Colunas de Caroline Prolo

Por Caroline Prolo

Advogada especialista em direito ambiental e direito das mudanças climáticas.

São Paulo


Em novembro de 2021 finalmente vimos 192 países chegarem a um consenso sobre as regras básicas para o funcionamento dos instrumentos de mercado de carbono previstos no artigo 6 do Acordo de Paris. A decisão foi tomada durante a COP 26 em Glasgow, após mais de seis anos de negociações complexas, em que se buscou acomodar as diferentes posições de países desenvolvidos e países em desenvolvimento, para que todos pudessem participar de um mesmo mercado global. Agora, com a decisão de Glasgow, temos mais clareza sobre como esses instrumentos de mercado de carbono do Acordo de Paris vão funcionar e sobre o seu papel nesse processo de descarbonização das economias mundiais. Mas há ainda algumas incertezas.

Para lembrar: o artigo 6 do Acordo de Paris prevê dois instrumentos de mercado de carbono. O primeiro deles é uma espécie de comércio dos resultados de mitigação atingidos por um país. Esses resultados de mitigação são reduções de emissões ou remoções de gases de efeito estufa realizadas no território de um país após o ano de 2020, os quais podem ser transferidos para que outro país use tais resultados para abater do cumprimento de sua meta climática. Como todos os países possuem metas climáticas perante o Acordo de Paris — a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) —, esses resultados de mitigação a serem transferidos de um país para o outro precisam ser excedentes ao que país originador vai utilizar para abater do cumprimento da própria meta. É por isso que tem se falado que esses resultados de mitigação são “excedentes de NDC”. O Acordo de Paris denomina esses resultados de mitigação como “ITMOs – Internationally Transferred Mitigation Outcomes”.

No segundo instrumento, a mitigação ocorre por meio de projetos de redução de emissões ou remoção de GEE certificados por um mecanismo vinculado ao Acordo de Paris (esse mecanismo ainda não tem nome; por enquanto é chamado apenas de “Mecanismo do Artigo 6.4”). Esses projetos podem ser totalmente de iniciativa de atores do setor privado, mas precisarão ser aprovados pelo governo do país onde estão hospedados, de forma similar ao que ocorria com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quioto. Os certificados de redução de emissões gerados por esse mecanismo (que hoje ainda são chamados apenas de “A6.4ERs” ou “Reduções de Emissões do Artigo 6.4”) também podem ser usados por outros países para abatimento de suas metas climáticas.

Em Glasgow, os países decidiram que tanto os ITMOs quanto as reduções de emissões certificadas podem ser usadas para outras finalidades além de abatimento das NDCs de um país. Isso significa que poderão ser usadas, por exemplo, para cumprimento de metas das empresas no mercado voluntário de carbono, ou para as metas das companhias aéreas no mercado de carbono do setor da aviação – CORSIA -; ou ainda podem ser embolsados pelos próprios países emissores para serem utilizados dentro dos seus mercados domésticos de carbono. Assim surge um novo tipo de “crédito de carbono” no mercado, um que traz o selo da ONU e a promessa de contribuir para cumprir os objetivos do Acordo de Paris.

Assim, a decisão de Glasgow acaba não só reconhecendo a possibilidade de se dar outros usos para as unidades geradas pelo Artigo 6, mas também que todos esses usos são relevantes para o sistema do Acordo de Paris. Nesse sentido, a decisão estabelece que, quando as unidades forem transferidas para que outro país recebedor cumpra compromissos internacionais, o país transferidor deve fazer ajustes correspondentes no seu balanço de emissões para demonstrar que não está usando tais reduções de emissões para cumprir sua NDC no Acordo de Paris.

Logo, é possível interpretar que nem todos os créditos de carbono gerados dentro do Artigo 6 precisarão passar por ajustes correspondentes. A decisão de Glasgow permite que os países “hospedeiros” dos projetos certificados pelo mecanismo do artigo 6.4 identifiquem quando as reduções de emissões decorrentes dos projetos serão ou não serão usadas para cumprir a própria NDC, por meio de uma espécie de “autorização”, que é emitida na fase de aprovação do projeto. Sempre que o país hospedeiro não pretender se utilizar daquelas reduções de emissões para sua meta climática, emitirá tal autorização, que implica a transferência exclusiva para que terceiros tenham o direito de usar esse claim de resultado de mitigação. Consequentemente, o país hospedeiro assume também o compromisso de aplicar ajustes correspondentes das unidades de mitigação deste projeto no seu balanço de emissões perante o Acordo de Paris.

