Política CPI da Covid

'Divergências com Bolsonaro sobre eficácia da cloroquina motivaram minha saída', diz Teich à CPI da Covid

Sucessor de Mandetta se queixou de falta de 'autonomia' em depoimento a senadores sobre sua gestão à frente do Ministério da Saúde durante a pandemia
Ex-ministro da Saúde Nelson Teich durante depoimento na CPI da Covid Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Ex-ministro da Saúde Nelson Teich durante depoimento na CPI da Covid Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

BRASÍLIA — O ex-ministro da Saúde Nelson Teich prestou depoimento nesta quarta-feira na CPI da Covid sobre sua curta gestão no Ministério da Saúde, onde ficou por apenas 29 dias. Teich confirmou, como havia feito em entrevista ao GLOBO em dezembro de 2020 , que sua saída se deu em razão da pressão pela utilização de medicamentos sem embasamento científico, com destaque para cloroquina. A sessão teve início às 10h20 com uma homenagem ao ator e humorista Paulo Gustavo, que morreu ontem em razão de complicações da Covid-19 . O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), pediu um minuto de silêncio.

Leia: Renan diz que depoimento de Mandetta na CPI da Covid mostra que Bolsonaro divergiu das orientações científicas

Durante o depoimento de Teich os senadores governistas criticaram a possibilidade de a bancada feminina se manifestar na CPI, mesmo não tendo integrantes da comissão. Houve bate-boca e a sessão chegou a ser supensa por alguns minutos.

Em sua fala inicial na CPI,  Nelson Teich disse que optou por deixar o cargo por perceber que não teria autonomia e liberdade para atuar no combate à pandemia. Ele citou divergências sobre o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19 por considerar que não havia base científica para a recomendação do medicamento, que foi reiteradamente defendido pelo presidente Jair Bolsonaro.

CPI da Covid: Randolfe e Renan querem convocar Paulo Guedes

— Essa falta de autonomia ficou mais evidente em razão das divergências com o governo quanto à eficácia e extensão da cloroquina no tratamento de Covid-19. Enquanto minha convicção pessoal, baseada em estudos, era de que naquele momento não existia eficácia para liberar, havia um entendimento diferente do presidente, que era amparado por outros profissionais, até pelo Conselho Federal de Medicina. Isso foi o que motivou minha saída. Sem liberdade de conduzir o ministério conforme minhas convicções, decidi deixar o cargo — disse Teich.

Cloroquina 'inadequada'

Durante a oitiva, Teich disse em resposta ao relator Renan Calheiros (MDB-AL) que não participou de decisões, nem foi consultado sobre a produção de cloroquina pelo Exército na sua gestão.

— Eu não participei disso, se aconteceu alguma coisa foi fora do meu conhecimento — declarou.

Renan, que iniciou os questionamentos, perguntou então se a adoção da cloroquina macula a imagem do Ministério da Saúde, Teich respondeu:

— É uma conduta que para mim era inadequada.

O ex-ministro disse que havia uma preocupação do "uso indevido" de medicamentos, não apenas da cloroquina.

Em depoimento na CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde Teich confirmou, como havia feito em entrevista ao GLOBO em dezembro de 2020, que sua saída se deu em razão da pressão pela utilização de medicamentos sem embasamento científico
Em depoimento na CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde Teich confirmou, como havia feito em entrevista ao GLOBO em dezembro de 2020, que sua saída se deu em razão da pressão pela utilização de medicamentos sem embasamento científico

— [A cloroquina] é um medicamento que tem efeitos colaterais. Essencialmente era a preocupação do uso indevido. Isso vale não para a cloroquina, mas para qualquer medicamento — afirmou.

Teich disse, ainda, que a única questão que gerava discussão era a cloroquina. De acordo com ele, o seu pedido de demissão ocorreu justamente pelo pedido de ampliação do uso do medicamento contra a Covid-19. O ex-ministro avalia que, embora tenha sido um ponto específico, "isso refletia uma falta de autonomia" no Ministério da Saúde.

Teich também comentou a decisão do governo de ampliar o rol de atividades essenciais sem consultá-lo. Ele, que era ministro à epoca, estava no meio da entrevista quando foi informado pela imprensa, sendo surpreendido.

