Por Arthur Guimarães, Guilherme Boisson, Leslie Leitão, Marcelo Gomes, Márcia Brasil e Marco Antônio Martins, TV Globo, G1 Rio e GloboNews


STJ afasta do cargo o governador do Rio, Wilson Witzel, por suspeita de corrupção na saúde

STJ afasta do cargo o governador do Rio, Wilson Witzel, por suspeita de corrupção na saúde

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou, nesta sexta-feira (28), o afastamento imediato, inicialmente por seis meses, do governador Wilson Witzel (PSC) do cargo por irregularidades e desvios na saúde. O vice-governador, Cláudio Castro – que assume o cargo -- é alvo de mandado de busca.

O afastamento é uma das decisões da Operação Tris in Idem ("Três do mesmo", em latim), que até a última atualização desta reportagem tinha prendido sete pessoas -- entre elas, o Pastor Everaldo, presidente do PSC, e o ex-secretário Lucas Tristão.

O governador e outras oito pessoas, incluindo a primeira-dama Helena Witzel, também foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por corrupção.

As diligências foram autorizadas pelo ministro Benedito Gonçalves. A PGR pediu a prisão de Witzel, mas o STJ negou.

"O grupo criminoso agiu e continua agindo, desviando e lavando recursos em plena pandemia da Covid-19, sacrificando a saúde e mesmo a vida de milhares de pessoas, em total desprezo com o senso mínimo de humanidade e dignidade", destacou o ministro do STJ na decisão.

O Ministério Público Federal (MPF) afirma ter encontrado diferentes formas de desvio. Uma delas era via o escritório de advocacia da primeira-dama.

O escritório, que não tinha nenhum outro funcionário, recebeu R$ 554 mil suspeitos de ser propina para Witzel entre 13 de agosto de 2019 a 19 de maio de 2020, segundo o MPF. Desse montante, R$ 74 mil foram repassados diretamente para o governador.

O ministro Benedito ainda proibiu o acesso de Witzel às dependências do governo do estado e a sua comunicação com funcionários e utilização dos serviços.

Witzel reagiu, citando perseguição e atacando a Procuradoria Geral da República (PGR) e Edmar Santos, que o delatou (veja as respostas abaixo).

PGR chegou a pedir prisão de Witzel, mas STJ só autorizou o afastamento do governador

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Pastor Everaldo preso

Pastor Everaldo, presidente nacional do PSC, foi preso na operação. O pastor foi candidato à Presidência da República em 2014 e também ao Senado em 2018.

Everaldo foi citado na delação premiada do ex-secretário de saúde, Edmar Santos, por conta da influência dele no Palácio Guanabara. O ex-secretário foi preso por corrupção. Segundo a delação, era o pastor quem mandava na saúde.

Pastor Everaldo Dias Pereira Presidente do Partido PSC foi preso na manha desta sexta-feira (28/08), em operacao Placebo da Policia Federal, no Rio de Janeiro. O STJ afastou do cargo o Governador Wilson Witzel, por irregularidades na Secretaria de Saude no estado. 28/08/2020 - Foto: — Foto: Adriano Ishibashi/Framephoto/Estadão Conteúdo

Segundo acordo homologado pelo ministro Benedito Gonçalves, as declarações prestadas por Edmar "indicam que um dia antes da deflagração da Operação Placebo o Governador repassou R$ 15 mil em espécie ao Pastor Everaldo, o qual mostrou a quantia a Edmar, com receio, em tese, de que a Polícia Federal encontrasse os valores na realização das buscas."

Em nota, a defesa dele declarou que "o pastor sempre esteve à disposição de todas as autoridades e reitera sua confiança na Justiça".

Pastor Everaldo é levado para a sede da Polícia Federal

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Prisões, buscas e denunciados

No total, são 17 mandados de prisão, sendo 6 preventivas e 11 temporárias, e 83 de busca e apreensão.

Mandados de prisão cumpridos:

  • Pastor Everaldo, presidente do PSC;
  • Lucas Tristão, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico;
  • Gothardo Lopes Netto, médico e ex-prefeito de Volta Redonda;
  • Filipe de Almeida Pereira, filho do pastor Everaldo;
  • Laercio Pereira, filho do pastor Everaldo;
  • Alessandro Duarte, empresário;
  • Cassiano Luiz, empresário.