No entanto, ainda não há detalhes sobre como vai funcionar esse sistema de autorização e identificação dos projetos, tampouco clareza sobre onde os projetos emanados do mercado voluntário de carbono estariam inseridos nesse contexto.

Além disso, a decisão de Glasgow também reconheceu a possibilidade de uma certa transição dos créditos, projetos e metodologias do antigo MDL para o regime do Acordo de Paris. Ficou definido que as Reduções Certificadas de Emissões de projetos registrados em ou a partir de 2013 poderão ser utilizados para cumprimento de NDCs dos membros do Acordo de Paris, mas somente até o ano de 2030. Também será permitida a continuidade de projetos de MDL em andamento e que ainda não geraram créditos de carbono, desde que seja feito pedido de transição para o novo mecanismo do artigo 6.4 até dezembro de 2023 e que os projetos sejam consistentes com os critérios do novo mecanismo. Assim, de certa forma créditos de MDL continuarão sendo emitidos, dentro dessas condições acima e conforme procedimento ainda a ser definido.

Assim como no MDL, o mecanismo do Artigo 6.4 contará com um “Órgão Supervisor” (no MDL se chamava “Conselho Executivo do MDL”), compreendendo 12 membros de países partes do Acordo de Paris, com representação geográfica equitativa e buscando promover equilíbrio de gênero. O Órgão Supervisor regulamenta os critérios e procedimentos para operacionalização do mecanismo, registra e emite unidades, acredita entidades operacionais e reporta suas atividades anualmente pra COP. Ele é apoiado pelo Secretariado da Convenção do Clima da ONU. Dentro do mecanismo, vai haver uma estrutura de registro internacional. Quando transferências internacionais acontecerem, os ajustes correspondentes serão reportados e registrados dentro de uma plataforma central de contabilidade e relato que será criada.

O Órgão Supervisor vai se reunir já pelo menos duas vezes em 2022 para desenvolver as disposições para o desenvolvimento e aprovação de metodologias, validação, registro, monitoramento, etc. Ele tem inclusive um mandato de rever as metodologias, salvaguardas, standards e procedimentos do MDL para avaliar a conveniência de reutilizá-las no mecanismo do 6.4.

Também em 2022 os países vão continuar rodadas de negociação técnica para complementar e detalhar pontos que não puderam ser decididos em Glasgow. Um desses pontos é sobre a possibilidade de se utilizar atividades de “emissões evitadas”, tanto como atividades elegíveis de ITMOs quanto para projetos do artigo 6.4. O regulamento de Glasgow prevê que redução de emissões e remoção de GEE são atividades elegíveis para se gerar unidades de mitigação do artigo 6. Não está claro o que “emissões evitadas” significa, mas há a possibilidade de se considerar nesse conceito determinados projetos de “desmatamento evitado” que mensuram os estoques de carbono que deixam de ser eliminados para a atmosfera quando uma floresta é mantida de pé. Ao longo de 2022, os países devem continuar promovendo um debate em torno dos limites de interpretação de “emissões evitadas”, para na COP 27 tomar uma decisão nesse sentido. Isso vai ser importante para que haja mais clareza na elegibilidade de atividades de manutenção de estoque de carbono na floresta e no uso da terra.

A regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris trouxe a certeza de que teremos um ambiente global de mercado de carbono, integrado com a iniciativa privada e capaz de coordenar as transferências de ativos de descarbonização entre os orçamentos de carbono dos países membros do Acordo de Paris. Esse ambiente de mercado terá uma governança e infraestrutura própria, inclusive para promover uma contabilidade inovadora, em que ajustes correspondentes precisarão ser feitos para garantir que não haverá dupla contagem de créditos de carbono entre os participantes do mercado. E sabemos que esse novo sistema poderá se basear em parte no modelo já conhecido do MDL para fluxos, standards, procedimentos e até metodologias. Mas ainda há aspectos a serem detalhados, indefinições a serem superadas e ambiguidades a serem esclarecidas, para que se entenda todas as atividades e oportunidades existentes dentro desse mercado. Ao longo do ano de 2022, novas rodadas de negociação entre os países acontecerão para elaborar esses aspectos remanescentes, e o Órgão Supervisor do mecanismo do artigo 6.4 elaborará as próprias regras de funcionamento. De qualquer forma, já há elementos para que os governos e atores de mercado possam começar a modelar iniciativas inovadoras que possam se beneficiar desse novo sistema internacional e contribuir para o cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris.

Caroline Prolo é sócia do Stocche Forbes Advogados especialista em Direito Ambiental

Caroline Prolo — Foto: Arte sobre foto Divulgação
Caroline Prolo — Foto: Arte sobre foto Divulgação
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