Eleições 2020 em São Paulo

Por Bárbara Muniz Vieira e Lívia Machado, G1 SP — São Paulo


A vereadora eleita Erika Hilton (PSOL) posa na Câmara Municipal nesta segunda-feira (16); ela foi a mulher mais votada em 2020 — Foto: Reprodução/Instagram

Erika Hilton (PSOL), de 27 anos, será a primeira mulher trans a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo. Eleita neste domingo (15) com 50.508 votos, ela foi a mulher mais votada e a sexta no ranking geral, atrás apenas de veteranos como Suplicy (PT) e Milton Leite (DEM).

Ativista dos Direitos Humanos, Erika foi eleita codeputada à Assembleia Legislativa do estado de São Paulo pela Bancada Ativista (PSOL) em 2018.

Ao G1, a candidata eleita falou da importância de se tornar a mulher mais votada na maior cidade do país que mais mata transexuais e travestis no mundo.

"Estamos não só vivas, mas eleitas, propositivas, estamos sedentas de direitos humanos e equidade. Nós criaremos muitas fissuras nessas estruturas de poder e dominação", diz ela.

Apesar de comemorar o resultado da eleição, Erika ressalta que muitas trans antes dela só tiveram espaço na prostituição, de forma violenta e compulsória, como forma de sobrevivência.

"Há uma estrutura transfóbica e racista sistêmica que o tempo todo tenta nos matar, uma maquete política preparada e construída para a aniquilação e destruição desse corpo. Nos desumanizam o tempo inteiro", afirma.

Além de mulher trans, Erika se identifica como negra e periférica, mas diz que sua atuação na Câmara Municipal de SP irá além das pautas identitárias.

"Não vou ficar discutindo apenas pauta LGBT, racial ou de mulheres. Esse é o pilar de sustentação do meu próprio corpo, mas eu preciso legislar em todos os temas que competem ao meu cargo na maior cidade da América Latina", declara ela.

Erika diz que pretende construir um mandato coletivo que olhe pela população de rua e contra o desmonte do serviços sociais, além de "políticas que foram sucateadas na gestão Doria/Bruno e que agora precisam ser retomadas."

"Existe um provérbio africano que eu gosto muito que fala: enquanto os leões não contarem a sua própria história, os caçadores continuarão sendo os heróis. É sobre isso que estamos falando: enquanto nós não contarmos as nossas próprias histórias e não construirmos essa história, o fascismo, o ódio, a ‘cis-hetero-norma’ continuará a ser heroica e nós não precisamos mais desse heroísmo falso em cima da morte permaneça."

Veja a entrevista completa:

G1: Qual é o significado de a mulher mais votada de 2020 da Câmara em São Paulo ser trans, negra e periférica?

Erika: Foi uma eleição histórica porque estamos escrevendo mais um capítulo da história, estamos cravando nas paredes da Câmara Municipal o nome da primeira mulher trans eleita e da mulher mais bem votada na história de São Paulo.

Isso significa um avanço da nossa comunidade e uma ruptura da estrutura transfóbica e racista sistêmica que o tempo todo tenta nos matar.

Não se trata só de um corpo, não é só Erika Hilton que está eleita, estamos eleitas de forma coletiva. Chegamos juntas com mulheres negras, indígenas, com deficiência, pessoas pobres, trabalhadoras. Essa é uma construção coletiva.

Esse mandato vai ecoar muitas lutas, muitas vozes, vai fazer um marco na história. Ser a primeira mulher mais votada é algo muito significativo em um país que é o que mais mata transexuais e travestis no mundo.

Estamos não só vivas, mas eleitas, propositivas, estamos sedentas de direitos humanos e equidade, estamos construindo uma história a partir da nossa própria perspectiva, pelas nossas mãos e não recuaremos, não cederemos e não daremos nenhum passo atrás até que todas sejamos livres e possamos ocupar todos os lugares que nos foram roubados.

É isso o que representa essa candidatura que foi feita na raça, amor e esperança, com pessoas reais que acreditam na urgência de transformar e ocupar a sociedade.

A vereadora eleita Erika Hilton (PSOL) posa na Câmara Municipal nesta segunda-feira (16); ela foi a mulher mais votada em 2020 — Foto: Reprodução/Instagram

G1: Em suas redes sociais, você disse que ser a primeira mulher trans eleita na Câmara de SP também é uma grave denúncia do sistema político e social que impediu tantas outras de ocuparem antes esse lugar. Pode explicar melhor?

Erika: A gente tem muito o que celebrar porque essa minha chegada como mais votada significa que estamos organizadas e tomando consciência da necropolítica [termo usado para definir política de morte] e sistema genocida contra nosso corpo. Mas além da celebração, nós temos uma denúncia grave que precisa ser registrada.

