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Andorra e Bélgica

O Brasil vai mal no Pisa, mas, se olharmos exclusivamente os dados das escolas “X”... Sempre depois que a OCDE divulga os resultados de seu exame internacional, surge o debate sobre como seria o resultado do país caso ele fosse representando somente por um grupo de colégios. O mais comum é esse recorte ser feito considerando apenas o setor particular, que representa 19% das matrículas na educação básica. No caso da prova de leitura – foco desta última edição do Pisa - analisando apenas a média desse segmento, o Brasil daria um salto de quase 100 pontos na escala da prova, saindo da 57ª posição para se igualar a nações como Polônia (10ª), Suécia (11ª) ou Nova Zelândia (11ª).

A mesma linha de raciocínio já foi usada para destacar colégios federais, onde estudam 0,9% dos alunos da educação básica. Na edição de 2015, os alunos dessas escolas tiveram desempenho médio compatível ao da Coreia do Sul, a 11ª nação do ranking. Em 2019, a novidade foi o destaque que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, deu aos colégios militares, afirmando na coletiva de apresentação dos resultados do Pisa que “quando olhamos as escolas militares e cívico-militares já existentes, o Brasil está acima da média da OCDE”. Neste caso, sequer há dados no exame para embasar tal afirmação, já que não há na amostra do Pisa número suficiente desses colégios para permitir essa inferência.

O debate sobre o melhor modelo para a educação brasileira é pertinente. O problema está no argumento simplista de que, se tivéssemos mais escolas “X” (o leitor pode substituir o “xis” pela palavra que mais lhe convir), daríamos um salto de qualidade. A depender do gosto do freguês, a partir daí temos a prova de que a gestão privada é necessariamente melhor do que a pública, de que é o nível de gastos das federais que mais explica seu resultado superior, ou que o grande segredo está na disciplina rígida do modelo militar.

O ponto aqui não é o de refutar por completo qualquer uma dessas teses. O argumento é que, apenas pelos dados do Pisa, não é possível chegar a nenhuma das conclusões acima. Para estar mais próximo disso, seria preciso comparar escolas com características similares, com mesmo perfil socioeconômico de alunos, com níveis de gastos semelhantes, e que atendem estudantes nas mesmas condições que as redes municipais e estaduais. Isso significa não fazer seleção de alunos (na entrada ou na saída), não recusar vagas para crianças com deficiência, e aceitar a matrícula mesmo daqueles que chegam com defasagem de aprendizagem em qualquer momento do ano. Quando esse tipo de estudo é feito de forma rigorosa, controlando todas as variáveis possíveis, o impacto identificado, quando existente, tende a ser muito menos vistoso do que o comumente apregoado de forma apaixonada (ou interessada) por defensores de um modelo ou de outro.

Voltando ao Pisa, em leitura, só 2% dos alunos brasileiros estão nos níveis mais altos de aprendizagem, média que na OCDE é de 9%. Podem existir algumas ilhas de excelência no país, mas o que temos é que, na média, alunos de maior nível socioeconômico daqui, quando comparados com estudantes de características semelhantes em outros países, também ficam nas últimas colocações do ranking. Creso Franco, então pesquisador da PUC-Rio, assim definiu esse quadro quando analisou os dados do exame de 2000: “Em educação, o lado Bélgica do Brasil não existe. Ou, se existe, tem as dimensões de Andorra”.

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