Por Leslie Leitão e Marco Antônio Martins, G1 Rio


Os fundadores do Escritório do Crime: Capitão Adriano, tenente João e o ex-PM Batoré — Foto: Reprodução

Desde 2009, há pelo menos 13 assassinatos em que os integrantes do chamado "Escritório do Crime" são suspeitos de participação. Só em 2 deles houve denúncia por parte do Ministério Público. Justamente as duas execuções que levaram à prisão de parte do grupo, na manhã da última terça-feira (30).

Segundo investigadores, pode ser o início do caminho para levar à solução de muitos outros casos que assombram o Rio de Janeiro há mais de uma década -- e que tiveram investigação impulsionada por outro crime de repercussão mundial, as execuções de Marielle Franco e Anderson Gomes, em 14 de março de 2018 (entenda a ligação abaixo).

O modo de agir do grupo de matadores sempre foi o mesmo: uso de armas de guerra em ações sob encomenda, que chamam a atenção pela brutalidade. Além disso, investigadores perceberam que parecia haver uma rede de proteção que sempre evitou que se chegasse aos integrantes da quadrilha.

Assassinato em Ipanema, em 2009

É praticamente impossível saber quando o grupo começou a se formar, mas uma das mortes com participação da quadrilha investigada remonta ao ano de 2009.

Em 28 de janeiro daquele ano, o pecuarista Rogério Mesquita, de 54 anos, tomava um suco numa lanchonete na esquina das ruas Maria Quitéria e Visconde de Pirajá, em Ipanema, na Zona Sul do Rio. Era meio-dia quando uma moto preta se aproximou, um homem desceu e disparou três vezes. Voltou para a moto e sumiu. Jamais foi encontrado.

Na véspera de ser morto, Mesquita prestou depoimento na Delegacia de Homicídios. Lá, disse que estava sendo ameaçado. Detalhou que seu nome estava numa lista de sete pessoas marcadas para morrer. E que todas seriam assassinadas por um grupo de pistoleiros de Jacarepaguá, que matava por encomenda.

Adriano investigado

O ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) Adriano Magalhães da Nóbrega, morto esse ano pela polícia na Bahia, passou a figurar no inquérito como principal suspeito. Um ano antes, em 2008, em Cachoeiras de Macacu, no interior do Rio, o carro da família de Mesquita havia sido fuzilado, mas a emboscada deu errado.

Segundo os investigadores, Adriano e seu inseparável amigo, o também oficial do Bope e tenente João André Martins Ferreira, já trabalhavam para José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal, casado com Shanna Garcia, filha do bicheiro Waldemir Paes Garcia, o Maninho.

Personal via Rogério Mesquita e Alcebíades Paes Garcia, o Bid, irmão de Maninho, como ameaças ao seu controle nos negócios da família.

Nesse imbróglio familiar, segundo os investigadores, o Escritório do Crime acabou sendo usado outra vez, dois anos após a morte de Mesquita. Em 16 de setembro de 2011, dois homens – até hoje não identificados – entraram em um centro espírita na Praça Seca e fuzilaram Zé Personal. Um outro homem que estava no local acabou morrendo também: Jocimar Soares de Oliveira.

O episódio fez a fama entre criminosos de um ex-policial militar, expulso da corporação por vender pistolas a traficantes do Morro do Dendê, na Ilha do Governador, e que se tornaria um dos mais requisitados matadores de aluguel da cidade: Antônio Eugênio de Souza Freitas, o Batoré.

Supostas vítimas do Escritório do Crime — Foto: Editoria de Arte/G1

Pelo menos por sete anos, entre 2009 e 2016, o trio -- Adriano, João André e Batoré -- é suspeito de estar reunido na prática de assassinatos.

Só que em 16 de março de 2016, o tenente João, considerado o braço-direito de Adriano, foi morto com vários tiros ao sair de uma padaria na Ilha do Governador, na Zona Norte do Rio.

Pouco mais de dois meses depois, os investigadores dizem ter informações de nova atuação do Escritório, e Batoré figura como um dos principais suspeitos: a morte do sargento reformado Geraldo Antônio Pereira, em frente a uma academia no Recreio dos Bandeirantes, em 17 de maio de 2016.

'Escritório do crime' pode estar por trás de rede de execuções sumárias nos últimos anos

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As imagens, exibidas pela TV Globo pela primeira vez esta semana, mostram os matadores em ação. O grupo esperou Pereira e outros dois amigos se aproximarem da porta, desembarcaram de um veículo branco parado no estacionamento e abriram fogo com dezenas de disparos de fuzil.

Orlando Curicica: o elo com o caso Marielle

O ex-PM, Orlando Oliveira Araújo, o Orlando Curicica, nesta época trabalhava para Pereira na contravenção e falou sobre o caso em seu depoimento, após ser preso como suspeito pela morte de Marielle -- a participação dele hoje é descartada pelos investigadores, mas foi seu depoimento que levou ao avanço das investigações contra o Escritório do Crime.

“Eu fui chamado pelo jogo do bicho para me avisar que ‘morreu ali’. O cara era meu amigo. Então, eles só queriam que eu entendesse que não tinha guerra, que era pra eu viver a minha vida sem vingança. Sem guerra. Me mostraram o dinheiro que estava seguindo para DH”, afirmou aos procuradores do MPF.

Até hoje, Orlando não apresentou provas de suas acusações contra a Delegacia de Homicídios.

