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Por Maria Cristina Fernandes — De São Paulo


Ubiratan de Paula Santos: “A situação estaria melhor se as equipes de saúde da família não tivessem sido tão reduzidas” — Foto: Carol Carquejeiro/Valor
Ubiratan de Paula Santos: “A situação estaria melhor se as equipes de saúde da família não tivessem sido tão reduzidas” — Foto: Carol Carquejeiro/Valor

Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e responsável por um dos ambulatórios de doenças respiratórias do Hospital das Clínicas, o pneumologista Ubiratan de Paula Santos assiste pela primeira vez, em seus 40 anos de medicina, a tempestade perfeita na saúde pública: a conjunção de uma epidemia agressiva com um sistema de saúde fragilizado.

Em obediência às regras internas do seu departamento, que limita a presença ambulatorial de médicos e enfermeiros acima de 60 anos e portadores de doenças de risco, o pneumologista de 68 anos não está na linha de frente onde é feita a triagem e o atendimento direto, mas vai todos os dias ao HC, onde fica na sala dos pneumologistas para a discussão dos casos clínicos, conversa com funcionários e acompanha a rotina do hospital no enfrentamento do coronavírus.

Pelos problemas que lhe chegam, conclui que a reação à pandemia poderia ser muito mais ágil se o Brasil não tivesse enfraquecido as equipes de saúde da família. Preocupa-se com a inexistência de protocolos básicos como a medição de temperatura daqueles que chegam para trabalhar no hospital ou a ausência de fardamento que possibilite a troca diária de roupa dos funcionários da limpeza.

Defende uma reconversão industrial para equipamentos e insumos hospitalares, a exemplo do que foi feito na Segunda Guerra Mundial para as tropas que estavam no campo de batalha. “Também estamos em guerra”, diz ao Valor, em entrevista feita por telefone. A seguir, os principais trechos:

Valor: O que sua rotina no HC tem lhe mostrado sobre o enfrentamento da epidemia?

Ubiratan de Paula Santos: As carências pelas quais o SUS passa hoje deveriam guiar um grande projeto de reconversão industrial. Da mesma maneira que, na Segunda Guerra Mundial, a indústria se converteu para produzir armas e fardamento para as frentes de combate, hoje precisa se voltar para os insumos hospitalares, máscaras, lençóis e aventais. Também estamos em guerra. Precisamos tanto produzir respiradores a baixo custo quanto cuidar das condições de trabalho de quem está na ponta da linha. Os funcionários que fazem a limpeza dos hospitais usam a mesma roupa de segunda a sexta. Colocam a farda quando chegam no hospital, passam o dia circulando pelos leitos e depois vão para casa. Muitos moram em lugares insalubres e de alta densidade demográfica. Quando voltam no outro dia colocam a mesma roupa porque não há outra para trocar.

Valor: Mas não há um protocolo em relação a isso?

Santos: Não. Os funcionários são, em sua maioria, terceirizados. E todos os contratos dos hospitais acabaram muito achatados pela falta de recursos. Há alguns cuidados básicos que deveriam ter sido estabelecidos e que não foram, como, por exemplo, medir a temperatura de todo mundo que chega para trabalhar. São pessoas que estão no contato diário com o paciente. Tampouco vejo protocolos em relação a pessoas que atuam nos serviços básicos do país, na manutenção da rede de energia e de água ou da coleta de lixo. São pessoas que pegam transporte público e continuam a trabalhar normalmente. O monitoramento das condições de saúde dessas pessoas tem que ser acompanhado mais de perto porque são elas que mantêm o país rodando.

Valor: O que poderia ter sido feito para o Brasil chegar a essa pandemia mais bem aparelhado para enfrentá-la?

Santos: A saúde pública estaria melhor se as equipes de saúde da família não tivessem sido tão reduzidas. A ideia original era atingir todo o território nacional, mas até no município de São Paulo há áreas descobertas. E muitas das equipes operam sem médicos ou treinamento específico para os enfermeiros, auxiliares de enfermagem ou agentes de saúde. Há muita dificuldade de reposição dos profissionais. No início deste governo se rompeu a cooperação dos médicos cubanos para o programa Mais Médicos. O programa foi reformulado, excluindo as regiões metropolitanas. Recuaram, mas só agora estão sendo elaborados os editais para a contratação de médicos. Em São Paulo, das 5,4 mil equipes de saúde da família, cerca de 2 mil contavam com médicos do programa, dos quais mil eram cubanos. Foi graças a esse atendimento domiciliar que a Alemanha conseguiu ter uma das mais baixas taxas de mortalidade da Europa.

