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Política

Marina Silva cita divergências, mas indica que pode apoiar Lula contra Bolsonaro: ‘Defesa da civilização’

Após longo rompimento, ex-senadora diz que, para superar Bolsonaro, apoio a petista é possível. Definição ocorrerá após debate com a Rede
Rede: a ex-ministra Marina Silva conta ter sido convidada por seu partido a se lançar a deputada federal por São Paulo Foto: Andre Coelho / Bloomberg
Rede: a ex-ministra Marina Silva conta ter sido convidada por seu partido a se lançar a deputada federal por São Paulo Foto: Andre Coelho / Bloomberg

BRASÍLIA — A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, fundadora da Rede, deixa as portas abertas para se reaproximar do ex-presidente Lula, de quem foi aliada e se afastou após sair deixar o governo do petista, em 2008. Candidata à Presidência em três ocasiões (2010, 2014 e 2018), a ex-senadora põe à mesa,em entrevista exclusiva, a possibilidade de reconciliação. Ao mesmo tempo que se dispõe a retomar o diálogo com o líder das pesquisas eleitorais, Marina diz considerar fundamental, porém, que o PT reconheça os erros cometidos:

— Fica essa história, como se eu fosse uma mulher rancorosa que não sabe separar os grandes desafios postos no Brasil. Eu estou disposta a conversar no campo da democracia. Da minha parte, não tenho nada pessoalmente contra o Lula. São questões concretas, de natureza objetiva e que podem sim ser conversadas.

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A ex-ministra também fala sobre seus planos para 2022, o que (ou quem) lhe incomoda na campanha presidencial de Ciro Gomes, pré-candidato do PDT, e critica a ausência de políticas ambientais do governo Bolsonaro.

Como a senhora vê o cenário eleitoral de 2022?

O debate que queremos fazer é apenas sobre mudar para um novo governo ou produzir uma mudança para uma nova realidade? Se for para transitarmos para uma nova realidade, teremos que reconhecer que, ao longo desses anos, cometemos erros e temos que estar dispostos a fazer autocrítica. Quando uso esse “nós”, estou me referindo ao campo democrático. Não podemos nos esquecer de que tivemos um longo período após a reconquista da democracia em que se alternaram PT e PSDB. Ao que pesem ganhos relevantes na política econômica e nas políticas sociais, o que brotou daí foi o Bolsonaro. Em que os partidos comprometidos com a democracia falharam em consolidar e aprofundar essa democracia? Qual é o acordo? Qual é o pacto de sustentação para essa nova realidade que não seja continuar refém do Centrão?

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As eleições brasileiras historicamente são marcadas pela polarização. Derrotar Bolsonaro é um imperativo ético, um ato de legítima defesa da civilização, da democracia e do respeito à dignidade humana. Mas não se trata apenas de derrotar Bolsonaro. É fundamental também derrotar o bolsonarismo. Em 2018, muitos, inclusive eu, subestimamos Bolsonaro. É preciso debater posições de natureza política, de como se quer chegar ao mais alto posto da República. As eleições em que se chegou pela mentira, pelo ódio, abuso do poder econômico e do poder político, como houve em diferentes governos após a reconquista da democracia, não nos servem. Isso precisa ser reconhecido em um novo pacto.

Como a senhora avalia a escalada da disseminação de fake news?

Dificilmente alguém vai conseguir competir (nesse campo) com Bolsonaro, né? A melhor forma de fazer isso é entrando no debate com firmeza, inclusive reconhecendo que estratégias dessa forma não deram certo no passado. A gente não pode repetir uma estratégia que só nos leva a mais do mesmo. Se for para mais polarização, mais ódio, mais chegada ao poder desprovida de conteúdo programático, não serve.

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Há integrantes da Rede que já fazem parte da campanha de Lula. A senhora também vê possibilidade de se aliar ao ex-presidente?

Ainda não existiu nenhuma discussão dentro da Rede, colocando esse ou aquele nome de candidato. O que acontece é que existem pessoas muito relevantes do nosso partido que têm uma simpatia pelo Ciro Gomes, enquanto outros têm por Lula. Estou participando do debate interno e, no momento oportuno, irei me manifestar sobre como participarei das eleições.

