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Mulher cristã condenada à morte por blasfemar contra o Islã é absolvida no Paquistão

Mãe de cinco filhos, Asia Bibi viveu por cerca de oito anos no 'corredor da morte'
Asia Bibi, em 2010, ano em que foi condenada. Foto: STR / AP
Asia Bibi, em 2010, ano em que foi condenada. Foto: STR / AP

ISLAMABAD - Após permanecer por cerca de oito anos no corredor da morte, Asia Bibi teve a pena de morte anulada pela Suprema Corte do Paquistão, nesta quarta-feira. Ela, que é cristã e mãe de cinco filhos, havia sido condenada à morte em 2010, acusada de blasfêmia contra o islã. A decisão desencadeou protestos de grupos fundamentalistas.

Asia foi a primeira mulher condenada a uma pena dessa natureza por ter insultado a religião no Paquistão. Segundo agências internacionais, a decisão fora tomada por autoridades paquistanesas sob a acusação de que ela teria usado termos depreciativos para se referir ao islã, após colegas de trabalho, segundo informações do "New York Times", não aceitarem dividir com ela água contida no mesmo recipiente. Eles eram muçulmanos, e ela, cristã. Asia, que seria levada à forca, sempre negou que isso tenha ocorrido.

— A condenação é posta de lado. Ela é absolvida de todas as acusações. E, se não houver quaisquer outras acusações, será imediatamente libertada — disse o juiz Saqib Nasir, um dos três magistrados responsáveis pela apelação.

Nasir citou o Alcorão em sua sentença e escreveu que "a tolerância é o princípio básico do islã". O juiz ressaltou que a religião muçulmana condena a injustiça e a opressão.

O caso de Asia indignou cristãos de todo o mundo. O caso traz ainda um rastro de outros crimes: dois políticos que tentaram auxiliar a mulher foram assassinados no Paquistão.

Por outro lado, a ala mais extremista de religiosos se opõe à absolvição da mulher. A anulação da pena de Asia Bibi desencadeou protestos e ameaças de morte por parte de políticos ultrarreligiosos.

O Partido Ultraislâmico (TLP) — a legenda defende que blasfemadores devem ser punidos — já havia alertado, no início deste mês, que era contra qualquer concessão relativa ao caso de Asia. "Se houver qualquer tentativa de entregá-la a um país estrangeiro, haverá consequências terríveis", disse a agremiação em um comunicado.

Em novembro, integrantes da legenda protagonizaram um confronto com policiais depois de pequenas mudanças no juramento religioso. Sete pessoas morreram e outras 200 ficaram feridas, na ocasião.

Após a efetiva anulação da pena, apoiadores do TLP bloquearam ruas em grandes cidades do país, como Islamabad, e lançaram pedras contra agentes de segurança em Lahore. O patrono do partido, Muhammad Afzal Qadri, emitiu um "decreto" segundo o qual o juiz Nasir os outros dois juízes da apelação "merecem a morte", segundo um porta-voz da agremiação, que ainda defendeu a deposição do primeiro-ministro Imran Khan.

Em Islamabad, crianças foram liberadas das escolas mais cedo, e longas filas em postos de gasolina se formaram diante do receio de protestos prolongados na região.

O advogado de Asia Bibi ressaltou à agência Reuters que a decisão é "grande notícia" para o Paquistão" e elogiou os juízes por não terem se dobrado à pressão religiosa. Segundo ele, a cliente "finalmente teve justiça".

Apoiadores de partido ultra-religioso bloqueiam rua em Islamabad após anulação de pena de Asia Bibi Foto: FAISAL MAHMOOD / REUTERS
Apoiadores de partido ultra-religioso bloqueiam rua em Islamabad após anulação de pena de Asia Bibi Foto: FAISAL MAHMOOD / REUTERS

No Paquistão, insultar o Islã tem a morte como punição. Dezenas de homens já perderam a vida por serem acusados do crime — alguns foram assassinados por grupos de homens.

Grupos de defesa dos direitos humanos afirmam que a lei sobre blasfêmia é explorada por extremistas religiosos e por paquistaneses para acertar contas pessoais. A lei não define blasfêmia, e as evidências podem não ser reproduzidas no tribunal pelo medo de se cometer uma nova ofensa.

Segundo o "New York Times", críticos dizem que a lei é mal utilizada, muitas vezes para resolver disputas pessoais e de propriedade. As minorias religiosas são especialmente vulneráveis a tais acusações, e pessoas que advogaram por mudanças na lei enfrentaram violência.

Sobre o caso de Asia, seus representantes alegaram que ela estava envolvida em uma disputa com seus vizinhos e que seus acusadores se contradiziam. De acordo com o "New York Times", ela era uma trabalhadora rural de 50 anos quando se viu no centro de uma briga, em junho de 2009 em Ittan Wali, um vilarejo agrícola. Num dia quente de verão, ela fora trabalhar na colheita de frutas com colegas muçulmanos e lhes trouxe água, oferecida pelo patrão. As mulheres muçulmanas do grupo, no entanto, se recusaram a tocar no recipiente trazido por Asia. Deu-se então uma longa discussão. Muçulmanos a acusaram de ofender a religião. Ela negou o fato desde então.

Em fevereiro deste ano, o marido de Asia, Ashiq Masih, e uma de suas filhas se encontraram com o Papa Francisco. O Coliseu de Roma foi iluminado em vermelho em solidariedade a cristãos perseguidos pelo mundo.

"Eu penso na sua mãe e rezo por ela", disse o Pontífice a uma das filhas de Bibi, no encontro.

Os cristãos compõem apenas 2% da população paquistanesa.

"Este é um veredicto divisor de águas. Pelos últimos oito anos, a vida de Asia Bibi definhava no limbo. A mensagem deve ecoar de que leis contra blasfêmia não serão mais usadas para perseguir as minorias mais vulneráveis nos países", declarou Omar Waraich, vice-diretor da Anistia Internacional para o Sul da Ásia.

Em pronunciamento nesta quarta-feira, o primeiro-ministro paquistanês, Imran Khan, disse que tomará medidas severas contra os islamistas radicais que incitarem as pessoas a matarem os juízes que absolveram Asia Bibi.  Segundo informações do "New York Times", o premier estaria irritado com o discurso feito horas antes pelo patrono do Partido Ultraislâmico, incitando a violência contra os juízes da sentença.