobrir isso juntos."

Questionada se também não acredita na eficácia das vacinas, Nicole diz que sim, que está grávida e não pretende ir ao médico fazer exames.

"Sim, com certeza. E eu tenho um bebê no forno, já estou grávida há quatro meses e ainda não fui ao médico e nem pretendo ir."

VACINAS

No Brasil, o câncer de colo do útero é o terceiro com a maior incidência entre as mulheres. Na região Norte do país, é o primeiro. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a principal forma de se prevenir contra essa doença é a vacina contra o vírus do HPV. Mas no Acre, um grupo de mães tem se mobilizado contra essa vacina. O repórter Estevan Muniz foi até lá para entender os motivos da não confiança das pessoas na vacina.

A vacina contra o HPV é considerada segura por mais de 100 países. Nos Estados Unidos, a vacinação diminuiu quase 90% a infecção oral pelo vírus. Na Austrália, a prevalência de HPV caiu de 22% para 1,5% da população em 10 anos.

A dona de casa Edilene Santos conta que a filha começou a apresentar sintomas duas semanas depois de tomar a segunda dose da vacina contra o HPV.

"Ela possui tremores. Algumas noites ela não consegue dormir porque os tremores são grandes. Uma menina que era totalmente saudável, que jogava na federação, que tinha um sonho de estudar fora do país. Hoje minha filha é totalmente dependente de mim como se fosse um bebê."

Hoje, ela faz parte um grupo do Whatsapp de mães que se uniram contra essa vacina. E para algumas mães, a desconfiança acabou se expandindo para outras vacinas.

"Eu sei que posso prejudicá-lá, que tenho que fazer isso, mas eu tenho pânico", explica Edilene sobre o receio de vacinar a filha.

A também dona de casa Francisca Verçosa diz que três filhos dela começaram a apresentar sintomas depois de começarem a tomar a vacina contra o HPV.

"Meus filhos antes de tomar a vacina, eles eram saudáveis. Eles não tinham esse tipo de coisa, de doença. A parte mais constrangedora é quando a gente chega nos hospitais e dizem que é fingimento, que é coisa da cabeça dos filhos."

Francisca Verçosa explica o motivo de não acreditar em vacinas — Foto: Reprodução/TV Globo

Vídeos de meninas com algum tipo de problema de saúde começaram a circular nas redes sociais. Isso uniu os pais e mães das crianças que tinham acabado de receber a vacina. Pelo menos 85 mães, em situação parecida, recorreram ao Ministério Público do Acre, que pediu esclarecimentos do governo do estado e ao Ministério da Saúde. Um estudo foi encomendado à Universidade de São Paulo. 12 adolescentes que apresentaram sintomas neurológicos mais gravas passaram por exames no Hospital das Clínicas, em São Paulo.

"Desses 12 jovens avaliados, 10 com certeza têm o que a gente chama de crises não-epiléticas psicogênicas. É uma crise que, clinicamente, se assemelha a uma crise epilética, uma convulsão. Mas ela não ocorre por uma atividade elétrica cerebral anormal. Ela ocorre por um mau funcionamento do sistema nervoso central. Isso não é uma simulação, nenhuma dessas meninas deveria estar forjando isso ou produzindo isso para chamar a atenção. Esse é um problema de saúde grave, sério e que se não for tratamento de maneira específica leva a esse tipo de consequência que estamos vendo", explica José Gallucci Neto, que é psiquiatra do Hospital das Clínicas - USP.

Perguntado se algum componente da vacina contra a HPV pode causar a crise não-epilética psicogênica, o médico diz que a vacina é segura.

"A vacina é segura, os componentes da vacina são bem estudados. Não tem nenhuma relação com doença psicogênica."

Ainda segundo o psiquiatra José Galluci Neto, a Organização Mundial da Saúde prevê uma reação de ansiedade na criança ou no adolescente na hora na vacinação. Isso pode se dar com qualquer vacina ou em outra situação de estresse. Essa reação de ansiedade pode desencadear comportamento inesperado, sinais e sintomas de adoecimento. A Universidade de São Paulo recomenda que essa informação passe a constar na bula das vacinas.

