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Por Lucy Kellaway, Financial Times


Com uma nova década prestes a começar, me vejo preocupada com muitas coisas. Por exemplo, meus alunos de economia do 11º ano, que realizarão exames de qualificação GCSE no terceiro trimestre. Tenho só cinco meses para dissuadi-los da ideia de que déficit em conta corrente é o mesmo que déficit fiscal.

Também estou aflita com meus dentes, em especial o agora ausente molar superior direito, e se devo gastar cerca de 3 mil libras com outro implante. Me preocupo com as mudanças climáticas e as inconsistências do meu emprego. Descartei a máquina de café Nespresso e quase não como mais carne - mas ainda uso meu aquecedor a lenha. Me preocupo constantemente com meus quatro filhos.

Me preocupo com o Brexit e com o temperamento do primeiro-ministro. E com os mendigos que ficam do lado de fora dos supermercados Sainsbury’s e se devo ou não dar dinheiro a eles. Me preocupo cada vez mais com o telhado plano gotejante na lateral da minha casa, especialmente agora que a água está escorrendo em direção a uma tomada. Me preocupo por ter muita coisa para fazer e se conseguirei ter horas de sono suficientes que me permitam funcionar.

Estou preocupada com os 200 professores da Now Teachers, que encorajei a assumir essa nobre e árdua profissão. E estou preocupada com as tulipas que plantei no meu jardim. Temo que as cores rosa e amarelo resultem em uma combinação horrível.

É muita coisa para uma pessoa só se preocupar. Mesmo assim, uma coisa que não me preocupa é a possibilidade de eu me preocupar demais. A preocupação deveria ser uma emoção inútil. Mahatma Gandhi, Winston Churchill, George Bernard Shaw e o Dalai Lama não tinham nada de positivo a dizer sobre ela. A Bíblia também não gostava dela. “Qual de vocês, sendo ansioso, pode acrescentar uma única hora às suas vidas?”, perguntou Mateus.

Desde então, as pesquisas médicas responderam a pergunta desse apóstolo: ser uma pessoa que se preocupa com moderação pode esticar sua vida, reduzindo as probabilidades de você contrair um câncer. Outra pesquisa mostra que pessoas inteligentes se preocupam mais porque são mais criativas e atentas a todas as coisas que podem dar errado.

Sem a preocupação, a vida se torna um mar plano de complacência. Minha única experiência em ser totalmente livre de preocupações foi quando tomei Valium. Embora tenha sido bom por algumas horas em um feriado aflito, eu odiaria viver desse jeito.

Minha meta para 2020 não é me preocupar menos, e sim me preocupar com mais sabedoria. A visão popular da preocupação é a de que não há problema com ela, contanto que ela envolva algo que você poderá mudar. Minha preocupação com meus alunos é útil uma vez que me faz pensar seriamente sobre o que ensino a eles e como faço isso, sobre como aprimorá-los adequadamente e como melhor administrar o coquetel de incentivos e sanções.

A preocupação com o meu telhado e as mudanças climáticas também é útil - embora o problema aqui seja o fato de minha preocupação ser muito pequena. Se eu me preocupasse mais com o telhado, teria me mexido e encontrado alguém para resolver o problema. Se eu fosse mais preocupada com as mudanças climáticas, teria me livrado do aquecedor a lenha.

A preocupação também é uma coisa boa se ajudar você a resolver problemas. Decidi então que é melhor dar esmolas aos mendigos. O melhor argumento contra isso é que as esmolas perpetuam o problema - mas se isso fosse verdade, uma sociedade sem dinheiro resultaria na redução do número de mendigos, e não o contrário. A economia me diz que a utilidade marginal de uma moeda ou duas é muito maior para eles do que para mim, de modo que em 2020 vou parar de me preocupar, e fazer doações.

Mas e quanto àquelas preocupações que fogem do meu controle? Na noite das eleições eu já havia depositado na urna meu voto inútil em um partido que se saiu tão mal que nem mesmo seu líder conseguiu ser reeleito, e então dormi até de manhã, com meu estômago travado pela ansiedade.

Isso não adiantou nada, mas foi apropriado. Vivemos em uma democracia, o que significa que devo ao país não apenas meu voto, como também minha preocupação. Isso significa que vou me preocupar, pelo menos ocasionalmente.

Mais do que isso, devo aos meus filhos a preocupação impotente que tenho com eles na maior parte do tempo. Quando minha filha mais velha era bebê e precisou fazer uma pequena cirurgia, liguei para a minha mãe, que disse - de uma maneira que não ajudou, mas que era a correta - que minha preocupação com os filhos não mudaria quando eles chegassem à idade adulta, com a diferença de que não haveria muita coisa que eu pudesse fazer para ajudá-los. Amá-los é se preocupar com eles.

O trabalho também merece a nossa preocupação. Não vale a pena ter um emprego com o qual você não se preocupa. Mas aqui alguns tipos de preocupações são melhores do que outras. Em meu novo trabalho, me preocupo com meus alunos, individual e coletivamente. Nos meus velhos dias de colunista eu me preocupava com quantas vezes minha coluna era acessada, com o número de comentários e compartilhamentos. Mesmo no momento em que escrevo estas linhas, tenho uma apreensão familiar de que um leitor vai escrever: “Isso consumiu dois minutos da minha vida que jamais terei de volta”.

Isso é inútil, doloroso e contraproducente, assim como a maior parte das preocupações que você tem consigo mesmo. A preocupação de estar estressada ou insone me deixa ainda mais preocupada. Estas são as minhas piores preocupações e resolvi abrir mão delas.

Por outro lado, minha melhor e mais saudável preocupação é com as tulipas. Não posso mudar o planejamento das cores, uma vez que elas já foram plantadas e isso também não tem a menor importância. Mas aí é que está a beleza da coisa.

A coisa mais estranha sobre minhas preocupações é que pareço ter uma capacidade predeterminada para isso. Se não tenho nada importante sobre o que me preocupar, me preocupo com as pequenas coisas. A melhor maneira de eu deixar de me preocupar com a queda dos meus dentes, ou com a minha insônia, é me recostar e pensar na desarmonia entre as tulipas amarelas e as cor-de-rosa.

Lucy Kellaway é editora contribuinte do Financial Times e cofundadora da Now Teach, organização que ajuda profissionais experientes a se tornarem professores.

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