Caso Falcon: presidente da Portela executado

Em 26 de setembro de 2016, um aliado de Pereira acabou executado em mais uma ação da quadrilha, segundo a investigação. No fim da tarde, homens encapuzados, armados com fuzis, entraram no comitê de campanha do então presidente da Portela e candidato a vereador do Rio de Janeiro, o policial reformado Marcos Falcon, que nem teve tempo de reagir.

Em junho de 2017, outro assassinato atribuído ao grupo: o contraventor Haylton Scafura e a policial militar Franciene Soares de Souza foram mortos em um hotel na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Segundo os investigadores, Scafura era o alvo, e Franciene estava no lugar errado, na hora errada.

Capitão Adriano, tenente João e Batoré figuraram em inquéritos que ao longo de anos foram acumulando poeira nas gavetas da polícia.

Sobre o capitão Adriano, o Ministério Público escreveu que havia uma certa "idolatria" do grupo de matadores em torno da figura do ex-policial, que já nesta época era ligado a milicianos de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio.

Foco no grupo após Marielle e de Anderson

As atenções sobre o grupo começam a mudar cinco meses após o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

Em 22 de agosto de 2018, Orlando Curicica prestou depoimento a procuradores da República, no presídio federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Em seu relato de 19 páginas, ele torna público um nome que já era falado no submundo carioca: Escritório do Crime.

Não se trata de um escritório, fisicamente falando, mas um simbolismo pela reunião de ex-policiais e matadores a serviço de quadrilhas de milicianos e de bicheiros.

De acordo com investigações, o grupo se reunia no interior da comunidade de Rio das Pedras para discutir o planejamento de um crime ou antes de praticar alguma morte.

Orlando Curicica explicou isso em seu depoimento:

“Jogo do bicho durante muitos anos, tinha seus matadores, que normalmente eram policiais. Esses matadores passaram a ganhar as áreas, bairros, para que explorassem o jogo de caça-níquel. Então, eles pararam de matar, não matavam mais. E o que aconteceu? Começaram a contratar grupos, terceirizar o serviço. Em vez de ter alguém ligado a mim pra matar pra mim, se eu quero matar eu contrato alguém que não me conhece, que não sabe quem eu sou. Eu vou mandar o dinheiro, ele vai matar a pessoa e acabou. Jogo do bicho passou a fazer isso”, disse Orlando Curicica.

Orlando estava acuado na época do depoimento: era o principal suspeito da Delegacia de Homicídios para o Caso Marielle. Fez diversas acusações e, pela primeira vez, citou nomes. Deu números.

“Houve 12 assassinatos nos últimos dois anos ligados diretamente ao jogo do bicho, e não tem um bicheiro ou matador de bicheiro preso. Não tem nem sequer algum inquérito que diga que esse homicídio é do bicheiro. Nem isso existe.”

Reviravolta no caso Marielle

Em 15 de outubro de 2018, outro fato ajuda nas investigações contra os matadores. Um denunciante anônimo chegou à Delegacia de Homicídios, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Trazia informações sobre dois suspeitos de terem planejado e executado, 211 dias antes, Marielle Franco e Anderson Gomes.

A pista que, agora, a Polícia Civil e o Ministério Público acreditam ser a trilha correta levou aos nomes de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, presos em 2019. Nenhum deles integrava o Escritório do Crime, segundo a investigação.

Operações contra milícias

O relato abriu caminho também para um leque de investigações que acabaram conduzindo policiais e promotores a algumas das maiores ações já realizadas contra o crime organizado na história do Rio de Janeiro.

Em novembro de 2018, a Polícia Federal e o Ministério Público estadual passam a apurar uma possível obstrução no caso de Marielle e a trocar informações sobre o Escritório do Crime.

Dois meses depois e o primeiro resultado: em 2019, a operação Intocáveis levou à prisão integrantes da milícia de Rio das Pedras, uma das mais antigas do Estado.

Para analisar o material apreendido na Intocáveis e auxiliar em outras investigações que surgiram a partir daí, um acordo de colaboração firmado entre o Ministério Público estadual e o Ministério da Justiça (MJ) disponibilizou, a partir do segundo semestre de 2019, policiais lotados na Secretaria de Operações Integradas, do MJ, para atuar na investigação e análise de provas que foram sendo encontradas sobre a atuação do grupo de matadores.

A morte de Batoré, em junho de 2019, em um confronto com a PM, no Morro do Dendê, na Ilha do Governador, e o mandado de prisão, obtido pelo Gaeco, do MP, contra o capitão Adriano fizeram com que o grupo de criminosos passasse a ter outra configuração.

Isso se confirmou em fevereiro, quando o capitão Adriano morreu em confronto com a polícia da Bahia.

A partir daí, um dos integrantes do grupo, Leonardo Gouvêa, o Mad, assume a chefia do Escritório do Crime. Ao lado do irmão, Leandro, conhecido como Tonhão, Mad manteve a estrutura montada por Adriano, que esteve uma década sem ser incomodada no RJ.

Na terça-feira (30), a operação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP-RJ, e da Delegacia de Homicídios, da Polícia Civil prendeu Mad e Tonhão.

Outros dois integrantes do grupo, João Luiz da Silva, o Gago, e Anderson de Souza Oliveira, o Mugão, continuam foragidos.

Integrantes do Escritório do Crime, Gago e Mugão, são foragidos da Justiça — Foto: Reprodução

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