Valor: Foi o atendimento domiciliar que evitou a superlotação dos hospitais?

Santos: Sim. Com um bom programa de saúde da família você consegue mapear onde estão as comunidades com mais pessoas idosas ou portadores de doenças crônicas e agir preventivamente para evitar a contaminação, medir a temperatura e orientar onde pode ser feito o teste. Agora mesmo no início da campanha de vacinação, as equipes de saúde da família poderiam ser muito úteis. Em São Paulo há uma boa capilaridade de Unidades Básicas de Saúde, mas não é assim em todo lugar. Essas pessoas têm que ser orientadas porque têm dúvidas se devem pegar ônibus ou não e onde podem ser vacinadas.

Valor: Alguns hospitais públicos de referência, como o Hospital das Clínicas e o Hospital São Paulo, mantêm atendimento a convênios, a chamada dupla porta. Como esse procedimento tem funcionado durante esta epidemia?

Santos: É um recurso aos quais os hospitais e os médicos acabaram recorrendo para repor a falta de recursos do SUS e garantir uma renda extra. Provoca situações como a de um paciente que, dependendo do andar em que esteja do hospital, pode ter seu exame marcado em uma semana ou um ano. É inadmissível que continue a ocorrer durante esta epidemia. O critério de atendimento deve ser um só, o da gravidade. Mas, pelas informações de que disponho, no Incor e no Complexo do Hospital das Clínicas, pelo menos, as áreas de atendimento a convênios e particulares foram reduzidas quase por completo, tanto pela redução de procura quanto pelo cancelamento de consultas de rotina por parte dos médicos. Minha impressão é de que, durante a crise, na prática, a dupla porta deixará de existir.

Valor: O ministro da Saúde estimou uma longa duração para esta epidemia com declínio de casos apenas em agosto e setembro. Confere?

Santos: Os próximos dez dias vão ser muito importantes para aferir isso. Nossa curva é parecida com a italiana e fazemos poucos testes. Tudo vai depender das medidas que forem tomadas, mas não sou infectologista e não tenho como contestar essa estimativa. Só acho que seriam bem vindas medidas como o fechamento de divisas nos Estados do Nordeste, por exemplo, onde a rede hospitalar é mais carente e com menos leitos de UTI. Se a doença se massificar lá é uma situação muito grave.

Valor: E em condições piores de saneamento...

Santos: Sim, não dá para uma comunidade ficar sem água num momento desses. Uma empresa como a Sabesp, por exemplo, que é superavitária, deve reforçar os procedimentos e informar ao centro de gerenciamento de crise sobre eventuais problemas no fornecimento.

Valor: Houve uma corrida às farmácias nos últimos dias para a aquisição da hidroxicloroquina. Há alguma evidência científica de que funcione?

Santos: Há dois estudos sem indicações precisas. Não há nada consistente sobre seu uso nesta epidemia. Quem tem artrite reumatoide e tem prescrição de uso deve continuar a tomar. Mas não se deve comprar e estocar. Pode faltar para quem precisa, de fato.

Valor: Durante a campanha eleitoral, houve um grande engajamento da comunidade médica no bolsonarismo, em parte pela reação ao programa Mais Médicos que trouxe profissionais cubanos para o país. Estão arrependidos?

Santos: A maioria prefere dizer que não votou, esqueceu em quem votou ou votou em branco. Já vinham críticos por conta do comportamento do presidente em relação à ciência e agora com a crise o caldo entornou. Muitos ainda não têm consciência do dano que um voto pode causar, mas pelo menos hoje estamos todos imbuídos da mesma consciência de que é preciso recuperar a capacidade de intervenção do SUS. Este governo tem o discurso de que a fiscalização e a vigilância atrapalham a produção. E não é assim. Estamos vendo no que dá o desmonte. O fortalecimento do SUS cresceu como uma bandeira comum a todos.

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