— Aquilo foi uma situação ruim. Até conversei com eles depois em relação a isso. Eles até pediram desculpa. Aquela condução foi ruim, trouxe uma percepção ruim para todo mundo — disse Teich.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) destacou declarações dadas mais cedo por Bolsonaro. O presidente disse que quem é contra cloroquina e não apresenta alternativas é canalha e atua por interesse econômico, e insinuou que a China poderia ter criado a Covid-19 como parte de uma "guerra química"

— Eu não concordo com nenhuma delas [declarações] — disse Teich.

Teich disse inicialmente que não participou de reunião para tratar de cloroquina, mas que o assunto acabou sendo mencionado em algumas ocasiões. Em seguida, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) mencionou a agenda do ex-ministro no dia 23 de abril de 2020, disponível na página do ministério na internet, em que consta uma reunião com Bolsonaro no Palácio do Planalto, para que o Conselho Federal de Medicina (CFM) pudesse apresentar um estudo sobre o uso da cloroquina no combate a Covid-19. Diante disso, Teich reconheceu que houve sim essa reunião.

— Desculpa. Houve sim. Pode colocar que sim. Muda o que eu falei — disse Teich.

Depois afirmou citando um documento que valida o uso do medicamento "de acordo com critério médico" :

— O presidente do CFM apresenta um documento em que valida o uso de cloroquina em pacientes com doença leve ou moderada, desde que de acordo com critério médico. Essencialmente foi isso  — disse.

Cloroquina em aldeias

Teich afirmou que a sua posição era contra a distribuição de cloroquina em aldeias indígenas. Ele disse que, enquanto ministro, não teve conhecimento da iniciativa e, se tivesse, não teria permitido. O GLOBO revelou na semana passada que o governo orientou e distribuiu o chamado "kit Covid" a esses povos na Amazônia .

— Minha orientação era contrária — disse, completando: — Claro que sempre é possível acontecer alguma coisa, é uma máquina grande, mas não era do meu conhecimento e, se tivesse sabido, não deixaria fazer.

Questionado se havia orientação de distribuição de cloroquina para estados e municípios, ele negou:

O ex-ministro da Saúde Nelson Teich chega ao Senado para o seu depoimento na CPI Foto: Pablo Jacob / O Globo
O ex-ministro da Saúde Nelson Teich chega ao Senado para o seu depoimento na CPI Foto: Pablo Jacob / O Globo

— Do que eu vivi naquele período, a gente [Ministério da Saúde] nem falava em cloroquina. O dia-a-dia era extremamente intenso, era um momento difícil, faltavam respiradores, faltava EPI, mortes aumentando, casos aumentando, e foi um assunto que não chegou a mim [a produção de cloroquina].

Sobre o uso da cloroquina contra a Covid-19, em geral, Teich afirmou que tinha uma posição muito clara e voltou a begar conhecimento de produção do medicamento pelo Exército.

— Vou ser honesto com o senhor, eu não participei disso [produção da cloroquina pelo Exército]. Se aconteceu alguma coisa, foi fora do meu conhecimento. Não sabia da produção pelo Exército nesse momento.

O senador governista Eduardo Girão (Podemos-CE) disse que foi um erro Bolsonaro ter feito apologia à cloroquina. Mas minimizou os impactos dessa postura.

Indicação de Pazuello

Teich disse que Eduardo Pazuello, que foi seu secretário executivo na pasta antes de se tornar ministro, foi indicado por Bolsonaro, e não por ele. Mas também disse que, apesar da inexperiência na área da saúde, Pazuello atuaria sob sua supervisão e, caso não tivesse um bom desempenho, não permaneceria no cargo.



— Naquele momento, uma coisa em que me preocupei foi manter o que vinha sendo feito, para não parar o que era importante. Quando conversei com Pazuello, tinha referência dele no Projeto Acolhida [que atende imigrantes venezuelanos em Roraima], nos Jogos Olímpicos. Eu tinha ali um problema de execução, uma malha disponível do Exército. Ele trabalharia sob minha orientação — disse Teich.

Renan questionou se Pazuello sabotou o trabalho de Teich. O ministro respondeu que o então secretário executivo fez o papel dele. O relator também perguntou se Teich teve autonomia para formar sua equipe de traballho.

