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Morre Paulo Mendes da Rocha, um dos maiores nomes da arquitetura mundial, aos 92 anos

Um dos principais destaques do chamado brutalismo paulistano, arquiteto estava internado em São Paulo; são dele projetos como a reforma da Pinacoteca de São Paulo, o Museu da Língua Portuguesa e o MuBE
Paulo Mendes da Rocha na 'Ocupação' em sua homenagem, no Itaú Cultural, em São Paulo Foto: André Seiti / Divulgação
Paulo Mendes da Rocha na 'Ocupação' em sua homenagem, no Itaú Cultural, em São Paulo Foto: André Seiti / Divulgação

RIO — Morreu neste domingo, aos 92 anos, Paulo Mendes da Rocha , um dos maiores nomes da arquitetura brasileira e mundial, com quase sete décadas de carreira. O arquiteto tinha câncer no pulmão e estava internado em São Paulo. O falecimento do arquiteto foi confirmado pelo filho, Pedro Mendes da Rocha, que também é arquiteto. No Facebook, ele postou uma homenagem ao pai: "Depois de tanto projetar edifícios em concreto e aço, meu pai foi projetar galáxias com as estrelas!".

Nascido em Vitória (ES), em 1929, Mendes da Rocha ajudou a desenhar a cidade de São Paulo, onde vivia desde os seis anos de idade. São dele projetos icônicos como a reforma da Pinacoteca , em que precisou adequar a construção do século XIX às necessidades de uma instituição contemporânea, o Museu Brasileiro da Escultura (MuBE), o Museu da Língua Portuguesa, destruído por um incêndio em 2015 e hoje em vias de reinauguração, além do Sesc 24 de Maio . No Rio,trabalhou no projeto de restauro da Casa Daros, o casarão do século XIX localizado em Botafogo.

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Ao longo da carreira, ele foi reconhecido com os mais importantes prêmios internacionais de arquitetura, incluindo o Pritzker (conhecido como o "Nobel da arquitetetura"), o Imperial do Japão, o Leão de Ouro da Bienal de Veneza , o Mies van der Rohe e a medalha de ouro do Instituto Real de Arquitetos Britânicos (Riba, na sigla em inglês). O arquiteto ganhou projeção internacional em meados da década de 1990, quando fotografias do MuBE e da Pinacoteca foram estampadas em revistas estrangeiras. Em 2015, foi inaugurado, em Lisboa, o Museu Nacional dos Coches, o único projeto de Mendes da Rocha erguido no exterior.

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Para o arquiteto e urbanista, professor da Universidade Mackenzie, consultor do Banco Mundial e ex-secretário de Desenvolvimento Urbano do município de São Paulo Fernando Mello Franco, Mendes da Rocha foi o maior arquiteto da história do país.

— Ele entendia a arquitetura como uma forma específica de conhecimento, em que a dimensão da técnica servia para pensar o mundo a partir de uma perspectiva humanizada — define Mello Franco. — Ele deixa um trabalho vasto e especulativo, cuja arquitetura prepara tudo aquilo que é previsível na nossa vida para amparar a imprevisibilidade da nossa existência.

Arquitetura política

Mendes da Rocha foi um expoente da geração politizada que fez a boa arquitetura moderna brasileira. Em 2016 , dois dias após completar 88 anos e já tendo sido, naquele ano, homenageado com o Leão de Ouro da Bienal de Veneza, respondeu a perguntas de nove arquitetos e urbanistas a pedido do GLOBO. À época, disse que a "arquitetura é uma questão política". "Objetivamente, nossa maior preocupação deve ser nesse campo. Nós devíamos procurar influir cada vez mais para que a visão política se sobressaia em relação aos projetos. Ou seja, a ideia é pensar e planejar muito antes sobre o que fazer nas cidades e na sociedade de um modo geral. Em resumo, nós estamos aqui, como arquitetos ou em qualquer profissão, para resolver problemas. O que há são sempre problemas, e a forma como pensamos neles e nos planejamos para resolvê-los nos define politicamente", afirmou.

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Crítico da especulação imobiliária e da colonização do urbanismo por interesses econômicos e defensor da "valorização do chão comum da cidade para o pedestre", declarou nessa mesma entrevista que "para a arquitetura, não há privado". "Se há espaço, é público", explicou. Defensor implacável da função social da arquitetura e do urbanismo, Mendes da Rocha denunciava "a desastrada falta de planejamento na ocupação dos territórios, principalmente entre nós".

Paulistano adotivo

Filho do engenheiro Paulo de Menezes Mendes da Rocha e neto do empreiteiro Serafim Derenzi, logo se mudou, com a família, de Vitória para a casa do avô, no Rio de Janeiro. A crise de 1929 havia abalado seriamente as finanças da família. O pai seguiu para São Paulo, onde a família se reuniu outra vez quando Paulo tinha seis anos. Por um tempo, viveram todos numa pensão na Avenida Paulista, próxima ao Colégio São Luís, onde o menino estudava.