Em 2014, a senhora foi alvo de uma campanha do PT, cujo marqueteiro era João Santana, que hoje trabalha com Ciro. Há alguma mágoa que dificulte apoiar Lula ou Ciro?

Um dos graves problemas pelos quais a política brasileira não avança é o fato de sempre se levar para o pessoal aquilo que está no terreno da esfera pública, do interesse público. Vejo muita gente falando que bastaria um pedido de desculpa. Isso seria uma questão de natureza pessoal. Tenho divergências e considero que, possivelmente, o ex-presidente Lula tenha divergências comigo. Quando eu era ministra (do Meio Ambiente) isso ficou explícito em temas muito concretos. Já do ponto de vista pessoal, quando ele ficou com câncer, eu o visitei. Quando o meu pai morreu, ele me ligou. As pessoas não podem fazer esse reducionismo. Não é uma questão de pedido de desculpa pessoal. É uma questão de mudança de postura.

E há interlocução entre a senhora e Lula?

São de interesse público as questões que eu acho que o PT tem que reconhecer, no sentido de fazer uma autocrítica. Tem a ver com a ideia de uso de violência política, de fake news, de abuso dos poderes político e econômico como estratégia de aniquilação de adversário. Da minha parte, não tenho nada pessoalmente contra Lula. Tenho divergências políticas. São questões concretas, que podem, sim, ser conversadas. Estou disposta a conversar no campo da democracia. Não é só em relação ao Lula ou ao Ciro. É em relação a qualquer pessoa que tem consciência do desafio que está posto diante do país. A resposta está entre nós.

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A senhora enxerga relação entre o fato de ser mulher e a forma como tratam suas questões com Lula?

Com certeza. Quando se trata de homens, a gente têm divergências. Quando se trata de uma mulher, são mágoas. Não são posições políticas diferentes, são rancores. Isso é uma despolitização e não deixa de ser uma forma preconceituosa de tratar as mulheres. Não que as emoções não nos atravessem. O problema é usar uma característica de todos como sendo quase que exclusiva das mulheres. Eu não considero que seja uma questão de mágoa, nem da minha parte nem da parte do ex-presidente Lula. Eu considero que são divergências mesmo.

A senhora já foi cotada como candidata a deputada federal por São Paulo e como vice de Ciro. Quais são os seus planos?

A Rede de São Paulo levantou essa questão de eu ser candidata (a deputada federal) por São Paulo. Estou debruçada sobre essa questão e vou dar uma resposta. É algo que não estava no meu horizonte, mas tenho considerado. Em todas as vezes que conversamos, eu e Ciro nunca tocamos nesse assunto de eu ser sua vice. Sempre foram discussões em torno de ideias. Estou discutindo uma contribuição em termos de ideias, de propostas.

É possível afirmar que a senhora tem um diálogo muito mais próximo com Ciro do que com Lula?

Depois que eu saí do PT, tive a oportunidade de dialogar com o ex-presidente Lula nas circunstâncias em que me referi anteriormente, algumas delas muito dolorosas. Com o ex-ministro Ciro Gomes, criamos uma relação de proximidade que se estende até hoje. Há uma divergência, sim, e eu a manifestei claramente quando João Santana passou a fazer parte do processo político. Mas, obviamente, essa é uma escolha do PDT e do ex-ministro Ciro Gomes. E eu só tenho a divergência com o fato de João Santana ter sido a pessoa que, na campanha da Dilma, enxertou o ódio, a polarização e a mentira como estratégia de se chegar ao governo. Mas eu não reduzo o Ciro Gomes ao João Santana.

Houve um retrocesso nas políticas ambientais durante o governo Bolsonaro?

O governo do Bolsonaro não tem política ambiental. Absolutamente nada pode se comparar ao que temos hoje. Junto com o Centrão, com o presidente (da Câmara, Arthur) Lira, no lugar de combater os criminosos e o crime, eles mudam as leis.