Os 7 presos acima foram levados para o presídio em Benfica, na Zona Norte do Rio.

Mandados de busca e apreensão confirmados:

  • contra a primeira-dama, Helena Witzel, no Palácio Laranjeiras;
  • contra Cláudio Castro, vice-governador;
  • contra André Ceciliano (PT), presidente da Assembleia Legislativa (Alerj);
  • contra o desembargador do Trabalho Marcos Pinto da Cruz;
  • contra André Moura, secretário da Casa Civil.

Os mandados estão sendo cumpridos também em outros endereços nos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Minas Gerais, Alagoas, Sergipe, Piauí e no Distrito Federal.

Witzel se tornou governador do Rio como esperança no combate à corrupção; veja histórico

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A Procuradoria-Geral da República denunciou Witzel e mais oito pessoas por corrupção.

A acusação leva em conta pagamentos efetuados por empresas ligadas ao empresário Mário Peixoto ao escritório de advocacia de Helena Witzel, mulher do governador.

Também são objeto da denúncia pagamentos feitos por empresa da família de Gothardo Lopes Netto, médico e ex-prefeito de Volta Redonda, ao escritório da primeira-dama.

Conforme consta da acusação encaminhada ao STJ, a contratação do escritório de advocacia consistiu em artifício para permitir a transferência indireta de valores de Mário Peixoto e Gothardo Lopes Netto para Wilson Witzel.

Denunciados:

  1. Wilson Witzel
  2. Helena Witzel
  3. Lucas Tristão
  4. Mário Peixoto
  5. Alessandro Duarte
  6. Cassiano Luiz
  7. Juan Elias Neves de Paula
  8. João Marcos Borges Mattos
  9. Gothardo Lopes Netto.

O caminho do dinheiro de Witzel, segundo a delação — Foto: Editoria de Arte/G1

Os núcleos da propina no governo Witzel — Foto: Editoria de Arte/G1

Ex-secretário de Saúde detalhou em delação premiada como se dava o loteamento de cargos no governo Witzel — Foto: Arte/G1

A denúncia da Tris in Idem

A operação, batizada de Tris in Idem, é um desdobramento da Operação Favorito e da Operação Placebo – ambas em maio, e da delação premiada de Edmar Santos, ex-secretário de Saúde.

O nome é uma referência ao terceiro governador que, segundo os investigadores, faz uso de um esquema semelhante de corrupção – em menção oculta aos ex-governadores Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão.

A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) aponta três níveis do esquema:

  1. A caixinha da propina;
  2. Os restos a pagar;
  3. Sobras de duodécimos.

1. Caixinha da propina -- A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que foi criada uma “caixinha de propina”, abastecida pelo direcionamento de licitações de organizações sociais (OSs).

“Agentes políticos e servidores públicos da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro eram ilicitamente pagos de maneira mensal pela organização criminosa”, diz a PGR.

Uma das operações suspeitas objeto da operação é a contratação da OS Iabas para gerir os hospitais de campanha idealizados para o tratamento de pacientes da covid-19.

2. Restos a pagar -- A PGR suspeita também que o Poder Judiciário possa ter sido utilizado para beneficiar agentes com vantagens indevidas.

Segundo os procuradores, um esquema arquitetado por um desembargador do Trabalho beneficiaria as OSs do grupo criminoso por meio do pagamento de dívidas trabalhistas judicializadas.

“Essas OSs, que tinham valores a receber do estado, a título de ‘restos a pagar’, tiveram a quitação das suas dívidas trabalhistas por meio de depósito judicial feito diretamente pelo governo do Rio”, afirmou a PGR.

“Para participar do esquema criminoso, as OSs teriam que contratar uma advogada ligada ao desembargador que, após receber seus honorários, retornaria os valores para os participantes do ilícito”, continuaram os procuradores.

A PGR explicou que “em geral é bastante dificultoso” receber esses restos a pagar, mas, mediante “um pagamento mensal estabelecido no plano”, entravam no Plano Especial de Execução na Justiça do Trabalho e obtinham a certidão negativa de débitos trabalhistas.

