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Durante invasão, diplomatas de Maduro conseguem primeiro contato com Itamaraty sob Bolsonaro

Representantes do governo de Nicolás Maduro acionaram embaixadores de outros países e pressionaram representante do Brasil; país não tem embaixador em Brasília desde 2016
Impasse no portão da embaixada da Venezuela em Brasília. Invasão acabou depois de 14 horas, sendo condenada pelo governo do Brasil Foto: SERGIO MORAES / REUTERS
Impasse no portão da embaixada da Venezuela em Brasília. Invasão acabou depois de 14 horas, sendo condenada pelo governo do Brasil Foto: SERGIO MORAES / REUTERS

BRASÍLIA — A invasão da Embaixada da Venezuela no Brasil, protagonizada por apoiadores do autoproclamado presidente do país, Juan Guaidó , levou os diplomatas a serviço do governo de Nicolás Maduro a acionarem outros embaixadores que atuam em Brasília, numa tentativa de pressionar o Itamaraty a entrar na história. O encarregado de negócios da embaixada, Freddy Meregote , disparou ligações no começo da manhã de quarta-feira para embaixadores de outros países, diante da entrada de 20 apoiadores de Guaidó na madrugada.

Às 10 horas, um representante do Itamaraty, Maurício Correia, coordenador-geral de Privilégios e Imunidades, apareceu na embaixada. Era a primeira vez, em 10 meses e 13 dias de governo de Jair Bolsonaro, que a diplomacia brasileira fazia um contato com a diplomacia oficial venezuelana, segundo funcionários do governo de Maduro.

Meregote não diz quais foram os países dos embaixadores acionados por ele no auge da tensão com os apoiadores de Guaidó. O resultado da pressão feita foi a presença – inédita no governo Bolsonaro, segundo o encarregado – de um funcionário do Itamaraty na Embaixada da Venezuela. Ao diplomata brasileiro, o encarregado venezuelano afirmou que o limbo em que foram colocados pelo governo brasileiro não faz sentido e não condiz com tratados internacionais, em especial a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, que garante segurança e inviolabilidade às representações diplomáticas.

O chefe da missão venezuelana, que segue alinhado a Maduro, disse ao funcionário do Itamaraty que o governo Bolsonaro deveria se decidir: ou os expulsa do país, por considerá-los "persona non grata", ou dispensa um tratamento diplomático condizente com as normas internacionais, com a garantia de interlocução entre as representações dos dois países. A expulsão dos venezuelanos implicaria em reciprocidade, com a expulsão dos diplomatas brasileiros que estão atualmente na Venezuela.

Segundo diplomatas venezuelanos, Correia não apresentou nenhuma solução durante a permanência na embaixada, nem condenou as atitudes de um ou do outro lado envolvido. Ele repetia, tanto aos policiais militares presentes quanto aos integrantes da embaixada, que aguardava uma deliberação — em discussão no Itamaraty naquele momento — sobre qual seria a posição do governo brasileiro. Uma decisão não foi repassada, e a invasão durou mais de 14 horas, causando ruído e constrangimento no primeiro dia de reunião de Bolsonaro com os demais líderes do Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em Brasília.

'Invasão'

A primeira posição oficial do governo brasileiro veio por meio de uma nota do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que funciona no Palácio do Planalto, ainda pela manhã. Chamou o que ocorreu de "invasão" e negou qualquer participação do governo no episódio, apesar de afirmações do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) – o filho "03" do presidente – a favor da invasão. Eduardo chegou a dizer que iria à embaixada para engrossar o gesto de ocupação dos apoiadores de Guaidó, cuja autoproclamação na Presidência da Venezuela é reconhecida pelo governo brasileiro. O deputado não encontrou respaldo nem na posição oficial do pai, que também rechaçou a invasão em suas redes sociais.

Eduardo não apareceu. Diplomatas que trabalham na embaixada abriram as portas apenas para parlamentares de esquerda, apoiadores de Maduro. Entraram no prédio os deputados Paulo Pimenta (PT-RS), Sâmia Bonfim (PSOL-SP) e Glauber Braga (PSOL-RJ). Ficaram de fora as deputadas Maria do Rosário (PT-RS) e Erika Kokay (PT-DF). A presença deles no território da embaixada foi permitida como "ato de solidariedade", segundo esses diplomatas.

A Embaixada da Venezuela não tem embaixador desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff , em 2016. Maduro chamou de volta o representante diplomático como ato de protesto, mas sem que isso tenha significado um rompimento definitivo das relações diplomáticas entre os dois países. A embaixada tem seis diplomatas e três adidos militares. O encarregado de negócios mantinha interlocução com o Itamaraty sob Michel Temer, o que deixou de existir no Ministério das Relações Exteriores sob Bolsonaro.

Clima tenso

A invasão dos apoiadores de Guaidó ocorreu por volta das 4h de quarta-feira. Segundo diplomatas que atuam na embaixada, parte deles pulou o muro na parte de trás do prédio e se dirigiu até o portão da entrada. O porteiro, ainda conforme esses relatos, foi obrigado a abrir o portão. Três carros entraram nas dependências da embaixada. Ao todo, 20 apoiadores do autoproclamado presidente da Venezuela participaram do ato. Eles trajavam calças pretas e camisetas brancas e se comunicavam por equipamentos de rádio, conforme representantes diplomáticos do governo de Maduro.

Apoiadores do presidente autoproclamado da Venezuela, Juan Guaidó, entram em confronto com militantes de esquerda diante da embaixada venezuelana em Brasília Foto: SERGIO MORAES / REUTERS
Apoiadores do presidente autoproclamado da Venezuela, Juan Guaidó, entram em confronto com militantes de esquerda diante da embaixada venezuelana em Brasília Foto: SERGIO MORAES / REUTERS

O clima foi de animosidade no começo da invasão, com bate-boca e tentativas de expulsão dos invasores. Depois, seguiu-se um longo hiato de pouca comunicação entre os dois lados, à espera de uma solução. Seis dos 20 apoiadores de Guaidó acabaram expulsos ou indo embora. A maioria que permaneceu ficou fora do prédio administrativo ou da casa usada pelos diplomatas.

Sem uma posição definitiva por parte do Itamaraty, um acordo só foi possível 14 horas depois. Ficou acertado com a polícia que os invasores deixariam a embaixada pela porta dos fundos , escoltados por policiais, para que não houvesse agressão por parte de militantes de esquerda que se dirigiram à entrada do prédio. Os diplomatas não tiveram acesso à identificação dos invasores. A desconfiança de funcionários que trabalham na embaixada é de que parte deles não é nem venezuelana, nem brasileira.

— O Estado receptor tem de garantir nossa segurança. A Convenção de Viena e outros tratados internacionais foram violados. O ataque que ocorreu foi terrorista, pois atentou contra nossa integridade física — diz Meregote.

O GLOBO questionou o Itamaraty sobre a atuação do órgão na relação com a Embaixada da Venezuela e no episódio da invasão. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.