Se eu sou a primeira em 2020, o que aconteceu com as mulheres que vieram antes de mim, inclusive abrindo caminhos para que hoje eu pudesse estar aqui? Eu não estou aqui porque abri todos os caminhos e sou heroína. Estou aqui porque existe uma luta ancestral e histórica e essas mulheres e corpos transgêneres foram mortos, aprisionados, internados em sanatórios, jogados na Cracolândia e sentenciadas ao vício. Existe uma maquete política preparada e construída para a aniquilação e destruição desse corpo. Nos desumanizam o tempo inteiro.

Então, sair desse lugar e mostrar para a sociedade que nós não só podemos como estamos construindo essa ponte de um futuro possível para negros e negras, para a juventude, para os periféricos, para os transgêneros, que 90% vivem a prostituição de forma violência e compulsória, é um marco.

Não estamos só ocupando um gabinete na Câmara, estamos tecendo a história, estamos expandindo o mundo. E isso não está restrito ao município, chegaremos muito longe porque as nossas lutas precisam ecoar, nossas vozes precisam ser ouvidas, porque a nossa comunidade não pode mais ficar sentenciada à ausência de políticas públicas, ao genocídio, à prostituição violenta e compulsória, ao drogadicídio. Precisamos ocupar outros espaços e nos ver em outros espaços.

Existe um provérbio africano que eu gosto muito que fala: enquanto os leões não contarem a sua própria história, os caçadores continuarão sendo os heróis. É sobre isso que estamos falando: enquanto nós não contarmos as nossas próprias histórias e não construirmos essa história, o fascismo, o ódio, a ‘cis-hetero-norma’ continuará a ser heróica e nós não precisamos mais desse heroísmo falso em cima da morte permaneça.

G1: Erika, o que você pretende fazer na prática na Câmara para a população que você representa? Como você pensa em avançar em uma Casa majoritariamente branca e composta por homens?

Erika: A política é sustentada por oligarquias. Essa máquina pública funciona para atender aos interesses dessa casta política que são a casta dos homens brancos, mais velhos, cisgêneros que fazem a manutenção do espaço de poder historicamente.

Mas nós em absoluto estamos chegando, costumo dizer que temos urgência, mas não pressa. Foram 388 anos de escravidão sendo legitimada, são quase 140 desde a abolição e nós ainda estamos lutando diariamente pela nossa liberdade.

O que eu pretendo fazer aqui dentro é diálogo, é propor a partir de dados e escolher com quem eu vou dialogar porque aqui dentro são abertamente fascistas e estão aqui para pregar o ódio e para fazer da política um espetáculo. Eu não pretendo fazer disso um freak show.

Eu pretendo formular políticas e apresentar projetos e dessa forma eu pretendo dialogar com todos os setores. Com aquelas pessoas que não estão abertas ao diálogo, faremos um radical enfrentamento.

Os projetos que penso são voltadas à saúde, à educação, a setores culturais, coisas ligadas à qualidade de vida e a perspectiva de futuro, ampliação e melhora do projeto Transcidadania [projeto social criado em 2015, durante a gestão do ex-prefeito Fernando Haddad], por exemplo.

A gente tem de falar do prêmio Maria Carolina de Jesus, para enaltecer a figura de uma mulher negra, catadora e poeta que até hoje é apagada por sua cor e história.

Temos projetos que não são identitários, porque, quando falamos de negritude e LGBT, estamos falando de orçamento, transporte, saúde, de uma série de outras coisas que vamos ter condições de discutir.

Não vou ficar discutindo apenas pauta LGBT, racial ou de mulheres. Esse é o pilar de sustentação do meu próprio corpo, mas eu preciso legislar em todos os temas que competem ao meu cargo na maior cidade da América Latina.

É na base do diálogo que eu pretendo atuar na construção de políticas públicas e projetos de lei que vão minimizar a falta de articulações para a população de rua, o desmonte do serviços sociais, a ausência de casas de acolhida para a população LGBTQIA+, uma série de políticas que foram sucateadas na gestão Doria/Bruno e que agora precisam ser retomadas.

É claro que em quatro anos eu não tenho a pretensão e ingenuidade de que farei uma grande revolução porque eu conheço a máquina pública por dentro, da época que fui deputada. Mas farei um belíssimo mandato, vocês podem ter certeza disso.

Erika Hilton posa na Câmara Municipal nesta segunda-feira (16) — Foto: Reprodução/Instagram

VÍDEOS: Primeiro turno das eleições municipais 2020 em São Paulo

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