3. Sobras de duodécimos -- A PGR apurou que “alguns deputados estaduais podem ter se beneficiado de dinheiro público desviado”.

Segundo a denúncia, a Alerj direcionava as sobras de seus duodécimos.

Por lei, o duodécimo é um repasse devido e obrigatório do Executivo ao Legislativo e ao Judiciário -- poderes que não têm renda própria.

Ainda segundo a lei, o que sobra dessa "mesada" deve voltar aos cofres do Executivo. Mas, no esquema da Tris in Idem, o dinheiro não usado acabava embolsado pelos parlamentares, em uma sequência de repasses.

“Dessa conta única, os valores dos duodécimos ‘doados’ eram depositados na conta específica do Fundo Estadual de Saúde, de onde era repassado para os Fundos Municipais de Saúde de municípios indicados pelos deputados, que, por sua vez, recebiam de volta parte dos valores”, explicaram os procuradores.

PF cumpriu mandados em cobertura onde mora o Pastor Everaldo — Foto: Reprodução/TV Globo

Outras operações

Operação Placebo, 26 de maio -- Witzel e a mulher foram alvo de mandados de busca e apreensão da PF, expedidos pelo STJ.

A PF buscava provas de supostas irregularidades nos contratos para a pandemia. A Organização social Iabas foi contratada de forma emergencial pelo governo do RJ por R$ 835 milhões para construir e administrar sete hospitais de campanha.

A investigação, que também versou sobre os contratos da saúde, encontrou um “vínculo bastante estreito e suspeito” entre a primeira-dama e as “empresas de interesse de Mário Peixoto”.

A PGR afirma que o escritório de advocacia de Helena Witzel firmou um contrato de prestação de serviços com a DPAD Serviços Diagnósticos, que é ligada a Peixoto.

Documentos relacionados a pagamentos para a esposa do governador teriam sido encontrados no endereço eletrônico de dois homens apontados como operadores financeiros do empresário preso.

As empresas de Peixoto têm contrato com o governo desde a gestão de Sérgio Cabral (MDB) e os mantêm na de Witzel. Segundo o Ministério Público Federal, a manutenção dos acordos se deu por meio do pagamento de propina.

Favorito, 14 de maio -- O desdobramento da Lava Jato prendeu, entre outras pessoas, o ex-deputado estadual Paulo Melo e o empresário Mário Peixoto.

Peixoto e Melo, que já foram sócios, acabaram presos porque surgiram indícios de que o grupo do empresário estava interessado em negócios em hospitais de campanha.

O alvo seriam as unidades montadas pelo estado — com dinheiro público — no Maracanã, São Gonçalo, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Campos e Casimiro de Abreu.

Somente as duas primeiras foram abertas parcialmente, após sucessivos atrasos.

Viaturas da PF na porta do Palácio Laranjeiras — Foto: Reprodução/TV Globo

O que dizem os envolvidos

Wilson Witzel: O governador afastado declarou, em um pronunciamento no Palácio Laranjeiras, que está "indignado".

Witzel se disse perseguido pelo governo federal e fez ataques ao ex-secretário Edmar Santos.

"Mais uma vez quero manifestar a minha indignação e uma busca e apreensão e, mais uma vez, é uma busca e decepção. Não encontrou um real, uma joia, simplesmente mais um circo sendo realizado", disse Witzel. "Você não pode afastar um governador com a suposição de que ele vai fazer algo."

"Edmar nos enganou a todos. Um tenente-coronel da Polícia Militar, professor da Uerj, ex-diretor do Pedro Ernesto. Esse vagabundo entra na saúde do Rio de Janeiro quando eu avisei que não toleraria corrupção e não tolero corrupção. Tentou ludibriar a todos nós."

Helena Witzel: O advogado José Carlos Tórtima que não "nada há nos autos da investigação, nos quais foi decretada a referida medida, de objetivo e concreto, que de alguma forma leve a crer que a Doutora Helena Witzel tenha, de qualquer forma, concorrido para os atos ilícitos cogitados pelo Ministério Público Federal requerente da cautelar."

E acrescenta:

"O contrato de serviços advocatícios, apontado, sem idôneo fundamento, como suspeito, no mencionado requerimento, nada tem de irregular, visto que a Dra. Helena Witzel efetivamente prestou os serviços para os quais foi contratada, como contrapartida dos honorários por ela recebidos. Não se pode criminalizar a advocacia.

