RIO — O poder público investe pouco em cultura, e esse investimento está ainda menor. Dados do Sistema de Informações e Indicadores Culturais (SIIC), divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que, em 2018, o setor consumiu apenas 0,21% de todos os gastos de prefeituras, estados e União. Em 2011, data do início da análise do IBGE, o percentual foi de 0,28%. O maior patamar alcançado nesse período (0,30%) aconteceu em 2013. Desde 2015, porém, ele vem caindo.
— A porcentagem dos gastos dos governos com a cultura é tão ínfima que nem a retração da economia explicaria essa redução — observa o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. — É um setor com potencial para contribuir com a economia, ao menos qualitativamente, e que não vem sendo olhado de forma correta.
Publicado pela última vez em 2013, o material reúne dados de diferentes estudos do IBGE, como a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD Contínua) e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), além de informações do Cadastro Central de Empresas (Cempre) e das Estatísticas Econômicas e Financeiras das Administrações Públicas (APU). Os investimentos públicos são apenas parte da análise, que ainda traz dados sobre acesso a bens culturais, emprego, impacto na economia e hábitos de consumo.
De acordo com o Instituto, o número de empresas e organizações que atuam no setor também encolheu. Eram 353,2 mil em 2007, chegaram 383,5 mil em 2010, mas caíram para 325,4 mil em 2017. O segmento empregava 1,8 milhão de pessoas em 2007, chegou a 2,03 milhões em 2010, atingiu o ápice em 2013, com 2,2 milhões de empregados, mas recuou 11,3% desde então. Em 2017, último ano da pesquisa, o número de ocupados era de 1,9 milhão.
O aumento da informalidade é outro dado que chama a atenção: entre 2014 e 2018, o percentual de ocupados com carteira de trabalho assinada na Cultura caiu de 45% para 34,6%.
Para Pedro Guimarães, diretor da Apresenta Rio, associação dos promotores de eventos de entretenimento, a economia criativa pode ser uma saída para a crise. Somente em 2017, segundo o IBGE, a cadeia movimentou R$ 226 bilhões:
— No Rio, por exemplo, temos uma tradição em grandes eventos, que já fazem parte do calendário. A cultura impulsiona o turismo e impacta toda a cadeia econômica. Investir nesse setor é garantir retorno em todos os outros. Já temos vocação e qualificação, falta agora uma política forte de incentivos.
Segundo o IBGE, no biênio 2017-2018, as famílias brasileiras gastaram, em média, 7,5% de seu orçamento com produtos e serviços relacionados à cultura. A maior parte do consumo (59,9%) foi puxada por serviços de internet, telefonia e TV por assinatura.
— Internet e telefonia ganharam importância com novas formas de fruição, como o streaming, que não existia antes — observa Leonardo Athias, pesquisador da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE. — Hoje, são uma despesa importante em famílias de todas as faixas de renda, o que é positivo pela questão da ampliação do acesso. A parte negativa é o peso desse gasto para as famílias de renda menor, fazendo com que outras atividades culturais fiquem restritas a faixas mais altas.
Além de fatores econômicos, as mudanças tecnológicas também provocaram alterações no consumo. Em 2009, havia videolocadoras em 69,6% dos municípios. Em 2018, elas estavam em apenas 23% deles. Fenômeno parecido ocorreu com as lojas de discos e DVDs, cujo presença nos municípios caiu de 44,9% para 23%. Nesses quase dez anos, o número de livrarias também encolheu. Elas estavam em 28% dos municípios em 2009. No ano passado, em apenas 17,7% deles. Para piorar, o número de cidades com bibliotecas públicas também diminuiu, indo de 93,2% para 87,7%, e a presença de teatros e salas de espetáculos caiu de 21,1% em 2009 para 20,6% em 2018.
Por outro lado, aumentou o número de municípios com museus (de 23,3% para 25,9%) e cinemas (de 9,1% para 10%). Sinal dos tempos, o acesso a provedores de internet manteve a curva de crescimento. Em 2009, 55,6% dos municípios tinham. Ano passado, 58% .
O cruzamento das pesquisas mostra, ainda, que, em 2018, entre as crianças e os adolescentes brasileiros, 35,9% viviam em cidades sem museus, 34,6% sem teatros ou salas de espetáculo e 43,8% cinemas.