— Sim. Pazuello entrou na Secretaria Executiva, mas as outras secretarias foram mantidas em nível técnico — respondeu o ex-ministro.

Vacinas e 'imunização de rebanho'

Questionado sobre suas ações para aquisição de vacinas, Teich disse:

— No período não tinha uma vacina sendo comercializada. Ainda era o começo do processo da vacina. Foi quando trouxe a da AstraZeneca para o estudo ser feito no Brasil, na expectativa de que, trazendo o estudo, a gente tivesse uma facilidade para compra futura.

Questionado se houve alguma reunião com Bolsonaro da qual os filhos do presidente participaram, ele disse não se lembrar. Mas destacou que, caso tenham tomado parte, não falou com eles.

Omar Aziz reclamou do depoimento de Teich e disse que "fica difícil" para os membros da CPI ouvir alguém que diz não saber ou não recordar dos acontecimentos questionados. Aziz indagou se uma médica que usa nebulização de cloroquina em uma paciente com Covid-19, como ocorreu no Amazonas, comete um crime ou não. Teich respondeu que era "uma coisa errada".

— Ah, é errado? Se um médico prescrever veneno de rato para uma pessoa dizendo que aquilo cura não é crime, é uma coisa errada? —questionou Aziz. — O ex-ministro Teich está levando a comissão sem nada objetivo, 'eu não me lembro', 'eu não me...', trazer uma pessoa para depor que não lembra, que houve intervenção, mas não sabe quem interveio, fica difícil para a gente — completou.

Teich respondeu Aziz, dizendo que não tem conhecimento jurídico para afirmar se ocorreu um crime:

— A minha colocação aqui, sobre se ocorreu um crime, eu não tenho conhecimento jurídico para opinar. A minha preocupação aqui é que eu não tenho conhecimento jurídico para afirmar alguma coisa de tamanha gravidade. É errado você prescrever nebulização com comprimido de cloroquina, é claro que é, mas se é um crime não sou eu quem vai dizer — disse Teich.

Teich também se disse contra a tese da imunidade de rebanho, ou seja, deixar o vírus circular até que a população como um todo fique imune.

— A tese da imunidade de rebanho, isso é um erro. A imunidade vai ter através da vacina, e não com as pessoas sendo infectadas — disse Teich.

Exército descola de Pazuello

Antes de Teich entrar na sala da comissão, o presidente Omar Aziz disse aos membros da CPI que conversou ontem com o comandante do Exército, general Paulo Sérgio, e garantiu a ele que a convocação do ex-ministro Eduardo Pazuello não significa que o Exército será alvo das investigações do colegiado. Para Aziz, é preciso ter confiança na palavra do comandante do Exército sobre o fato de que Pazuello teve contato com pessoas infectadas pelo novo coronavírus e o assunto está "sanado'.

— General Paulo Sérgio, conhecidamente um homem de respeito e trabalho, eu de forma nenhuma duvidei do que ele comunicou. E por isso não fui além disso — afirmou Aziz.

O  senador Otto Alencar (PSD-BA) disse acreditar na versão dada pelo ex-ministro, mas pediu que ele apresente testes confirmando isso.

— Eu acredito nisso piamente. Mas, por se tratar de uma CPI, o próprio ex-ministro, se desejar, pode trazer a confirmação desses testes. Ia dar um conforto ainda maior ao ex-ministro. Eu acredito nele. Mas como li na imprensa várias matérias questionando isso, ficaria confortável trazendo isso — disse Alencar.

Com depoimento previsto para hoje, Pazuello comunicou que não iria comparecer presencialmente ao Senado. Em ofício, Pazuello afirmou que teve contato com pessoas infectadas pela Covid-19 e, por isso, não poderia ir presencialmente ao Senado esta semana.

Ele sugeriu como alternativa manter a data da sessão, mas em formato remoto, o que não foi aceito pelos membros do colegiado. O presidente da comissão marcou novo depoimento para o dia 19 de maio.

Como mostrou O GLOBO nesta terça , o militar participou de um treinamento com assessores do Palácio do Planalto — que avaliaram que Pazuello está "muito nervoso". O temperamento explosivo do general é uma das principais preocupações de integrantes do governo.