O Ministério da Saúde reconhece que houve uma demora de anos para que as famílias tivessem um diagnóstico e que a substância da vacina não tem relação com a doença dos filhos.

A Secretaria da Saúde do Acre admite que houve falhas no atendimento a jovens que apresentaram os sintomas e que essa falhas reforçaram a descrença nas vacinas.

O repórter Estevan Muniz também foi até o estado da Flórida, nos Estados Unidos, para conversar com um jovem que é um ativista em prol das vacinas. Ele faz campanhas para conscientizar pessoas a se vacinarem.

O economista brasileiro Pedro Pimenta teve que amputar os braços e as pernas aos 18 anos quando teve um tipo raro de meningite. Na época era impossível de se imunizar, os médicos davam 1% de chance de ele sobreviver. Hoje, ele capacita outros amputados e faz campanhas em prol da vacinação.

"Eu achava que ia ficar em uma cadeira de rodas. Que se eu tivesse prótese eu só usava na fisioterapia."

Economista Pedro Pimenta perdeu os quatro membros após ter meningite — Foto: Reprodução/TV Globo

Independente, Pedro vive sozinho e segue uma rotina comum. Ele trabalha, vai para a academia e dirige. Perguntado sobre o movimento antivacina, o economista diz que há uma corrente de desinformação muito grande.

"Como alguém pode ser antivacinação? Você vê os gráficos, toda vez que a vacina é introduzida em uma sociedade a doença despenca e a gente tem aí uma corrente de desinformação muito grande, de paranoia. A doença não se manifestação porque as pessoas estão protegidas. A partir do momento que as pessoas não estão protegidas há uma chance de a doença voltar, como houve agora com o sarampo.

AQUECIMENTO GLOBAL

No Nordeste, a repórter Mayara Teixeira revisitou alguns lugares já exibidos em programas anteriores do Profissão Repórter sobre mudanças no clima. Ela conversou com moradores das regiões, como o criador de gado Valdir Menezes, que viu parte de sua criação morrer devido à seca em Pernambuco. Neste ano, 54 municípios do estado decretaram situação de emergência por causa da seca.

"Antigamente não era assim não. Quando eu era menina a gente tinha certeza quando era dezembro e janeiro a gente estava plantando e chegava chuva. Eu achei que mudou para pior. "

As queimadas, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, são uma das causas do agravamento do efeito estufa. E esse agravamento contribui para o aquecimento global.

Segundo a Organização Meteorológica Mundial, os últimos quatro anos foram oficialmente os mais quentes da história. E a ONU afirma que é preciso tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos.

Cientistas dizem que o planeta sempre encontra um equilíbrio entre a energia que recebe do sol e a energia que consegue refletir para fora da Terra, em forma de calor. Esse processo depende dos gases do efeito estuda. Se eles estão em níveis normais, a troca de energia ocorre sem problemas. Se há um excesso de gases - por conta do alto nível de poluentes emitidos pelo homem, por exemplo - a energia não é refletida para o espaço e as temperaturas aumentam no planeta.

Mas há uma minoria na ciência que nega a tese de que poluentes emitidos pela ação do homem interfiram no aquecimento em escala globa como o geógrafo José Bueno Conti.

"A ação humana não é a causa. A ação humana só pode provocar mudanças na escala local. Por exemplo, uma grande cidade com concentração de edifícios, de veículos e área construída aumenta a temperatura, sem dúvida nenhuma e provoca a chamada ilha de calor urbano."

GeógrafoJosé Bueno Conti — Foto: Reprodução/TV Globo

Mas a maioria da comunidade científica diz que a ação do homem gerando poluentes interfere sim na aceleração do aumento das temperaturas em todo o planeta.

"Aquele poluente gerado por aquela região entra na atmosfera e, consequentemente, está sujeito a se transportado para outras áreas do globo. Claro que São Paulo sozinha, a cidade, não tem o potencial de mudar o clima global. Mas a somatória de todas as emissões de áreas urbanas do mundo combinadas, eles têm esse impacto", explica meteorologista Nilton Évora do Rosário.

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