De resto, o mencionado contrato apresenta-se como o único argumento manejado pelo órgão do Ministério Público Federal, como motivo de suspeita em relação à suposta participação da Dra. Helena Witzel nos alegados atos ilícitos. Em todas as contratações sempre foi exigido que o cliente declarasse não ter relações com o Estado do Rio de Janeiro.

A Defesa tem convicção de que a ação penal não prosperará."

Cláudio Castro: o advogado Carlo Lucchione informou que não tem ainda como dar algum tipo de posicionamento porque ainda não teve acesso ainda ao processo e que ainda não esteve com o governador interino.

Pastor Everaldo: Em nota, a defesa do Pastor Everaldo afirmou que ele sempre esteve à disposição de todas as autoridades e reitera a sua confiança na Justiça.

Também por meio de nota, o PSC informou que confia na Justiça e no amplo direito à defesa de todos os cidadãos e que o pastor, assim como o governador Wilson Witzel, sempre estiveram à disposição das autoridades.

Felipe e Laércio Pereira: o advogado Marcos Crissiuma afirmou que "a prisão temporária que recai sobre os filhos do Pastor Everaldo é extremamente injusta e desnecessária".

"A ordem se deu apenas para serem ouvidos, mas poderiam ter sido intimados que atenderiam à intimação e prestariam todos os esclarecimentos.”

André Ceciliano: Em nota, a defesa do presidente da Alerj afirmou desconhecer as razões da busca e apreensão em seus gabinetes no prédio da Rua da Alfândega e no anexo, "mas ele está tranquilo em relação à medida e se pôs à disposição dos agentes da PF seu gabinete no Palácio Tiradentes, que não estava incluído no mandado".

"Ceciliano reitera a sua confiança na Justiça e afirma que está pronto a colaborar com as autoridades e a contribuir com a superação desse grave momento que, mais uma vez, o Rio de Janeiro atravessa. Ele também colocou seus sigilos bancário, fiscal e telefônico à disposição das autoridades."

Gothardo Lopes Netto: A defesa afirmou desconhecer as razões e fundamentos legais que motivaram a decisão da decretação da medida prisional. "Por isso, a defesa não possui neste momento meios para apresentar maiores esclarecimentos".

Em nota, o Tribunal Regional do Trabalho disse que tentou falar com o desembargador Marcos Pinto da Cruz, sem sucesso, e que o TRT está à disposição para colaborar e tem total interesse no esclarecimento dos fatos.

Alessandro Duarte e Cassiano Luiz: os advogados Ricardo Braga e Patrick Berriel afirmaram que "a prisão dos empresários é absolutamente desnecessária e desproporcional, especialmente quando se demonstrou possível a imposição de medidas cautelares alternativas à prisão ao governador. A ausência de qualquer ato ilegal praticado pelos empresários será provada na ação penal que tramita no Superior Tribunal de Justiça".

Mário Peixoto: “Mário Peixoto não tem qualquer tipo de vínculo societário com as empresas que contrataram o escritório de advocacia da primeira-dama Helena Witzel. Trata-se de mais uma ilação do MPF, o que será demonstrado pela defesa ao longo do processo. A defesa se insurge mais uma vez contra o prejulgamento que se tem feito nesta causa, onde a regra tem sido prender para depois investigar, em claro desprestígio ao constitucional princípio da presunção de inocência", afirmaram os advogados Alexandre Lopes e Afonso Destri.

"Infelizmente, contrariando o princípio da presunção de inocência, a prisão foi ilegalmente decretada. O caso será levado ao Supremo Tribunal Federal, que se encarregará do restabelecimento da legalidade.”

André Moura: A assessoria jurídica afirmou que o secretário recebeu com surpresa a ação de busca e apreensão, "já que o seu nome nem sequer é mencionado na decisão".

"Os agentes da Polícia Federal saíram de mãos vazias da residência do secretário, e o auto circunstanciado de busca e apreensão da operação conclui que 'Nada de Interesse para a investigação foi encontrado'".

O G1 ainda não conseguiu contato com a defesa de Lucas Tristão.

Witzel — Foto: Divulgação/Governo RJ

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