Em São Paulo, o pai de Mendes da Rocha chegou a ocupar a direção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI-USP). O filho, no entanto, preferiu cursar arquitetura na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Em 1958, já formado e dividindo um escritório com amigos no centro de São Paulo, ganhou o concurso para projetar o Ginásio do Clube Atlethico Paulistano em parceria com João De Gennaro, ao lado de quem trabalhou em diversas ocasiões. A estrutura circular, de laterais abertas, coberta com madeira e telhas metálicas e sustentada por seis pilastras foi premiada na 6ª Bienal de Artes de São Paulo, em 1961.

O arquiteto Paulo Mendes da Rocha morre aos 92 anos. Ele é considerado um dos maiores nomes da arquitetura mundial. Crédito: Itaú Cultural
O arquiteto Paulo Mendes da Rocha morre aos 92 anos. Ele é considerado um dos maiores nomes da arquitetura mundial. Crédito: Itaú Cultural

No mesmo ano, passou a lecionar na Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU-USP) a convite de João Batista Vilanova Artigas (1915-1985). O Ato Institucional nº 5 (AI-5), baixado pela ditadura militar em 13 de dezembro de 1968, afastou-o da USP, para onde só pôde voltar em 1980, após a anistia. Na USP, Mendes da Rocha formou gerações de arquitetos com os quais, posteriormente, veio a colaborar quando estes já estavam à frente de escritórios como MMBB, Piratininga e Metro. "São pessoas que conheço muito bem e são sempre as mesmas, convém dizer. O fato é que, por serem ex-alunos, conhecidos meus, são solidários no modo de pensar", disse ao ser perguntado pelo arquiteto Pedro Rivera como trabalhar ombro a ombro com antigos alunos afetava sua obra e sua maneira de pensar a arquitetura.

— Paulo Mendes da Rocha sempre dizia que "sucesso é fazer sucessor" — diz Philip Yang, fundador do Instituto Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole). — Teve nesse sentido uma vida de grande sucesso. Nos deixa uma escola de sucessores e um grande legado do Brasil para o mundo, que combina arrojo do desenho, a inquietação  permanente e preocupação com o encontro entre a arquitetura e a escala urbana. Espero que os sucessores levem adiante esse ideario.

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Ao ser cassado pelo regime militar, Mendes da Rocha foi proibido de trabalhar para o Estado e passou as décadas seguintes projetando, principalmente, residências em áreas nobres da capital paulista. Ao todo, foram 30 projetos residencias entre as décadas de 1960 e 1980, dos quais 23 foram construídos, como a Casa Butantã, de 1964, nas proximidades da USP, onde viveu com primeira mulher, Virgínia Ferraz Navarro e os filhos. De tão engenhoso, o projeto originou o livro "Casa Butantã", lançado pela Ubu, em 2016.

A partir de 1973, seu escritório passou a ocupar o quinto andar do Instituto de Arquitetos do Brasil, na Vila Buarque, região central de São Paulo onde há grande concentração de empresas de arquitetura. Nos anos 1990, mudou-se para o bairro vizinho de Higienópolis para ficar mais perto do escritório.

'Escola Paulista'

Mendes da Rocha é um dos principais nomes do que se convenciou chamar de "Escola Paulista de Arquitetura", liderada por Vilanova Artigas, que se notabilizou pelo gosto pelas linhas retas e espaços abertos, à moda modernista, e pelo uso do concreto aparente e pela carência de adornos. A Escola Paulista também é conhecida como "brutalismo paulistano".

— Para o Mendes da Rocha, “tudo que é urbano é uma ação política, a ação política da transformação pelo uso tem uma força muito grande”  — diz a arquiteta e urbanista Marcela Marques Abla, Subsecretária de Habitação na Secretara Municipal de Habitação da Prefeitura do Rio de Janeiro. —   Esse conceito, segundo ele, se materializa em sua obra mais recente, o Sesc da 24 de Maio, em São Paulo,  através de uma visão de mundo holística entre o tecnológico e o humano.  Esta obra, que é uma verdadeira aula de arquitetura e urbanismo, demonstra o compromisso do arquiteto com a cidade inclusiva e harmônica. Sua generosidade para com as camadas mais populares, fica demonstrada através do uso da piscina situada no último andar do prédio que segundo ele permitiria que ao nadar fossem projetadas gotículas de água nos edifícios do entorno, nos quais executivos estariam trabalhando.

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A lista de projetos que não saíram do papel é longa. Um deles, uma praça que reconfiguraria o acesso principal ao Parque do Ibirapuera, foi engavetado por João Doria, quando o atual governador era prefeito de São Paulo (2016-2018), por falta de recursos. A proposta de Mendes da Rocha era diminuir as vagas para os carros e dar mais espaço aos pedestres. O arquiteto deixa duas obras inconclusas: o Cais das Artes, em Vitória, paralisado por anos de problemas na Justiça, e a Praça dos Museus, na USP, interrompida também por falta de dinheiro.

Mendes da Rocha deixa a mulher, Helene Afanasieff, arquiteta e designer de joias, e seis filhos: Renata, Guilherme, Paulo, Pedro, Joana e Naná.